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Scot Consultoria

Receita rural


Terça-feira, 11 de dezembro de 2012 - 17h30


Empreendedorismo, motivo do encontro que recentemente reuniu, próximo a Curitiba, cerca de 4.500 agricultores, a maioria formada por jovens e mulheres. Vestindo camisetas verdes, o lotado auditório do Expotrade indicava a força dos produtores rurais. Marca da esperança.

Encarregado de proferir palestra sobre "Os desafios da agricultura sustentável", quedei-me perplexo com aquela multidão organizada, simbolizando a roça paranaense. Mesmo com certa bagagem no embornal da profissão, jamais eu havia falado para tanta gente. Estariam eles dispostos a me escutar, após terem ouvido tantos discursos políticos, inflados e longos, na abertura da cerimônia? Resposta positiva.

Interessava à plateia o tema que eu trataria. Passada a discussão sobre o novo Código Florestal, os homens do campo desejam situar-se corretamente na modernidade. Ninguém quer remar contra a preservação da natureza. Todos, porém, desejam continuar a produzir, tirando seu provento familiar e ajudando com seu trabalho a sustentar a humanidade. Conciliar a produção agropecuária com a defesa ambiental representa um complexo, e estimulante, desafio. Verdadeira lição de casa.

Finalizei minha apresentação conclamando os agricultores a tomarem nas mãos, afirmativamente, a rédea da sustentabilidade no campo. Juntamente com os técnicos, da pesquisa e da extensão rural, ao lado dos ecologistas sérios, os propositivos, e contando com a ajuda das lideranças e das autoridades responsáveis, cabe aos próprios produtores rurais assumir essa agenda agroambiental. Fundir o ruralismo com o ambientalismo. Os agricultores, conscientes sobre os novos tempos, não precisam tomar lição moral de ninguém, muito menos, exagerei, "de ambientalista sem noção, que jamais pisou no barro nem, nunca, carpiu uma lavoura". Aplaudiram-me!

Senhores do seu destino. Há nove anos, a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), presidida por Ágide Meneguette, comanda o exemplar Programa Empreendedor Rural, executado em parceria com o Sebrae/PR. Iniciado em 2003, nele já se formaram 18.219 pessoas - a maioria jovens, filhos de pequenos produtores rurais. Durante meses, os alunos cumprem 15 módulos de aprendizagem, abordando áreas de conhecimento técnico e desenvolvimento humano. Somam 136 horas de treinamento profissional, aprendendo sobre planejamento estratégico, sucessão familiar, gestão financeira, discutindo conceitos de autoestima, cidadania, liderança, competências pessoais e grupais. Consistente.

Os cursos presenciais, somados a um projeto prático, qualificam os agricultores, preparando-os para o mundo competitivo. Despertam neles a visão empresarial, empreendedora. Aprendem a ser ousados, sem tirar os pés da realidade, descobrem o valor do planejamento, como integrar-se ao mercado, montar cenários de comercialização. Vislumbram seu sucesso, motivam-se pelo conhecimento. Sensacional.

Pode parecer bê-á-bá da economia moderna. Mas no contexto da agropecuária nacional, no seio dos milhões de pequenos e médios produtores, denominados familiares, o empreendedorismo assemelha-se a uma pequena revolução comportamental. Acontece que impera no campo, desde suas origens, certa dominação. De cima sempre vieram as ordens, primeiro do rei, depois dos latifundiários do açúcar, dos coronéis do sertão, dos senhores de escravos, da oligarquia cafeeira. Isso gerou um traço, na cultura do brasileiro, de excessiva dependência do poder, uma subserviência política que lhe rouba autonomia na vida. Acostumado a cumprir ordens, sente dificuldade de tomar decisões. Noutros casos, joga em outrem, no governo quase sempre, a culpa por seus fracassos. Daí vem a fama de "reclamão".

Fatos marcantes da agricultura brasileira, intitula-se recente estudo coordenado por Eliseu Alves, economista agrícola da Embrapa. Partindo do Censo Agropecuário do IBGE (2006), a análise esclarece, de forma incontestável, a importância da tecnologia na geração de renda dos estabelecimentos rurais. Mas, ao mesmo tempo, desnuda um grave problema: a forte exclusão na modernização tecnológica. De um total de 4,4 milhões de estabelecimentos rurais que declararam renda, apenas 500 mil (11,4%) podem ser configurados como de agricultores de sucesso, remunerando seus custos e obtendo receita líquida compatível com qualidade de vida. Respondem por 87% do valor da produção rural.

Um segundo grupo, formado por 1,6 milhão de agricultores, ainda consegue pagar seus custos de produção, mas aufere baixíssima renda líquida. A incorporação de tecnologia poderia levantar a rentabilidade dessa categoria de pequenos produtores. Abaixo desses, dramaticamente existem outros 2,3 milhões de estabelecimentos rurais - a maioria situada no Semiárido nordestino - que acumulam pobreza. Aqui se exigem políticas combinadas com transferência direta de renda.

Conclusão: a melhor receita contra a pobreza rural se chama difusão tecnológica. Por isso fracassa a reforma agrária no Brasil. A terra não mais representa o passaporte da felicidade, como na época antiga, quando enxada e vontade de trabalhar garantiam sucesso. Hoje manda a tecnologia. Basta verificar no levantamento feito pelo Incra (2011): quase 43% dos assentados da reforma agrária abandonaram seus lotes, por desinteresse ou falta de conhecimento para cultivá-los.

Misturando conhecimento com motivação, a Federação da Agricultura do Paraná desenvolve um verdadeiro elixir que ajuda o progresso no campo. Mostra, em eventos inesquecíveis, a primordial tarefa de animar os agricultores familiares, os esquecidos trabalhadores com terra do Brasil. Eles merecem o futuro.


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