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Scot Consultoria

Multa ambiental


Terça-feira, 27 de novembro de 2012 - 16h46


Controvertida penalidade, aplicada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) contra uma propriedade rural, azedou a relação entre a agricultura e o meio ambiente. Caso típico de agenda negativa: afasta a colaboração, aposta no conflito.

A autuação ambiental pune a Fazenda Morrinhos, situada em Botucatu (SP), em valor astronômico, próximo de R$3 milhões. O motivo do discricionário ato reside na queima de 217 hectares, que sapecou a pastagem de braquiária juntamente com a vegetação de Cerrado na área, em estágio inicial de recuperação. Onde reside, então, a controvérsia?

Na origem do fogaréu. Tudo indica que as chamas vieram da rodovia entre Botucatu e Itatinga, que atravessa a fazenda. Tais queimadas, acidentais ou criminosas, varrem aquela região a cada período de seca, ameaçando o gado e as enormes plantações de eucaliptos ali existentes. Somente no último mês de setembro a Polícia Ambiental de São Paulo registrou cerca de 300 focos de incêndio naquelas paradas. Os laudos policiais, invariavelmente, constatam que o fogo se origina nas margens do asfalto e adentra as propriedades rurais. Nenhum caso se relatou como oriundo dos agricultores. A Cetesb, porém, acredita no contrário. Multou a fazenda como se ela tivesse riscado o fósforo.

A Fazenda Morrinhos está sendo vítima de seu próprio zelo ambiental. Amparada no Código Florestal, mantendo área preservada bem acima da exigida legalmente, tenciona expandir seus cultivos. E sabendo do perigo dos constantes incêndios, utilizou-os como argumento para solicitar autorização visando a suprimir a vegetação rala daquela área mais vulnerável. Naquele trecho, o mato alto e a pastagem seca viram pólvora para transeuntes desavisados ou mal-intencionados.

Na sequência da solicitação pública, formou-se um imbróglio jamais esclarecido. Vistorias, exigências, laudos, pareceres, burocracia rolavam, enquanto o capim se avolumava. Remanescentes da vegetação do Cerrado cresceram. Vários incêndios voltaram a queimar pedaços da área, apagados pelas brigadas das empresas Eucatex e da Duratex. Em todas essas situações, a Fazenda Morrinhos lavrou boletins de ocorrência (B.O.s) na Delegacia de Polícia de Botucatu, enviando cópias, acompanhadas de fotografias, à Cetesb. Ignorados eram os alertas sobre a necessidade de rápida definição. Nada acontecia.

De repente, passados dois anos, chegou a notificação da salgada multa. O crime: incêndios passados, que a própria fazenda, anteriormente, comunicara. Nesse período, o técnico da Cetesb que acompanhava o assunto modificou o seu laudo de vistoria. No primeiro, datado de 2/12/2011, opinara que "... o fogo nesses trechos muito provavelmente se deu em função da proximidade da rodovia, da ferrovia e do acampamento dos sem-terra...". Depois, o mesmo profissional escreveu ter havido uma "forma deliberada de supressão da vegetação". Alterou, sem justificativas, seu próprio parecer.

Queimadas sempre motivaram litígios no campo, principalmente em áreas canavieiras. Fica difícil, quando pega fogo, saber qual a origem, se malandra, criminosa ou acidental. Vendetas trabalhistas, ou políticas, podem virar labaredas. Aos olhos do órgão ambiental, no entanto, a responsabilidade pela queimada recai sobre o proprietário rural. Ele que prove o contrário.

Com o protocolo do Etanol Verde, implementado pelo governo estadual a partir de 2008, um ajuste de conduta socioambiental se firmou no setor sucroalcooleiro, estabelecendo regras e incentivos para a redução das queimadas. Nesse contexto, definiram-se procedimentos mais sólidos, substituindo-se o embate pela cooperação. Ganharam todos.

A prática do fogo na agricultura, seja na colheita da cana, seja na limpeza de pastos, assusta com ares medievais a população. Entre os ecologistas, então, fogo na roça se assemelha ao bicho-papão. No conservacionismo mundial, porém, o manejo sustentável de áreas florestadas inclui o fogo controlado no controle de grandes queimações. É paradoxal, mas funciona, como uma vacina. Na Califórnia, por exemplo, o magnífico Parque de Yosemite queima regularmente a serapilheira (vegetação baixa, mais folhas e galhos caídos) em certos locais, evitando que a massa orgânica se avolume demais e, ficando seca, se torne uma ameaça de incêndio incontrolável. Curiosamente, os experimentos silvícolas mostraram que a queima regular favorece a germinação de sementes das magníficas sequoias.

Não se justifica, portanto, nem ecologicamente pensando, o temor exagerado contra o fogo. Embora seu rastro seja negro e feioso, em pouco tempo as cinzas fertilizam a vida, tal qual opera a natureza há milhões de anos. Muito mais grave, para a humanidade, é a contaminação química que os produtos industriais trazem para as águas do planeta.

Tais fundamentos agroecológicos justificavam o pleito da Fazenda Morrinhos, que, enquanto aguardava a autorização para cultivar a terra, queria permissão temporária para colocar gado na área. O pastejo dos bovinos abaixa o capim seco e reduz o potencial de fogo. Nada conseguiu. Resultado: vieram as queimadas e quem acabou culpado foi o agricultor. Ao protocolar recurso contra o absurdo ato, seu advogado descobriu que as fotos e cópias de B.O.s enviados ao governo nem anexados estavam ao processo. Sumiço kafkiano.

A Cetesb encontra-se entre os cinco principais órgãos ambientais do mundo. Sua gestão, modernizada no governo de José Serra juntamente com a descentralização e a unificação do licenciamento, não pode regredir aos velhos métodos. Perde eficiência, ganha desconfiança. Rigor na defesa do meio ambiente não se confunde com embromação.


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