Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
Seis centímetros para sal mineral e 12 a 15 centímetros para proteinados: O que está por trás destes números? Literalmente atrás está o suplemento, cujo uso o produtor espera que compense o dinheiro neles investido. Para tal, precisam ser ingeridos pelos animais! Por essa razão esse dimensionamento é tão importante. Respondendo a mesma pergunta menos literalmente, no sentido de identificar qual o suporte técnico-científico que os ampara, somos obrigados a admitir que são valores mais baseados na experiência de campo do que em ciência[1]. Impõe-se, também, a realidade de que cochos são considerados um investimento caro, o que faz esses valores serem, em bom Latim, o minimum minimorum.
Dados de pesquisa indicam que esses “mínimos absolutos” talvez precisem ser revistos. Um dos mais contundentes motivadores já relatei num texto de setembro de 2013, apresentando dados obtidos na tese de doutorado do Dr. Ricardo Goulart[2], orientado do Prof. Moacyr Corsi (ESALQ/USP), que mostro mais uma vez a seguir.
Para avaliar o consumo, cujo monitoramento era fundamental para avaliar a efetividade de aditivos no sal, eles adicionaram sulfato de lítio como marcador no sal mineral. Dessa forma, apenas os animais em que fosse encontrado lítio no sangue, seriam aqueles que teriam consumido o sal mineral. Conseguiram, assim, distinguir os que consumiram o produto, daqueles que não consumiram. O quadro 1 é uma adaptação dos dados originais, mostrando apenas a variação da mistura mineral de um dos tratamentos.
O que a análise desses dados indica é que em quase metade das ocasiões os animais não consumiram o produto. De todas as observações (60), 29 tiveram consumo zero (29/60 = 48,0%). A variação de consumo também foi enorme: Desde 2 g/cabeça/dia até 146 g/cabeça/dia.
Caso não tivéssemos a informação proporcionada pelo lítio no sangue, faríamos apenas a média do consumo. O valor médio de 24 g/cabeça/dia estaria perto do consumo desejado, mas representaria bem pouco a realidade. Os dados completos são muito semelhantes: o número de ocasiões em que os animais não consumiram foi de 47,0%.
Apesar do importante aqui ser focar o consumo do sal mineral, vale à pena discorrer brevemente sobre o consumo do sal em cada forrageira, ressalvando que esse experimento não foi delineado para isso. Ao avaliarmos a ocorrência dos zeros em cada capim, na média, não há grande diferença, exceto para o Mombaça, para o qual pesou uma das datas em que nenhum animal consumiu. Como o conjunto dos dados mostra, a variabilidade é tão grande que isso poderia ter ocorrido em outros pastos, caso houvesse mais datas avaliadas. Alguém poderia insistir que o Mombaça, por ter maior valor nutricional entre todos, poderia fazer o animal sentir menos necessidade de consumir o suplemento. Todavia, exatamente por permitir o animal ter maior desempenho, as exigências de minerais deste também aumentam. Enfim, não necessariamente o capim melhor vai reduzir a necessidade de suplementação.
Voltando à questão do espaço linear, outra consideração importante é se, uma vez que os cochos usualmente são acessados por ambos os lados, podemos considerar que temos 3 metros de espaço linear para um cocho de 1,5 metros, ou seja, como se ambos os lados fossem 100,0% aproveitáveis.
Apesar de ser usual fazer essa consideração, isso só seria verdade se os animais se alinhassem uns exatamente em frente aos outros, o que nem sempre costuma ser o caso, conforme observação prática. Um valor que parece mais seguro, portanto, seria 1,5 vezes.
Um ponto interessante a considerar é que, melhor do que ter um cocho de dois metros, é ter dois de um metro, de forma que os animais submissos tenham uma alternativa ao cocho em que o animal que ele tenha medo esteja. Nesse caso, a recomendação é separar esses cochos a uma distância equivalente a dois corpos dos animais, pois o espaço equivalente a um corpo corresponde a “distância de fuga” do animal, ou seja, a distância abaixo da qual ele se sente ameaçado. Ao configurarmos a disposição dos cochos seguindo essa orientação, mesmo que o animal que lhe cause mais medo esteja na ponta de um cocho, o animal submisso consumirá tranquilo seu sal no outro cocho, mesmo que esteja na ponta mais próxima do primeiro.
Outro elemento do comportamento animal que devemos levar em conta decorre do fato de bovinos serem presas de carnívoros e terem como sua estratégia de defesa viver em grupo. Isso interfere na suplementação à medida que, uma vez que no momento que os animais com mais ascensão sobre o grupo (os líderes) cansam de ficar próximos ao cocho e resolvem ir pastejar em outros lugares, os demais animais os acompanham. Alguns animais seguem, então, o grupo mesmo que não tenham consumido o suplemento. Este é provavelmente um dos fatores que deve explicar boa parte dos dados do Quadro 1 de baixo consumo ou ausência de consumo.
Frente à dúvida quanto a estes valores de espaço linear (6 cm/UA[3] para sal mineral e 12 a 15 cm/UA para proteinado) serem realmente suficientes, a melhor opção seria dar o maior espaço linear possível dentro de um orçamento realista e observar o uso do cocho pelos animais no momento do fornecimento. Havendo suspeita de estar muito apertado, sempre será possível colocar cochos extras, nem que sejam improvisados.
Aliás, outra boa dica do pessoal do bem estar animal é o salgador ficar uns 15-20 minutos observando os animais, até para ver se algum deles tem algum problema, momento em que ele pode avaliar essa questão do espaço linear.
Em comum, o sal mineral e o proteinado tem altos teores de sódio, o nutriente que tanto ajuda o animal desejar consumir o suplemento, como limita o consumo da mistura. O sódio é muito mais eficaz na mistura mineral, pois ingredientes de proteinados, como milho, casca de soja e farelos, “diluem” o efeito desse elemento. Além disso, esses alimentos, por si só, são atraentes para o consumo dos animais.
Nesse sentido, o proteinado de baixo consumo (entre 1 a 2 g/kg de Peso Vivo) já fica perto do limite em que há eficácia do sódio como limitador. Quanto mais o “diluímos” em fórmulas de maior ingestão, menos podemos contar com seu efeito limitador de consumo. Falhando o sódio de limitar o consumo, o que ocorre é que os primeiros animais a terem acesso ao cocho consumirão todo o produto e os demais ficarão apenas na vontade.
Exatamente por isso que, para suplementações com maior quantidade de produto, deve-se mudar a estratégia e dar espaço para que todos os animais possam comer ao mesmo tempo, o que significa prover algo em torno de 60-70 cm/unidade animal.
O que essa situação mostra é que nessa nossa época de melhoramento genômico, inseminação artificial em tempo fixo, transferência de embrião e animais chipados, vamos ter que voltar nossa atenção para questões aparentemente resolvidas. A vantagem é que, agora, podemos usar a própria tecnologia para ter respostas mais rápidas e confiáveis. Juntar o passado com o futuro, nesse caso, será o caminho para encontrar soluções para uma suplementação mais eficiente e eficaz.
[1] Nunca consegui encontrar um trabalho científico sobre isso.
[2] Tese de doutorado (“Avaliação de antimicrobianos como promotores de crescimento via mistura mineral para bovinos de corte em pastejo”, disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11139/tde-17032011-171637/pt-br.php),
[3] UA = Unidade Animal, correspondendo a um animal de 450 kg de peso vivo.
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