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Scot Consultoria

Comida sem ideologia


Terça-feira, 2 de outubro de 2012 - 15h50


O colapso do comunismo arrasou a produção agrícola da antiga União Soviética. O campo empobreceu-se e a região passou a importar comida. Passadas duas décadas, ocorreu uma reviravolta. Agora, daquelas terras advêm 15% das exportações globais de grãos alimentícios. E vai melhorar.

Sem mágica. O fenômeno econômico contou com o apoio do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Berd). Países como a Rússia, a Ucrânia e o Casaquistão passaram a receber investimentos de grandes empresas europeias que, prejudicadas com a crise em sua origem, se tornaram ávidas por novos negócios. Acabaram encontrando, não muito distantes, fartas terras de excelente qualidade, ociosas e baratas, com mão de obra disponível ao lado. Aquecida pela Ásia, a demanda mundial de produtos agrícolas abriu a janela de oportunidade para soerguer o combalido Leste Europeu.

Essa revolução produtiva nos territórios desorganizados pelo fracasso comunista mereceu um encontro de negócios, realizado na Turquia, no início de setembro. Dele participaram executivos de empresas particulares e de instituições públicas interessados na dinamização da Europa, como o Berd e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Seus dirigentes, entusiasmados com os resultados verificados na reunião, redigiram um artigo, de enorme repercussão, publicado na edição europeia do Wall Street Journal.

No texto, José Graziano da Silva, diretor-geral da FAO, e Suma Chakrabarti, presidente do Berd, destacaram a importância das "dinâmicas e eficientes empresas privadas que transformaram aqueles países, após o fracasso de suas fazendas coletivas, em gigantescos exportadores de grãos". Reconheceram a realidade. Disseram mais. Afirmaram os dois altos dirigentes internacionais que "a verdade, simples, é que o mundo precisa de mais comida, e isso significa mais produção".

Tomando como base os resultados positivos verificados no Leste Europeu, a FAO e o Berd recomendaram que os países emergentes da Europa, da Ásia e do Norte da África, como também os do Ocidente, fortaleçam o papel do setor empresarial na segurança alimentar global. Adotando políticas econômicas corretas, os investimentos privados conseguirão, nas palavras deles, "fecundar a terra", tornando mais fácil a vida para os famintos do mundo.

Tudo tão óbvio. Mas a mensagem desagradou profundamente à Via Campesina, organização articulada pelo MST e seus assemelhados mundo afora. Autoproclamados defensores dos camponeses, escreveram uma nota dizendo ter recebido "com indignação e medo" o artigo conjunto do diretor-geral da FAO e do presidente do Berd. E arremataram: "O que a agricultura e o planeta necessitam atualmente é justamente o contrário do que foi proposto pelos senhores Graziano da Silva e Chakrabarti". Caramba.

Qual o motivo da polêmica? A preservação do modo de vida camponês.

Acredita a Via Campesina que somente os pequenos produtores rurais - apelidados no Brasil de "agricultores familiares" - sejam capazes de alimentar a humanidade. Argumenta ainda que o avanço da produção capitalista no campo - o chamado "agronegócio" - tem aumentado a pobreza no mundo, destruindo a capacidade de emprego, e provocado a crise alimentar das últimas décadas. Só tragédia. Conclusão: apoiar as empresas europeias, em sua expansão para o leste, significa exterminar a agricultura camponesa, promovendo o pior.

O assunto ganhou destaque na imprensa nacional pelo fato de o diretor-geral da FAO, o agrônomo brasileiro José Graziano, ser um conhecido petista, dileto amigo, e ex-ministro do Programa Fome Zero, do Lula. Para o MST, ele cometeu uma heresia ideológica, algo como uma capitulação ao grande capital. Em outras palavras, se você é, ou se julga, da "esquerda", está impedido de reconhecer a vantagem da produção empresarial, integrada e tecnológica, no campo. Precisa continuar amarrado ao passado, louvando os pobres camponeses, mesmo que isso signifique baixa produtividade e vida miserável. Coisa medieval.

Age corretamente quem se preocupa com os agricultores familiares. Despreparados, fracos financeiramente, nem sempre eles acompanham o ritmo empreendedor das novas tecnologias agrícolas. Acabam ficando para trás no processo de desenvolvimento. Por isso cabe aos governos propiciar condições adequadas de competitividade aos pequenos do campo. No Brasil, graças ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), lançado no governo de Fernando Henrique Cardoso, grupos importantes de produtores obtiveram, com o tempo, ganhos tecnológicos significativos. Conquistaram, geralmente integrados às grandes cooperativas, vantagens econômicas. Subiram na vida.

Comida não tem ideologia. Os estudos da FAO estimam que até 2050 a demanda mundial por alimentos aumentará, no mínimo, 60%, bem acima do crescimento populacional. Será puxado o consumo popular pelo processo de urbanização e pelo ganho de renda das famílias pobres. Sem forte aumento na oferta de alimentos, destacando-se as proteicas carnes, haverá elevação dos preços internacionais da comida. Ocorrerá, por consequência, piora nas restrições alimentares no mundo, que hoje atingem 1 bilhão de pessoas.

Cantava Cazuza: "A tua piscina está cheia de ratos/ tuas ideias não correspondem aos fatos". A contemporaneidade observada nos territórios agrícolas da ex-União Soviética assemelha-se à transformação cultural e produtiva da China. Cuba também não escapa do desiderato. Com sua atrasada ideologia, a Via Campesina/MST condena os agricultores à pobreza.

Para destrinchar de vez a polêmica talvez fosse o caso de perguntar aos próprios camponeses russos qual caminho preferem. Alguém duvida da resposta?


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