Há 30 anos o Brasil reacendia sua democracia. Iniciava-se também, naquele momento, um processo de profunda transformação no campo. A agropecuária nacional, definitivamente, abandonava o atraso oligárquico para assumir a dianteira da modernidade capitalista. Sob o mando da tecnologia.
Nesse processo, a produção rural se integrou com a indústria e os serviços, gerando complexas teias produtivas que passaram a ser denominadas, em seu conjunto, de agronegócio. Expandiram-se as fronteiras agrícolas rumo ao cerrado do Centro-Oeste, utilizando a técnica do plantio direto, que não promove nem aração nem gradação do solo, facilitando obter duas safras sucessivas no mesmo terreno. Na pecuária, a melhoria da genética dos rebanhos impulsionou a boa sanidade animal.
Nas últimas décadas, a agropecuária brasileira cresceu espetacularmente. Segundo a CONAB, entre 1976 e 2013, a produção nacional de grãos se expandiu em 306% (de 47 milhões para 191 milhões de toneladas), enquanto que a área cultivada aumentava apenas 51% (de 37 milhões para 56 milhões de hectares). Conclusão: houve extraordinária elevação da produtividade física da terra, o dobro da observada, no mesmo período, na agricultura norte-americana.
O país passou a participar decisivamente do mercado agropecuário global, trazendo importantes reflexos na economia interna: as divisas geradas pelo superávit da balança agrícola, ao redor de US$100 bilhões (2014), pagaram as contas das importações de bens e produtos industriais. O agronegócio ajuda a movimentar o Brasil. Desapareceu também o desemprego no campo. A abundância de mão de obra cedeu lugar à escassez e, consequentemente, os salários subiram, acima da média nacional.
Desse extraordinário processo de transformação, porém, não participaram todos os agricultores e trabalhadores rurais. Como soe acontecer na história, existem vitoriosos, derrotados e acomodados. Os primeiros conseguiram entrar no ciclo virtuoso do progresso; os segundos perderam o bonde da modernidade rural; os terceiros ainda esperam sua chance. Aqui está o xis da questão agrária contemporânea: como democratizar, através do acesso à tecnologia e pela integração ao mercado, o sucesso no campo.
Visto tradicionalmente como passaporte para a felicidade nos programas de reforma agrária, o pedaço de terra começou a valer menos que o uso da tecnologia. Pequenas propriedades, intensivas no uso do solo, passaram a ser mais rentáveis que grandes fazendas extensivas. As novas técnicas favoreceram os agricultores menos abastados, que se qualificaram pela produtividade e qualidade de sua produção. Novos conceitos precisam ser utilizados na interpretação da realidade agrária.
Revisitando os 30 anos recentes da nossa história agrária há o que comemorar. A agropecuária brasileira triplicou de tamanho e deu um extraordinário salto de qualidade. Se, entre os direitos fundamentais da pessoa humana, se coloca o direito à adequada alimentação, pode-se afirmar que, no Brasil, uma pujante agricultura garante a segurança alimentar da população. E ainda exporta para o mundo.
Por outro lado, esse incrível desempenho do agro nacional está sendo comandado por um seleto grupo de produtores rurais - pequenos, médios ou grandes - que foram capazes de incorporar, através do esforço tecnológico, ganhos de produtividade, aumentando a rentabilidade de seus negócios. Estima-se que, dos 4,4 milhões de estabelecimentos produtivos do campo (Censo Agropecuário IBGE/2006), somente 500 mil deles se responsabilizaram por 87% do valor da produção. Quer dizer, o dinamismo da agropecuária nacional está sendo comandado por uma dianteira de 11,4% dos agricultores.
Em contrapartida, os demais 3,9 milhões de estabelecimentos produzem pequena fatia (apenas 13%) da produção agropecuária, indicando dificuldades na geração de sua renda. A base da pirâmide, formada por 2,9 milhões de estabelecimentos rurais, responde apenas por 4% da produção rural. Esse pífio desempenho produtivo sugere haver pobreza nessa enorme faixa de pequenos agricultores, a grande maioria localizada no território nordestino. Aqui mora o drama rural do país, uma situação de miséria familiar que continua machucando a democracia brasileira.
Determinante desse triste quadro é a baixa escolaridade no campo. Portanto, somente uma vigorosa política de educação e difusão tecnológica poderá elevar a produtividade e promover a geração de renda dessa grande maioria de agricultores pobres, que pouco participa da safra nacional. Incluem-se neles os recém-assentados nos projetos de reforma agrária, contingente aproximado de um milhão de famílias. Com terra, sem renda.
Repetindo o argumento: o contraste entre os produtores rurais exitosos e os empacados na história somente será superado via participação no ciclo tecnológico. A verdadeira conquista da democracia vai, assim, depender de decididos investimentos na educação e na capacitação profissional. Somente a instrução, direcionada para a juventude rural, conseguirá enfrentar a pobreza que denigre a moderna agricultura. Chegou a vez da revolução pelo conhecimento, pelo saber fazer.
Nessa jornada que parece interminável a favor da justiça social não podemos cometer o equívoco de D. Quixote, que combatia moinhos de vento. Não haverá retorno ao passado. É no contexto do capitalismo agrário, em sua fase globalizada e tecnológica, que devemos encontrar as condições objetivas da luta política. Não se trata de capitulação ideológica, mas de, simplesmente, reconhecer a realidade no século 21. Nada de quimeras. Precisamos incluir os pequenos no progresso do agronegócio.
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