Zootecnista, professor em cursos de pós-graduação nas Faculdades REHAGRO, na Faculdade de Gestão e Inovação (FGI) e nas Faculdades Associadas de Uberaba (FAZU); Consultor Associado da CONSUPEC - Consultoria e Planejamento Pecuário Ltda; Investidor nas atividades de pecuária de corte e de leite.
Foto: sfagro.uol.com.br
Nas duas ultimas décadas a pecuária brasileira vem perdendo competitividade com alternativas de uso do solo. Entre os últimos Censos Agropecuários, de 1995 e de 2006 a área de pastagens no Brasil sofreu uma redução de 5,36 milhões de hectares (ha), enquanto as áreas de lavouras e de florestas foram aumentadas respectivamente em 34,9 e 5,59 milhões de ha (IBGE, 2006).
Ferraz (2008) previu que em menos de 10 anos (até 2018) a área de pastagens iria sofrer uma redução de 17 milhões de ha, previsão que vem se confirmando pelos dados da Agroconsult (2013) de que entre 2003 e 2012 a área de pastagem no Brasil foi reduzida em 7,65 milhões de ha. Esta mesma consultoria prevê que entre 2012 e 2022 mais 12,25 milhões de ha de pastagens darão lugar a alternativas de uso da terra.
Sobre as áreas de pastagens, na sua quase totalidade, degradadas, têm avançado os cultivos de grãos, canaviais, reflorestamentos, seringais, entre outros, atividades que exploram o solo intensivamente com uso de tecnologias avançadas e modernas, operando com maiores lucratividades e retornos sobre o capital investido.
Diante deste contexto eu tenho sido convidado para proferir palestras para pecuaristas, em regiões tradicionalmente pecuárias, sobre a conversão de pastagens em lavouras com ou sem integrar ambas estas atividades. Quem convida solicita que eu apresente as vantagens e as desvantagens daquelas opções. Entretanto, na “hora h” eu tenho mudado o rumo da conversa no sentido de chamar a atenção dos pecuaristas para eles fazerem uma autoavaliação se realmente conhecem a atividade agrícola, os seus desafios, se estão ou não preparados para se tornarem agricultores. E eu vou questionando-os com um passo a passo da adoção de técnicas e tecnologias aplicadas naquelas atividades, desde a escolha da espécie/variedade/cultivar forrageiro até o resultado final das atividades. Vejamos como tem sido a minha abordagem naquelas palestras.
1) A escolha da espécie forrageira: como o pecuarista escolhe as espécies forrageiras (variedades e ou cultivares) para a implantação de pastagens em sua propriedade? É com a orientação de um especialista? Não, é só ver a estatística publicada pelo IBGE quando do ultimo Censo Agropecuário, em 2006. Naquele ano 76% dos estabelecimentos agropecuários não recebiam assistência técnica. É com base em um estudo prévio das condições do ambiente onde a pastagem será estabelecida (condições climáticas, de solo, das pragas e doenças, dos objetivos da exploração etc)? Não: quase sempre a escolha é feita na onda dos modismos das opções de cultivares recém-lançados, sem orientação de um especialista, mas sim com base em informações de outros pecuaristas, que sabe igual ou menos do que o nosso pecuarista em questão, ou de vendedores das casas de produtos agropecuários, com todo o respeito que tenho pela atividade que desempenham.
Eu pergunto: e o agricultor também escolhe os cultivares e variedades de milho, soja, etc da mesma maneira? Não: a maioria participa de feiras agrícolas, de dias de campo, de palestras, e são nestes eventos que eles são informados por especialistas das novas opções de cultivares e de variedades de culturas agrícolas. A maioria dos pecuaristas não participa daqueles eventos porque acha uma bobagem, uma perda de tempo e que aqueles eventos são somente para as empresas “empurrarem” seus produtos neles.
