Engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz USP. Diretor-fundador da Scot Consultoria. Analista e consultor de mercado, com atuação nas áreas da cadeia de pecuária de corte, de leite, ovinos, grãos e insumos agropecuários. Palestrante, facilitador e moderador de eventos conectados ao agronegócio. Presidente da Associação dos Profissionais para a Pecuária Sustentável. Membro do Conselho Consultivo da Phibro, Membro do Conselho Técnico do programa Bifequali da Embrapa Sudeste e coordenador das ações gerais da Scot Consultoria.
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*Artigo publicado na revista DBO - ano 34 - número 424 - 2016, p 24.
A carne bovina produzida no Brasil, é essencialmente uma commodity, um produto sem diferenciação.
Nos últimos anos, porém, um nicho de mercado tem obtido importância e volume, é a produção de bovinos para produzir cortes de carne cujo objetivo é atender demandas específicas dos consumidores.
O consumo de produtos de maior valor agregado e de melhor qualidade aumenta, conforme aumenta a renda per capita. Segundo o IBGE, entre 2003 e 2015, a renda do brasileiro cresceu aproximadamente 20%.
Em um primeiro momento, consumidor capitalizado tende, simplesmente, a "comprar" mais carne bovina. É o principio de elasticidade-renda. Após certo patamar de receita/salários, as exigências mudam, outros atributos passam a ser valorizados, sejam eles relacionados ao produto (marmoreio, por exemplo) ou aos processos (carne oriunda de regiões livres de problemas ambientais, outro exemplo).
A partir daí, quando se deixa de entregar somente commodities e segmenta-se o mercado, são identificados diferentes perfis de demanda. Resta aos frigoríficos ou agentes especializados escolherem um desses mercados.
É por isso que nos programas de carnes especiais, são diversas as raças utilizadas, desde as europeias continentais, para produção de carnes magras, com menor deposição de gordura, passando pelos zebuínos, pelos cruzamentos industriais, para quem busca aliar rusticidade, precocidade e terminação, às raças britânicas, mais precoces, menos rústicas e com maior deposição de gordura, até às raças japonesas, como a Wagyu, que produz uma carne altamente marmorizada.
A evolução da venda de sêmen das raças Angus, Devon e Simental mocho (tabela 1), por exemplo, demonstra como tem se diversificado o rebanho nacional de bovinos, fortemente baseado nos zebuínos, em especial no Nelore, movimento impulsionado pelas especificidades dos programas de carne bovina existentes.
Tabela 1.
Venda de sêmen no Brasil, escala em milhares de doses.
Além da genética, o manejo nutricional, a idade de abate e a castração, são alguns dos pontos que podem ser manejados conforme as exigências de cada programa de carne especial.
Bovinos inteiros, por exemplo, quase sempre não se enquadram em programas que premiam por deposição de gordura na carcaça. No Brasil, somente o Mato Grosso do Sul e o Rio Grande do Sul são conhecidos por terem um volume significativo de bovinos castrados. Segundo levantamento da Scot Consultoria, feita com agentes- chave, estima-se que 65% dos abates nacionais são de bovinos inteiros.
Programas de "qualidade"
É importante ressaltar o cuidado ao usar o termo "carne de qualidade", pois isso, o Brasil tem de sobra. Tem qualidade de produto (relacionado à sanidade) e qualidade de processo, mesmo produzindo carne commodity. Tanto que exportamos carne in natura para mercados diversos.
Para trabalhar com nichos específicos é preciso conhecer a demanda com a qual se quer trabalhar. É o consumidor quem determina, através das suas preferências e consumo, qual a carne especial será produzida.
A carne Taeq do Grupo Pão de Açúcar, a Swift Black da JBS e a Minerva Prime, da Minerva Foods, são exemplos de produtos produzidos dentro de programas de qualidade, que atendem demandas específicas.
A Taeq, por exemplo, por se destinar ao consumidor que busca uma carne bovina "magra", admite no programa, dependendo da idade de abate, bovinos inteiros que naturalmente depositam menos gordura e que, certamente, seriam descartados em outros programas de bonificação.
O programa Carne Angus certificada, da Associação Brasileira de Angus, é o maior programa nacional, e conforme a demanda por carnes especiais aumenta, a tendência é de que o número de programas para atender este mercado cresça.
Mercado externo
Embora a maioria dos programas destinem a produção ao mercado doméstico, há uma demanda por carnes produzidas sob determinados padrões, a ser explorada no mercado externo, como a Cota Hilton.
A tabela 2 evidencia que o Brasil tem aumentado ao longo dos anos, a exportação para UE através da Cota Hilton. Note que, apesar do ganho em remuneração que este programa garante, nos três últimos anos não temos conseguido fornecer todo volume a que o Brasil tem direito na Cota, que é de 10 mil toneladas por ano. Falta produto com as características desejáveis.
Tabela 2.
Desempenho dos países sul-americanos na Cota Hilton
O acelerador do setor de carnes especiais são os consumidores, exigindo cortes diferenciados, gerando uma demanda que faça com que produtores e frigoríficos aumentem a oferta desse produto.
Entretanto, em anos de crise, de redução no poder de compra do consumidor, como o vigente, fica comprometido o potencial de crescimento desses mercados, embora em longo prazo isso certamente continue ocorrendo.
Por fim, está claro que o Brasil possui as ferramentas para produzir e atender o mercado de carne bovina em diferentes demandas.
Colaborou Felippe Reis, zootecnista e analista da Scot Consultoria.
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