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O pior cego é aquele que não quer ver


Quinta-feira, 6 de novembro de 2014 - 16h46

Problemas sociais - soluções liberais
Liberdade política e econômica. Democracia. Estado de direito. Estado mínimo. Máxima descentralização do poder.


As chamadas concessões de serviços públicos têm como principal justificativa a defesa dos interesses dos consumidores pelo Estado. Normalmente, essa defesa visa a impedir a entrada no mercado de empresas que, segundo o regulador, não teriam capacidade de prestar um bom serviço à população, assim como administrar as tarifas desses serviços, a fim de impedir a cobrança de preços abusivos pelos concessionários.

Na teoria, essa solução parece feita sob medida para sanar as famigeradas "falhas de mercado", impedindo que empresários gananciosos e inescrupulosos, despidos de qualquer espírito público, utilizem o seu poder econômico para explorar o usuário indefeso.  Na prática, o buraco costuma ser bem mais embaixo, principalmente por causa daquilo que os teóricos da "Escolha Pública" chamam de "Captura Regulatória".

Como escrevi alhures, a "captura regulatória" é uma das muitas possíveis "falhas de governo" - originadas justamente do voluntarismo estatal para corrigir eventuais falhas do mercado. Ela ocorre quando uma agência reguladora, criada para atuar no interesse público, acaba atuando em favor de grupos de interesses.

Isso ocorre porque, como é fácil inferir, aqueles que são regulados costumam ser muito poderosos, tanto em termos técnicos quanto econômicos, além de possuírem enorme interesse no resultado do trabalho dos reguladores, enquanto os supostos beneficiários da regulação (os usuários e consumidores) são difusos e, não raro, muito mal organizados.

Dependendo do poder concedido à autoridade responsável, a lucratividade de cada empresa regulada será fortemente influenciada pelas decisões daquela autoridade, e parece óbvio que elas irão empenhar-se ao máximo para influenciá-la, enquanto os consumidores, dispersos e com interesses individuais de pouca monta, tenderão a colocar ínfimas energias na defesa desses interesses.

Outra grande vantagem das empresas é o conhecimento especializado.  Isso permite que elas possam, com alguma facilidade, embrulhar os fatos e os argumentos necessários para influenciar o regulador/legislador/fiscalizador com muito mais competência e objetividade que os consumidores.  Além disso, em inúmeras situações, contam com a ingenuidade dos reguladores, notadamente daqueles cuja indicação é política e não técnica.

Um dos exemplos clássicos da "captura regulatória" no Brasil é o setor de transporte público.  A grande maioria das grandes cidades do país convive com serviços de transporte coletivo de péssima qualidade, ao mesmo tempo em que o usuário paga uma tarifa altíssima.  O Jornal O Globo publicou recentemente uma matéria, onde este problema aparece de forma clara:

Rio e Brasília - A política do governo de segurar o preço da gasolina para controlar a inflação, aliada aos incentivos fiscais para a indústria automobilística, criou uma perversa distorção nos custos do transporte no Brasil. Deslocar-se por automóvel ficou proporcionalmente mais barato do que usar ônibus, metrô, trem ou barcas nas grandes capitais brasileiras nos últimos anos. Enquanto as tarifas de transporte coletivo subiram 685,0% desde a estabilização da moeda, abastecer o carro com gasolina ou álcool ficou 423,0% mais caro - uma alta bem menor, mostram os números do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE.

No preço do carro, a diferença é ainda mais gritante. Em 20 anos, a alta foi de 158,36%, menos da metade da inflação média do país no período (365,58%).

Em outro intervalo de tempo, a desigualdade persiste. Segundo levantamento do Ipea, de janeiro de 2002 até março deste ano, as tarifas de ônibus avançaram 141,0%, e os metrôs tiveram alta de 96,3,0%. Já o preço dos carros novos subiu apenas 10,2% no período e o da gasolina, 70,5%.

Infelizmente, apesar da clareza dos números acima, o jornal preferiu imputar o problema a outras causas, que não as verdadeiras, como incentivos fiscais à indústria automobilística, represamento do preço da gasolina em função dos índices de inflação (como se as tarifas de ônibus não fossem um dos itens de maior relevância no cálculo da mesma) e a existência de gratuidades para usuários de transportes coletivos - este sim, um item também relevante, embora não preponderante.

Para quem olha a coisa objetivamente, sem o indefectível viés intervencionista que grassa entre a maioria dos nossos jornalistas, entretanto, não é difícil perceber que, no único setor pesquisado onde existe concorrência real e os preços não são administrados pelo governo (automobilístico), o reajuste dos preços ao longo do tempo é muito menos acintoso do que nos setores sujeitos ao crivo das agências reguladoras e outras interferências governamentais (combustíveis e tarifas).

Isso ocorre porque, no decorrer do tempo, essas agências passam a operar como meras analisadoras de planilhas de custo, preparadas com esmero e altas doses de tecnicalidades pelas empresas concessionárias.  É conveniente para o regulador e principalmente para os regulados, que passam a agir como um poderoso oligopólio protegido pelo poder discricionário e altamente coercitivo do governo.  O resultado salta aos olhos de quem tem olhos e quer ver.

Muitos especialistas sugerem que, a fim de evitar distorções como as descritas acima, as agências reguladoras devem ser, tanto quanto possível, blindadas contra a influência externa.  Entretanto, a melhor alternativa talvez seja simplesmente não criá-las, pois a experiência demonstra que, cedo ou tarde, elas passarão a servir aos interesses dos regulados, em detrimento daqueles a quem foram concebidas para proteger.  Ademais, a existência de um regulador capturado pode ser muitas vezes pior do que nenhuma regulação, pois coloca nas mãos de vorazes interesses particulares todo todo o poder do Estado. 

Por João Luiz Mauad


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