Zootecnista, professor em cursos de pós-graduação nas Faculdades REHAGRO, na Faculdade de Gestão e Inovação (FGI) e nas Faculdades Associadas de Uberaba (FAZU); Consultor Associado da CONSUPEC - Consultoria e Planejamento Pecuário Ltda; Investidor nas atividades de pecuária de corte e de leite.
Adilson de Paula Almeida Aguiar - Zootecnista, professor de Forragicultura e Nutrição Animal no curso de Agronomia e de Forragicultura e de Pastagens e Plantas Forrageiras no curso de Zootecnia das Faculdades Associadas de Uberaba (FAZU); Consultor Associado da CONSUPEC - Consultoria e Planejamento Pecuário Ltda; investidor nas atividades de pecuária de corte e de leite.
Introdução
Os sistemas de produção animal em pasto no Brasil contribuem com mais de 90% da produção de carne e com mais de 98% da produção de leite bovinos, ou seja, aqueles sistemas são a base das cadeias da carne e do leite bovinos do país.
Pela importância das pastagens para a pecuária brasileira torna-se fundamental para o planejamento estratégico daquelas atividades o conhecimento exato da sua extensão, entretanto não se sabe com exatidão qual é o seu tamanho.
O dado oficial que se tem é o do ultimo Censo Agropecuário realizado em 2005, quando a área de pastagem levantada foi de 158.75 milhões de hectares (IBGE, 2006), mas este valor está defasado. Segundo a EMBRAPA, em 2011 a área de pastagem era de 190 milhões de hectares (BUNGENSTAB, 2011), enquanto no mesmo ano em um boletim da Scot Consultoria, em cálculos baseados nas fontes da FAO, do USDA, do IBGE e da CONAB, a área seria de 171,35 milhões de hectares. Por outro lado, durante o IV Encontro de Adubação de Pastagens, dentro do Encontro dos Encontros da Scot Consultoria (setembro:outubro de 2016), o professor Laerte Guimarães Ferreira apresentou em sua palestra O “novo” mapa de pastagens brasileiras mapeado com imagens de satélite e concluiu que a área de pastagens compreendiam 165 a 167 milhões de hectares. Diante do exposto eu concluo que ainda não se sabe de fato a extensão da área de pastagens do país. Vamos aguardar com expectativa os dados do próximo Censo Agropecuário o qual provavelmente será publicado em 2018.
Apesar da incerteza em relação à área de pastagens brasileiras, o que não se tem dúvida entre os especialistas é sobre o alto grau de degradação destas, tanto em extensão quanto em seu nível de degradação. Estima-se que a área de pastagens ocupa aproximadamente entre 19 a 22% do território brasileiro e que 80% desta área encontra-se em algum estádio de degradação, sendo que mais da metade está precisando urgentemente de intervenção (BUNGENSTAB, 2011).
A degradação de pastagens não parece ser um problema nacional, mas sobretudo mundial. A área de pastagens no mundo compreendem 3,4 bilhões de hectares ocupando aproximadamente 15% da superfície terrestre, sendo que deste total 70% encontram-se em algum estádio de degradação.
Mesmo na Região Norte do Brasil, região onde a pecuária vem se expandindo num tempo relativamente mais recente que as regiões tradicionais de pecuária brasileira, dos seus 57 milhões de hectares de pastagens, mais de 50% estavam degradadas (ZIMMER, 2006).
Pelas consequências negativas que a degradação das pastagens traz para toda a sociedade, é imprescindível que as pessoas que atuam direta ou indiretamente com a produção animal em sistemas de pastagens conheçam o problema em profundidade.
O objetivo deste artigo é definir o que é a pastagem degradada, quais são as causas e as consequências da degradação das pastagens.
Definição do termo “pastagem degradada”
“As pastagens são consideradas degradadas quando a produção de forragem é insuficiente para manter determinado número de animais e por certo tempo” (MEIRELLES, 1993).
“Segundo Dias-Filho (2003) pastagem degradada pode ser definida como uma área com acentuada diminuição da produtividade agrícola (diminuição acentuada da capacidade de suporte ideal) que seria esperada para aquela área, podendo ou não ter perdido a capacidade de manter a produtividade do ponto de visita biológico (acumular carbono)”.
