Quando o lateral Daniel Alves, jogador do Barcelona, deu uma mordida naquela banana atirada dentro do campo de futebol, esconjurando com seu inusitado gesto a intolerância humana, todos aplaudimos. Depois, confesso, meu pensamento de agrônomo se desviou para outro assunto: por que, afinal, a coitada da fruta carrega essa maledicência associada ao preconceito racial? Difícil explicar.
A família botânica das musáceas origina-se nas regiões tropicais do Sudoeste Asiático. A Índia lidera o ranking mundial da produção de bananas, seguida por Filipinas, China, Equador e Brasil. Certamente os cachos da Musa spp têm sido descascados pelos peludos símios naquelas terras de olhos puxados desde seu surgimento no planeta Terra. Acontece, porém, que o preconceito racista se originou aqui, no Ocidente, onde os macacos, como os nativos do Brasil, só conheceram uma banana após o Descobrimento. A fruta, afinal, veio trazida pelos portugueses.
Um macaco-prego ou um bugio gostam mesmo é de coco babaçu ou de caroço de jerivá, ambos frutos de palmeiras nativas. Mas pegou a fama de a exótica banana ser seu alimento predileto. Vá entender. De forma semelhante, ninguém jamais explicou ao certo por que Carmen Miranda, ao se exibir para plateias norte-americanas, se empetecava da cabeça aos pés com cachos e folhas, cantando seu inesquecível refrão "yes, nós temos banana". Os gringos adoravam.
Curioso. A fruta serve também aqui, no Brasil, para figuras de linguagem inusitadas, algumas depreciativas. "Plantar bananeira", em certas regiões, como em Araras (SP), minha terra natal, significa ficar de ponta-cabeça, ou seja, virar-se com as pernas para cima. O sentido da expressão dá a entender, obviamente, que nas plantações de banana tal prática é comum. Ledo engano. Na formação dos pomares, as mudas, chamadas perfilhos, são colocadas dentro de profundas covas sempre em sentido normal, com as raízes para o solo e a gema apical para cima. Ora, como se explica, então, essa expressão popular? Jamais encontrei respostas.
Noutro caso, a fruta serve ao raciocínio irônico. Comumente as pessoas, numa molecagem, quando querem desdenhar algo, fazem um conhecido sinal com os braços entrelaçados, cruzando o punho com o antebraço: "Aqui, ó, uma banana para você". Soa, claro, como se a fruta simbolizasse algo rejeitável. Pior de tudo, especialmente aos olhos dos bananicultores, é alguém dizer que uma coisa qualquer, por barata na compra, está com "preço de banana". Imaginem como se chateiam os agricultores do ramo. É como se nada valessem.
Não tem sido fácil a vida dos bananicultores nacionais. Além da desvalorização da fruta no mercado, doenças terríveis têm ameaçado as plantações há tempos. A mais recente e preocupante delas, a Sigatoka negra, causada por um fungo, chegou ao Brasil em 1998, trazendo pesadelos ao bananal. Técnicos apressados chegaram a afirmar que estariam liquidados os pomares e seria decretada a extinção das lavouras. Exagero. A boa agronomia, embora arduamente, está conseguindo enfrentar mais essa peleja patogênica. Sorte dos consumidores.
Fruta mais consumida no mundo, unindo sabor, sustância e saúde, a banana é adorada pelos esportistas, pois estes creem que suas benesses combatem as cãibras. É verdadeiro. A falta de potássio no organismo leva os músculos a se contraírem e uma banana média supre 30,0% das necessidades diárias de potássio do corpo humano. Estudo realizado nas Filipinas indica, ademais, que ingerir duas a três bananas por dia combate a depressão e melhora o humor das pessoas. O efeito benéfico atribui-se ao elevado conteúdo de triptofano, responsável pela sensação de bem-estar.
Mal-estar. Nesse estado, apreensivos, se encontram atualmente os bananicultores do Vale do Ribeira (SP), tradicional região produtora da mais gostosa fruta encontrada na quitanda. O grande temor desta vez vem do Equador. Ou melhor, da caneta do governo brasileiro. Acontece que, pressionado pelos interesses de grandes empresas norte-americanas, o Ministério da Agricultura cogita de autorizar a importação da fruta oriunda desse país. Se concretizada, a medida poderá pôr em risco a produção da banana nacional. Razões da competitividade.
Apenas cinco multinacionais controlam a produção e o comércio internacional das excelentes bananas produzidas no Equador. Trabalham com elevada tecnologia, alta escala, tudo mecanizado. O padrão impecável de qualidade permitiu conquistar o mercado da Europa e dos EUA, locais onde nada se produz de banana por causa do frio do inverno. Mas suas exportações caíram em razão da crise econômica lá fora e começou a sobrar banana no mundo. Azar do Brasil.
Pelas regras do comércio internacional - nosso próprio país lutando há décadas para derrubar as barreiras do protecionismo agrícola -, sabe-se ser complicado fechar fronteiras. Normalmente se utiliza uma saída técnica para impasses dessa natureza, invocando problemas fitossanitários, ou seja, a ameaça, que sempre existe, da introdução externa de patógenos (fungos, bactérias, vírus) nas lavouras internas. Tenta-se, assim, não escancarar as portas das importações, dado o perigo de elas arrasarem a produção local. No caso brasileiro, os produtores ainda padecem de uma desgraça apelidada de "custo Brasil": elevada carga tributária, logística deficiente, legislação trabalhista, burocracia. Concorrência desleal.
Nesse governo, que nunca decide nada, resta uma alternativa: ao contrário do Daniel Alves, se essa banana do Equador aparecer, que ninguém a morda. Seria um boicote do consumidor em defesa do emprego no campo.
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