Antropólogo e consultor da Human Habitat Consultoria.
Manipulação identitária é um dos fenômenos mais comuns, documentados e frequentes em toda história da humanidade. Ocorreu e ocorrerá toda vez que um determinado Estado ou órgão dotado de algum poder, estabelece critérios identitários para punir ou beneficiar uma determinada população. Ocorreu várias vezes no passado desde o império romano até o Terceiro Reich nazista, quando havia alguma ameaça de punição à uma minoria étnica. Dias tristes dos quais devemos aprender lições significativas para melhor gerirmos a relação do Estado com minorias étnicas.
No entanto com mudanças significativas da postura administrativa dos Estados, agora submissos à acordos e convenções internacionais, que apontam para o respeito crescente por minorias étnicas, o que está acontecendo é o oposto do que ocorreu no passado, ou seja a manipulação identitáriaetnicizante, que ocorre e ocorrerá sempre que houver promessas reais ou fictícias de quaisquer benefícios para um determinado grupo com tais e tais características, a tendência humana lógica e grupal, é reagir positivamente a este estímulo, no sentido de amoldar-se para encaixar dentro daqueles parâmetros estabelecidos (sejam eles quais forem) de modo a se tornar merecedores destes benefícios.
Assim, e por este motivo lógico e oportunista, a manipulação da identidade étnica vem se tornando, apesar de seus efeitos perversos, um fenômeno cada vez mais frequente em todo Brasil, sobretudo, nos estados do nordeste e norte, onde se verificam diversos casos desta natureza. O caso das comunidades que só muito recentemente passaram a se identificar como Boraris é um exemplo paradigmático a revelar de uma só vez, todas as perversas inversões e corrupções deste esquema corrupto e corruptor de se obter benefícios estatais indevidos.
Eu testemunhei, documentei e registrei esses fatos em detalhes extraindo daí a mais lógica e inequívoca interpretação antropológica que deles se pode ter: a despeito do que dizem os antropólogos e os laudos da FUNAI, não existem dados e evidências socioculturais que confirmem a existência na região do baixo Tapajós, nem na calha do Arapiuns, nenhuma comunidade, sociedade e muito menos de um POVO indígena Borarí, Arapiuns ou qualquer outro que tenha recentemente surgido como alternativa étnica de organização política.
Em maio de 2010 fui contratado pela ACUTARM (Associação das Comunidades Unidas e Trabalhadoras na Agricultura Rural do rio Maró) que solicitou meus serviços de assessoria antropológica face aos novos desafios de um processo de manipulação identitária que eclodira recentemente ameaçando prejudicar e até interromper completamente os projetos e iniciativas de desenvolvimento de toda a mesopotâmia dos rios Maró e Aruã.
Num período de dois anos realizei cinco pesquisas de campo na região, intercaladas com períodos de pesquisa bibliográfica e histórica. Fui a campo nos meses de junho e setembro de 2010; fevereiro, setembro e novembro de 2011, em todas estas ocasiões permaneci por períodos de 7 a 8 dias, totalizando 38 a 39 dias de estudos na região, nas quais visitei mais de 28 comunidades da bacia do Arapiuns, Aruã, Maró e Tapajós, além de Alter do Chão, onde coletei relatos, entrevistas e impressionantes depoimentos que me revelaram em detalhes o lado perverso e injusto do sistema de manipulação identitária, acobertado, legitimado e celebrado pelo título enganoso de etnogênese.
O que vi e encontrei no baixo Tapajós e na calha do Arapiuns foi um poderoso esquema corrompido e corruptor arquitetado por um engenheiro social, Frei Franciscano Florêncio A. Vaz, e implementado por seus seguidores e asseclas que decididos a obterem do Estado brasileiro o reconhecimento do status de minoria étnica, fizeram tudo o que poderiam fazer, e conforme me foi relatado em campo, lançaram mão de uma série de expedientes escusos para alcançar este fim e alguns deles ilegais, como coletar assinaturas em folhas sem cabeçalho, que depois se revelaram solicitações para terras indígenas.
Enquanto o líder espiritual apregoava sua mensagem de aversão e ódio à identidade cabocla e mestiça, que considera uma "excrecência histórica" e a superioridade do porte e da nobreza espiritual indígena transbordante de orgulho etnocêntrico, suas duas filhas gêmeas empenhavam-se em providenciar o milagre da consubstanciação ou ressurreição étnica, ou a mais próxima imitação que conseguiam chegar disto.