“A degradação da pastagem pode ser explicada como um processo dinâmico de degeneração ou de queda relativa da produtividade. É um processo evolutivo de perda de vigor, de produtividade, de capacidade de recuperação natural das pastagens para sustentar economicamente os níveis de produção e de qualidade exigida pelos animais, assim como, o de superar os efeitos nocivos de pragas, doenças e invasoras, culminando com a degradação avançada dos recursos naturais em razão de manejos inadequados” (MACEDO, 2005).
É importante caracterizar para definir corretamente o que é uma pastagem degradada. A maioria dos produtores, e por que não dizer, muitos técnicos, classificam como uma pastagem degradada o que na verdade é um estádio muito mais avançado o qual culmina com a degradação do solo (diminuição da cobertura morta, exposição do solo, adensamento e compactação, erosão ou domínio do terreno pelas plantas invasoras) e não simplesmente uma perda de vigor e de produtividade da pastagem.
Esta falta de critério para diferenciar uma pastagem degradada de uma situação de solo degradado explica em parte porque no levantamento do último Censo Agropecuário 87% dos produtores entrevistados consideraram que as suas pastagens estavam em boas condições. Apenas 13% dos produtores entrevistados classificaram as suas pastagens como degradadas e a área correspondente representava apenas 8,6% da área de pastagens (IBGE, 2006), o que constitui um paradoxo diante dos dados de que 80% da área de pastagens brasileiras estão degradadas (BUNGENSTAB, 2011).
Causas do processo de degradação da pastagem
O plantio de espécies forrageiras não adaptadas às condições climáticas e dos solos da região. Por exemplo, a morte do capim-marandu (capim-braquiarão), causada principalmente pela baixa tolerância desta forrageira às condições de solos mal drenados, foi apontada em 25% dos casos como a principal causa da degradação de pastagens nos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima (BARBOSA, 2006);
O plantio incorreto, com erros cometidos desde o preparo incorreto do solo, passando pela compra de sementes de baixo valor cultural, terminando com erros na semeadura da pastagem, foi apontado em 25% dos casos como a principal causa da degradação de pastagens nos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima (BARBOSA, 2006);
O manejo incorreto da pastagem durante o seu estabelecimento e durante a sua condução. O superpastejo (quando a taxa de lotação está acima da capacidade de suporte da pastagem) foi apontado em 100% dos casos como a segunda causa da degradação de pastagens nos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, enquanto os piquetes excessivamente grandes e o método de pastoreio contínuo foram apontados em 25% dos casos como a terceira causa da degradação de pastagens naqueles estados (BARBOSA, 2006);
A queima frequente provoca perdas de 100% do carbono, de 98% do nitrogênio e de 95% do enxofre da biomassa vegetal da pastagem (da planta forrageira e das plantas invasoras). Além disso, causa uma mudança na composição botânica da pastagem, com eliminação gradativa da planta forrageira e das invasoras herbáceas (diga-se de passagem, de mais fácil controle) e sua substituição por plantas invasoras de portes subarbustivo, arbustivo e arbóreo, de controle reconhecidamente mais difícil. E o mais desafiador ainda, é a substituição da planta forrageira e das invasoras de folha larga, por capins-invasores extremamente fibrosos, de baixa aceitabilidade pelos animais e de controle muito difícil;
A falta de diversificação que provoca o desenvolvimento rápido de pragas e doenças das pastagens como por exemplo da cigarrinha das pastagens que atacam anualmente milhões de hectares de pastagens formadas com forrageiras susceptíveis a elas, e o pior ainda, os casos de ataques severos da cigarrinha-da-cana, que até em um passado recente só atacava canaviais e o capim-elefante, agora ataca milhões de hectares de pastagens de capim-braquiarão. Estes ataques foram apontados em 25% dos casos como a terceira principal causa da degradação de pastagens nos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima (BARBOSA, 2006) . É provável que dois fatores explicam, pelo menos em parte, as causas daqueles ataques: a monocultura da espécie Brachiaria brizantha, principalmente do cultivar Marandu (capim-braquiarão), que ocupa metade da área de pastagens cultivadas nos Cerrados (MACEDO, 2005), e 65% na Região Norte (ZIMMER, 2006) e seu modo de reprodução assexuada, por apomixia;