2) O padrão de qualidade das sementes de plantas forrageiras: qual é o padrão de qualidade das sementes que o pecuarista brasileiro compra? Se for uma semente certificada esta terá 60,0% de pureza, valor mínimo exigido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) o que significa que os 40,0% restantes são qualquer coisa, menos sementes da forrageira escolhida. Pior ainda é o caso dos pecuaristas que ainda consideram cara aquela semente certificada e preferem comprar sementes de “sementeiros”. E estas atitudes são comuns mesmo havendo no mercado sementes tipo exportação com mais de 90,0% de pureza, tratadas com inseticidas e fungicidas, mas estas são consideradas pelos pecuaristas como muito caras.
Eu pergunto, e o agricultor quando compra um saco de sementes de milho ou de soja o que vem dentro? Terra, torrões, ovos de pragas, esporos de fungos, sementes de plantas invasoras, sementes de outras variedades da cultura que ele deseja plantar? Não: vêm puramente sementes tratadas. E o agricultor aceitaria comprar sementes com aqueles “corpos estranhos”? Não!
3) O preparo do solo: como o pecuarista prepara o solo para o estabelecimento da pastagem em sua propriedade? Ainda vemos de tudo, desde a ausência total de preparo, passando pelo preparo mínimo do terreno apenas com o uso do gradão (grade pesada), até mesmo com preparo completo ou convencional (preparo com aração, seguida por gradagem pesada, intermediária e leve), quando não em plantio direto na palha. Mas a maioria dos pecuaristas ainda prefere o preparo mínimo, deixando o terreno irregular, com torrões grandes.
Pergunto: e o agricultor, excluindo aqui o que já faz plantio direto na palha, ou seja, estou me referindo aquele que ainda faz preparo convencional do solo? Ele gradeia com grade pesada, depois ara profundo (aração invertida), gradeia novamente com grade pesada e ou intermediária, depois nivela o terreno com grade leve e ainda passa um rolo compactador antes da semeadura etc, ou seja, o terreno fica totalmente preparado e nivelado condições que garantem uma semeadura uniforme, a qual vai resultar em uma germinação uniforme.
Ainda pergunto: será que as sementes de forrageiras, comparadas com as das culturas agrícolas, dispensam aquele esmero no preparo do solo? Não, ao contrário, as sementes de plantas forrageiras são significativamente menores e, portanto, contem menos reservas do que as das culturas agrícolas (é só comparar uma semente de Brachiaria sp, que é uma das maiores entre as forrageiras, com as de amendoim, de feijão, de milho, de soja, etc). Sendo assim, deveriam ser semeadas em um terreno totalmente e melhor preparado.
4) O manejo da fertilidade do solo: como o pecuarista maneja a fertilidade dos solos de sua propriedade? Ele amostra solo para análise? Apesar da análise de solo ser uma tecnologia simples, relativamente barata e de importância estratégica, não é utilizada por mais de 20,0% dos agricultores brasileiros (imagine no universo dos pecuaristas?). Ele é orientado por um especialista na área em questão que irá interpretar os resultados das analises de solos e com base nestas recomendar o programa de correção e adubação? Não.
Quando o pecuarista resolve por corrigir e adubar os solos de suas pastagens ele busca “receitas” com os vizinhos ou com um técnico “amigo” ou conhecido dele. Ele faz correção dos solos de sua propriedade? Para ter-se uma ideia apenas 7,95% dos estabelecimentos agropecuários aplicaram calcário em 2005 (IBGE, 2006), imagine somente em pastagens? Ele faz adubações de plantio de cobertura? Em 2014 do total de fertilizantes entregue no Brasil, apenas 1,48% foi destinado para a aplicação em pastagens quantidade que fora suficiente para adubar somente 1,22% da área de pastagens (CUNHA; RIBEIRO, 2014).
