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Scot Consultoria

Pão de queijo


Quinta-feira, 15 de maio de 2014 - 16h44


Nascido em Minas Gerais, o pão de queijo virou unanimidade nacional. Por onde se anda, do Oiapoque ao Chuí, lá está o quitute mineiro esperando uma mordida. Ultrapassou as fronteiras: nos Estados Unidos, em Portugal, na Itália e até no Japão já se aprecia a delícia nas cafeterias. Culinária caipira vestida de chique.

É muito curiosa a história do pão de queijo. Naquela época, durante a mineração iniciada a partir de 1700, faltava comida para alimentar tanta gente atraída pelas jazidas descobertas próximo de Ouro Preto. Segundo Caio Prado Júnior (História Econômica do Brasil), do Nordeste para as Minas Gerais ocorreu um rush populacional de grandes proporções, relativamente mais acentuado e violento que o verificado na conquista do oeste norte-americano. Cerca de 1/5 dos brasileiros - a grande maioria escravos - ocupou, em poucos decênios, um imenso território, deslocando o eixo econômico da colônia rumo ao Sudeste.

Por causa do afluxo dessa gente, o ciclo da mineração provocou um estímulo à produção de alimentos básicos. Do Nordeste e das regiões mais próximas se obtinham o feijão, o arroz, o milho e seu fubá, o porco e a banha, o leite e o queijo, a mandioca. Áreas mais longínquas, como o pampa gaúcho, passaram a oferecer carne de charque. Nesse ambiente surgiu o pão de queijo, inicialmente, dizem, oferecido pelas escravas aos senhores das fazendas. De onde veio essa ideia?

Ocorre que dificilmente se encontrava, naquelas paradas, a farinha de trigo, matéria-prima da panificação clássica. Típico das regiões temperadas, o milenar cereal nunca combinou com o calor do Nordeste brasileiro, e era então importado da Europa para aqui servir aos fidalgos do rei. Criativamente, as cozinheiras mineiras substituíram o inexistente trigo pelo polvilho, derivado da mandioca, tubérculo com origens tupiniquins. Acrescentaram na massa lascas de queijo curado, endurecido e ralado, e, levada ao forno, acabou por semelhança sendo chamada de "pão". História da alimentação.

Não se entende a nutrição humana fora do contexto histórico. O consumo de trigo no Brasil explodiu somente após a 2.ª Guerra Mundial. Grandes estoques se formaram e os Estados Unidos passaram a implementar, na órbita da recém-criada ONU, políticas internacionais consideradas de "ajuda humanitária", utilizando o cereal como ponta de lança contra a fome. Foi assim que as massas derivadas de trigo começaram a dominar a mesa das famílias mais carentes na América do Sul e na África, especialmente. A forte urbanização que ocorria naquele momento conspirou a favor desse processo de substituição de pratos tradicionais por gêneros alimentares de origem externa. Pesquisas mostravam, já nos anos 1980, a dominação do macarrão na alimentação popular em Manaus. Em plena Amazônia.

O enorme incentivo ao consumo de trigo fez explodir a importação do grão, onerando a balança comercial. Tal desequilíbrio se tornou o maior desafio, jamais vencido, da política agrícola no Brasil: a autossuficiência da produção nacional de trigo. Os preços de mercado nunca remuneraram o custo dos triticultores sulinos nem os pesados subsídios públicos - desgraçadamente desviados, como sempre - foram capazes de elevar a contento a oferta interna. Resultado: até hoje, mais da metade do trigo consumido no país vem do exterior, boa parte da Argentina.

Essa alteração, de certo modo artificial, no consumo alimentar do brasileiro se deu em detrimento da utilização dos produtos genuinamente tropicais, como a mandioca, cultivada desde os indígenas. Pero Vaz de Caminha foi quem primeiro escreveu sobre a fartura do alimento nativo, na famosa carta dirigida ao Rei D. Manuel: "Eles não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isso andam tais rijos e tão nédios que não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos". Supimpa.

Colonização dá nisso. De fora lhe trazem costumes, ideologia, comida. Podem levar também, como ocorreu com a batata, cultivada originalmente pelos incas e introduzida na Europa, onde dominou a alimentação. Curiosa, também, é a história do milho, cereal nativo da América, mas igualmente desvalorizado com a introdução do trigo na panificação. Uma broa de milho, por exemplo. Quem já experimentou a guloseima recém-saída do forno, derretendo seu sabor com aquela sementinha de erva doce sobre a casca, certamente torce para que ela brilhe na mesma mesa contemporânea que afortunou o pão de queijo. Não será fácil.

Neste mundo onde os hábitos de consumo se modificam pela propaganda, geralmente enganosa, os produtos genuínos ficam espremidos dentro de suas modestas origens. O pão de queijo permaneceu muito tempo confinado ao cardápio da tradicional comida mineira, até ser descoberto pela comilança da globalização. Sua receita foi turbinada com os métodos e aditivos típicos da moderna fabricação tecnológica, o que lhe retirou aquele gostinho de fogão caipira, mas ele entrou na moda, sem restrição de idade nem renda. Tornou-se cosmopolita.

O sucesso recente do pão de queijo comprova a grande modificação da história da alimentação humana: o low food substituído pelo fast food. Nichos de culinária antiga sobrevivem, sim, fazendo contraponto à modernidade. A receita da vovó atrai as pessoas como se elas jamais se livrassem das reminiscências familiares. Mas o forno à lenha vale apenas no fim de semana. Na volta ao asfalto, na correria da labuta diária mandam as gororobas prontas, salgadas ou adocicadas, que tristemente empurram a humanidade para uma inusitada tragédia da saúde: a obesidade.


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