A infestação por plantas invasoras. Estas competem com a planta forrageira pelos fatores de crescimento luz, água e nutrientes, como também por espaço. Aquelas de folha larga, conferem menor proteção ao solo contra o impacto de chuvas e a radiação solar, contra o pisoteio de animais e de máquinas, devido aos seus hábitos de crescimento e morfologia de sistema radicular;
A incompatibilidade de espécies de gramíneas e leguminosas consorciadas que competem de forma desigual pelos fatores de crescimento luz, água e nutrientes, com consequente eliminação de uma das espécies consorciadas, geralmente a leguminosa;
O cultivo da pastagem em solos com baixa fertilidade natural ou em solos antes férteis, mais já esgotados. Segundo Barbosa (2006) o declínio da fertilidade do solo por ausência de adubação foi apontado em 50% dos casos como a principal causa da degradação de pastagens nos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima. Este resultado está em acordo com a baixa adoção do uso de fertilizantes em pastagens no Brasil. Menos de 2% de todo fertilizante vendido no país tem destino a aplicação em pastagens (ANDA, 2011), sendo que menos de 1,6% das propriedades aplicavam fertilizantes em pastagens (IBGE, 2006). Nos Estados do Acre, Pará e do Tocantins, apenas 0,22, 0,82 e 1,57% das propriedades, respectivamente, aplicavam fertilizantes nas pastagens (IBGE, 2006).
De acordo com dados mais recentes citados por Cunha e Ribeiro (2014) do total de fertilizantes comercializados no Brasil, algo próximo a 31 milhões de toneladas em 2013, apenas 428 mil toneladas ou 1,38%, foram comercializadas para a aplicação em pastagens, quantidade que foi suficiente para aplicar em apenas 1,22% da área total de pastagens. Daquele total, 80% foram comercializados para somente cinco culturas: em ordem decrescente: soja, milho, cana, café e algodão. Esse maior uso de fertilizantes nestas culturas (exploração intensiva do solo) explica em parte porque a pecuária tem cedido áreas de pastagens degradadas para a agricultura.
Consequências da degradação da pastagem
Redução da produção de forragem por causa da competição por fatores de crescimento entre a planta forrageira e a planta invasora, pelos erros de manejo do pastejo (super e subpastejo) e pela queda na fertilidade do solo;
Redução da capacidade de suporte em unidades animais por hectare (UA/ha) em consequência da redução na produção de forragem. A redução média da produção de forragem, e, consequentemente, a redução média na capacidade de suporte da pastagem, entre o primeiro e o segundo ano após o plantio da pastagem é de 30% (variação entre 20 e 40%). Com o avanço do processo de degradação sem uma intervenção do mesmo, leva a uma redução de mais de 50% na capacidade de suporte a partir do quinto ano. Em UA isso representa uma redução de 1,0 a 2,0 UA/ha no primeiro ano para 0,50 a 1,0 UA/ha a partir do quinto ano;
Diminuição do desempenho animal por causa da menor qualidade de forragem (empobrecimento da composição química, queda da digestibilidade e redução de sua disponibilidade), levando a reduções no ganho de peso animal de 0,50 a 0,70 kg/dia, para 0,30 a 0,40 kg/dia;
Redução da produtividade por hectare com consequente redução na receita. A produtividade da terra é reduzida de 360 a 760 kg de peso corporal por hectare no primeiro ano, para 82 a 219 kg/ha a partir do quinto ano;
Aumento de custos de produção na tentativa de recuperar ou renovar as pastagens degradadas, com frequentes casos de insucessos e de frustrações na maioria das vezes por causa da falta de orientação técnica e consequente adoção de métodos inadequados;
