Em junho de 1855, uma leva de imigrantes suíços aportou em Santos, vinda no navio Kronprinz Ernest August. A bordo estava o mestre-escola Thomas Davatz. Eles traziam na bagagem a esperança de se tornar, muito antes dos italianos, colonos do café. Fascinante história.
A incrível jornada da primeira imigração europeia destinada ao trabalho nas lavouras cafeeiras começou, formalmente, em 1847. Essa é a data de fundação da Colônia Senador Vergueiro, um empreendimento promovido na fazenda Ibicaba, situada no município paulista de Limeira. A inovadora ideia criaria, por um século, um regime agrário único: o colonato paulista.
No contrato, escrito, de parceria oferecido aos imigrantes residia a grande novidade do sistema Vergueiro. O pioneiro termo estabelecia certo número de pés de café para cada família zelar, desde o plantio até a colheita. Esta se repartiria entre o colono e o fazendeiro. Facultava-se ainda o plantio de gêneros alimentícios no entremeio da lavoura principal, quando ainda nova, ou em áreas marginais da propriedade. Todas as transações se registrariam em cadernetas. Nomeavam-se árbitros que, em reuniões públicas, resolviam as dúvidas porventura surgidas entre as partes contratantes.
Fazendeiros tradicionais, acostumados com as regras rígidas da escravatura, e culturalmente formados no modelo latifundiário nordestino, achavam liberal demais a proposta Vergueiro. Mas a busca de braços livres agradou no Velho Mundo. Ela oferecia uma espécie de eldorado aos camponeses europeus, começando por aqueles que viviam miseravelmente nos Alpes suíços.
Naquela época, tendo entrado pelo Vale do Paraíba, do Rio de Janeiro rumo a São Paulo, os cafezais começavam a se estabelecer nas terras roxas da região de Campinas. Por ali se estabeleceram também as primeiras famílias de imigrantes, retratadas genuinamente nas Memórias de um Colono no Brasil, livro escrito em 1858 por quem vivenciou aquela jornada: o suíço Thomas Davatz.
Ele relatou a labuta diária, os sonhos e os pesadelos da sua gente, que trocou a pátria-mãe buscando o progresso no além-mar. Seu livro representa um extraordinário depoimento, único na historiografia nacional, sobre as condições de vida dos primeiros imigrantes que chegaram para trabalhar na formação da economia cafeeira de São Paulo. Emociona o leitor moderno.
Davatz começa por descrever os aspectos singulares da nova terra para onde vieram seus patrícios trabalhar. Impressionam-no as enxurradas no verão, a força vegetativa da terra, as doenças que os ameaçam, pernilongos e abelhas que os picam, cobras, formigas saúvas. Destaca o "perigo" do desconhecido bicho-de-pé, larvas que lhes provocam ferimentos doloridos embaixo das unhas. Vida de Jeca Tatu.
É realmente fantástico. Imaginem, há 157 anos, desembarcarem por aqui alvos povos acostumados ao gelo das montanhas, destinados a enfrentar as vicissitudes da Mata Atlântica, carpindo e colhendo café junto com escravos, morando em taperas corroídas pelo quente e úmido clima tropical. Um agravante: boa parte deles nem sequer tinha experiência na lida da terra.
Atesta o historiador Sérgio Buarque de Holanda, tradutor do livro de Davatz. No rico prefácio da obra ele esclarece que, em certo sentido, havia uma política de verdadeira depuração nacional nos países de origem, que empurravam para a fila dos navios não apenas camponeses de fato, mas gente de todo tipo, incluindo bandidos e idosos, deficientes e desocupados. Não seria fácil seu destino.
O martírio começava no desembarque do navio. Tudo precaríssimo. Nem a Hospedaria dos Imigrantes, construção famosa décadas mais tarde, fora ainda erguida. Recepcionados no pátio, ali receberiam as instruções sobre a fazenda onde se fixariam. Dura viagem. O grupo suíço de Davatz levou 17 dias, desde a subida da Serra do Mar até a Fazenda Ibicaba, marchando a pé, somente as crianças nas cestas das mulas, em carros de boi a caravana. Uma epopeia.
Alguns navios os trouxeram. Ao todo, seguindo a receita da parceria de Vergueiro para o café, 26 colônias se instalaram em fazendas situadas nos municípios de Limeira, Rio Claro, Campinas, Amparo, Jundiaí, Pirassununga e Piracicaba. Nelas residiam, segundo levantamento da época, 251 famílias de suíços, com ascendência alemã ou francesa, um contingente de 1.180 pessoas. Maior que o de alemães, belgas ou portugueses, companheiros de ilusão.
Afora as angústias da mente, saudosa do berço original, e os sofrimentos da carne, advindos do árduo trabalho na roça, surgiram desconfianças financeiras entre os colonos e o patrão. Que cresceram com frustrações na colheita. Uma sequência de ameaças e mal-entendidos criou um caldo efervescente que resultou num dos fatos históricos mais surpreendentes, e desconhecidos, da época do café: a Revolta de Ibicaba.
Na véspera do Natal de 1856, um grupo de 85 colonos suíços, liderados por Davatz, pegou em armas para protestar. Sua narrativa descreve em detalhes "o levante dos colonos contra seus opressores". Mas há controvérsias sobre o ocorrido. Outros personagens depõem contra o comportamento intolerante de Davatz. Encrenqueiro era sua fama.
Não houve tiros, nem violência. Mas acabara ali, naquela grita de Ibicaba, a experiência de parceria no café que trouxera ao Brasil, pioneiramente, os suíços. Assustaram-se os europeus com o episódio, suspendendo os embarques. Parecia propaganda enganosa.
Quem veio permaneceu. E, duramente, venceu. Essa é a origem, entre nós, dos Heitzmann, Schmidt, Altmann, Lutz, Rupert, colonos suíços que ajudaram a construir a riqueza do Brasil. Vinte anos depois, chegaram os italianos.
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