Municiados de falsas promessas de um glorioso futuro, o Grupo de Consciência Indígena (GCI) e o Conselho Indígena do Tapajós e Arapiuns (CITA), mercantilizavam os benefícios estatais em troca de adesão ao seu projeto político etnicizante, prometendo àqueles que se identificassem como indígenas, um paraíso bem mais materialista, aqui na terra mesmo, com direito à Bolsa Família, Bolsa Maternidade, aposentadoria facilitada, além é claro empregos nas escolas especiais indígenas e nos distritos desaúde especial indígena (DSEIs) e é claro, o objetivo maior de toda mobilização, alcançar a tão sonhada terra prometida, onde as forças do maligno sistema capitalista não vigoram e o paraíso comunista terral predomina.
Para comprovar os elementos supostamente diacríticos que deveriam ser apresentados como prova de suposta indianidade, o Messias redentor etnicizante teve uma ideia perversa: apropriar-se de todos os elementos da história e da cultura cabocla mestiça do oeste do Pará pretendendo apresentá-los como prova de indianidade, depois de já ter deturpado a história mestiça da cabanagem e da Pajelança Cabocla, como se indígenas fossem, chegou ao cúmulo de tentar se apropriar da mais elevada manifestação cultural sincrética e miscigenada do Pará: a própria festa profano-religiosa do Sairé. Um verdadeiro atentado ao maior patrimônio cultural mestiço paraense e amazônico. Um verdadeiro roubo da história e da cultura.
Evidentemente, todos esses argumentos ruem e não se sustentam quando analisados à luz da análise comparativa com a cultura e os traços identitários da micro-sociedade tapajônica e arapiunsense, com os quais coincidem em sua totalidade não havendo qualquer distinção entre aqueles grupos que se dizem indígenas e aqueles que não o fazem, permanecendo fiéis à identidade mestiça cabocla amazônica que herdaram de seus avós, bisavós e antepassados.
Ao final de minha pesquisa, fui obrigado a reconhecer que não existem quaisquer fatores ou elementos socioculturais diacríticos que justifiquem a identificação dos solicitantes como comunidade, sociedade e muito menos povo indígenaBorari, Arapiuns ou Jaraqui, eportanto, que autorizem e legitimem o reconhecimento desta identidade perante o Estado brasileiro. No oeste do Pará, o único elemento que, diferencia aqueles que passaram a se identificar como indígenas, do resto da população cabocla mestiça da região, é o fato de, por meio de longo e incessante período de intenso trabalho de proselitismo étnico, terem aderido a um projeto de criação, manutenção e expansão de um novo agrupamento ou facção política, cuja liderança apela para o reconhecimento étnico enquanto estratégia de luta, enquanto a massa mal informada do movimento espera apenas a solução mais curta para sanar seus problemas socioeconômicos decorrentes do abandono do Estado.
Sinceramente, em minha análise, devo reconhecer que estes não são motivos legais e legítimos para a intervenção do Estado ceder a pressão de um grupo organizado em torno de uma estratégia política, que vis a obtenção do reconhecimento étnico do Estado.
Baseado a autoridade etnográfica, que o volume, a consistência e a solidez dos dados históricos, etnográficos, linguísticos e socioculturais me conferem, que apresento e sustento esta conclusão às autoridades responsáveis e continuarei a fazê-lo onde quer que seja e em qualquer instância de qualquer um dos três poderes do Estado. A melhor interpretação dos fatos aponta para uma identificação de tais indivíduos e comunidades como pertencentes a uma única macro-sociedade do oeste do Pará, igualmente herdeira da mesma carga biológica mestiça e da mesma herança sociocultural cabocla amazônica da região.
Agindo sob orientação política de natureza neo-marxista e multiculturalista, estes grupos que agora passaram a demandar reconhecimento do Estado, usam a identidade indígena como estratégia de luta social e tentam indevidamente obter os benefícios estatais assegurados pela Constituição que não lhe cabem, pelo menos, não por esta via étnica, posto que seria injusto com todos os demais membros da mesma sociedade a que pertencem.
Esta é a minha conclusão e estou aberto a debatê-la, analisá-la em maior profundidade a qualquer momento (respeitando-se apenas as limitações temporais) e em qualquer ocasião com quem assim se dispuser debater ideias, argumentos e posturas do órgão indigenista do Estado brasileiro (FUNAI). Faço isso por entender que assim estarei contribuindo para a construção de políticas estatais de reconhecimento e concessão dos direitos étnicos de forma mais clara, transparente e democrática.
Receba nossos relatórios diários e gratuitos