Ferimento dos animais (olhos, boca, pele, úbere etc) pela presença de plantas invasoras que possuem espinhos;
Intoxicação e morte de animais que consomem plantas invasoras tóxicas. Segundo Tokarnia et al (2012), em 2000, quando o rebanho bovino brasileiro era formado por 160 milhões de animais, morriam anualmente 1,12 milhão de cabeças. Se esta proporção foi mantida, em 2012 morreriam 1,4 milhão de cabeças, com prejuízo calculado para a pecuária brasileira de R$ 1,4 bilhão/ano;
Aumento de ectoparasitos (berne, carrapato, moscas) que se abrigam na folhagem das plantas invasoras;
Degradação de recursos naturais, tais como o solo (solo desprotegido de palha, adensamento e compactação de sua camada superficial, redução na taxa de infiltração de água no solo, com consequente erosão) e a água (escorrimento de água das chuvas junto com solo erodido e assoreamento e contaminação dos cursos d água);
Perda de competitividade com outras alternativas de uso do solo. Entre os últimos Censos Agropecuários, de 1995 e de 2006 a área de pastagens no Brasil sofreu uma redução de 5,36 milhões de ha, enquanto as áreas de lavouras e de florestas foram aumentadas em 34,9 e 5,59 milhões de ha (IBGE, 2006). Entre 2003 e 2012 a área de pastagem no Brasil foi reduzida em 7,65 milhões de ha (AGROCONSULT, 2013). No Estado do Paraná, entre 1995 e 2009, a área de pastagens foi reduzida de 6,66 milhões de ha para 4,7 milhões de ha, uma redução de 29,4%. Ferraz (2008) previu que em menos de 10 anos (até 2018) a área de pastagens iria sofrer uma redução de 17 milhões de hectares. Entre 2012 e 2022 mais 12,25 milhões de ha serão destinados aos reflorestamentos, canaviais e produção de grãos (AGROCONSULT, 2013). Sobre estas áreas de pastagens, na sua quase totalidade, degradadas, têm avançado os cultivos de grãos, canaviais, reflorestamentos, seringais, entre outros, atividades que exploram o solo intensivamente com uso de tecnologias atuais e operando com maiores lucratividades e retornos sobre o capital investido.
Na Parte 2 deste artigo descreverei as metodologias para diagnóstico do estádio de degradação da pastagem, os métodos para a sua recuperação e as respostas técnicas e econômicas da recuperação/renovação da pastagem degradada – aguardem.
BIBLIOGRAFIA
AGROCONSULT: consultoria e projetos. www.agroconsult.com.br
ANDA. Associação Nacional para a Difusão de Adubos. Anuário estatístico do setor de fertilizantes. São Paulo, 2011.
BARBOSA, R. A. Mortalidade de plantas forrageiras em pastagens nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil – Introdução ao problema. In: Morte de pastos de Braquiárias, Campo Grande: EMBRAPA, 2006. 206 p. p. 15 – 21.
BUNGENSTAB, D. J. Sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta: a produção sustentável. Campo Grande:EMBRAPA/CNPGC, 2011. 128 p.
DIAS-FILHO, M. B. Degradação de pastagens: processos, causas e estratégias de recuperação. Belém: EMBRAPA-Amazônia Oriental, 2003. 152 p.
CUNHA, J. F. da; RIBEIRO, R. Mercado de fertilizantes e suas implicações econômicas em reforma de pastagens. In: ENCONTRO DE ADUBAÇÃO DE PASTAGENS DA SCOT CONSULTORIA – TEC-FÉRTIL. Ribeirão Preto, 2013. Anais ... São Carlos: SUPREMA GRÁFICA E EDITORA, 2013. 272 p. p. 127-142.
FERRAZ, J. V. Uma visão do futuro: a pecuária brasileira daqui a 10 anos. In: ANUÁRIO DA PECUÁRIA BRASILEIRA ANUALPEC. São Paulo:AGRAFNP, 2008. 280 p. p. 22 – 32.
IBGE – CENSO AGROPECUÁRIO 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. 777 p.
MACEDO, C. M. M. Pastagens no ecossistema Cerrados: evolução das pesquisas para o desenvolvimento sustentavel. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA. 42., Goiânia, 2005. Anais... Goiânia:UFG, 2005. 446 p. p. 56 – 84.
MEIRELLES, N. M. F. Degradação de pastagens: critérios de avaliação. In: ENCONTRO SOBRE RECUPERAÇÃO DE PASTAGENS., Nova Odessa, 1993. Anais... Nova Odessa:IZ, 1993. 199 p. p. 27 – 48.
TOKARNIA, C. H. et al. Plantas tóxicas do Brasil: para animais de produção. 2ª Edição. Rio de Janeiro:HELIANTHUS, 2012. 586 p.
ZIMMER, A. H. Prefácio. In: Morte de pastos de Braquiárias, Campo Grande: EMBRAPA, 2006. 206 p.