Eu pergunto, e o agricultor? As estatísticas podem esclarecer melhor: 98,58% das 31 milhões de toneladas comercializadas no Brasil em 2014 foram destinadas à agricultura, sendo que 91,0% do total foram consumidas por apenas cinco culturas, soja, milho, cana-de-açúcar, café e algodão, nesta ordem decrescente de consumo. Apenas a cultura da soja consumiu aproximadamente 40,0% do total de fertilizantes (ANDA, 2014). E o pecuarista ainda tem a falta de sensatez em comparar os ganhos econômicos desta cultura com os da pecuária extensiva:extrativista baseada na exploração da fertilidade natural do solo, diga-se de passagem, muito baixa, em pastagens degradadas (segundo Bungenstab, 2011 80,0% do total da área de pastagens encontram-se degradadas, sendo que a metade está precisando de intervenção urgente).
5) Planejamento: o pecuarista planeja, por exemplo: quando escolher a área de pastagem que será estabelecida ou recuperada; quando medir e mapear a área de pastagem que será estabelecida ou recuperada; a cotação e a compra dos insumos (sementes, inseticidas, herbicidas, corretivos, adubos etc); o armazenamento dos insumos; a revisão das máquinas e implementos que serão usados, a capacitação da mão de obra que vai trabalhar, etc? Não.
A maioria faz tudo em cima da hora, quando faz, o que leva a pagar mais caro na compra de insumos, não ter condições especiais de compra, receber os insumos com atraso, quando estes não faltam, etc. E o agricultor? Este, ao termino da colheita de uma safra já está com a safra seguinte planejada, com insumos comprados etc.
6) A época e as condições climáticas para a semeadura: como o pecuarista toma decisão em relação à época e às condições para a semeadura? É com base nas normais climatológicas da região associado ao acompanhamento diário da previsão do tempo?
O pecuarista tem como fonte de informação a publicação do Departamento Nacional de Meteorologia (DNMET) que apresenta valores das normais climatológicas (NORMAIS CLIMATOLÓGICAS ..., DNMET, 1992) referentes ao período de 1961 a 1990 de 209 estações meteorológicas (atualmente são 394 estações) com médias históricas para 9 parâmetros (atualmente são 29 parâmetros) além das previsões climáticas disponíveis diariamente em todos os canais de televisão, nos jornais, pelo computador e pelos smartphones via internet, etc. Não: a maioria ainda usa de informações empíricas (“mandacaru quando flora lá na seca é sinal que a chuva chega no sertão”), apostando e arriscando contra o tempo, semeando ou muito cedo (na poeira) ou muito tardiamente.
E o agricultor? Este sabe que existe uma “janela” para a semeadura e que esta não é larga, por isso fica atento às previsões climáticas e com todas as maquinas, implementos e equipes de trabalhadores preparados.
Na segunda parte deste artigo vou continuar comparando as atitudes do pecuarista e as do agricultor em relação às etapas seguintes de um cultivo de pastagem com as de um cultivo de lavoura.
BIBLIOGRAFIA
AGROCONSULT: consultoria e projetos.
ANDA. Associação Nacional para a Difusão de Adubos. Anuário estatístico do setor de fertilizantes. São Paulo, 2014.
BUNGENSTAB, D. J. Sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta: a produção sustentável. Campo Grande: EMBRAPA/CNPGC, 2011. 128 p.
CUNHA, J. F. da; RIBEIRO, R. Mercado de fertilizantes: uso em pastagens – indices e demandas. In: ENCONTRO DE ADUBAÇÃO DE PASTAGENS DA SCOT CONSULTORIA – TEC-FÉRTIL, 2., Ribeirão Preto, 2014. Anais... São Carlos: SUPREMA GRÁFICA E EDITORA, 2014. p. 20-37.
FERRAZ, J. V. Uma visão do futuro: a pecuária brasileira daqui a 10 anos. In: ANUÁRIO DA PECUÁRIA BRASILEIRA ANUALPEC. São Paulo:,AGRAFNP, 2008. 280 p. p. 22 – 32.
IBGE – CENSO AGROPECUÁRIO 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. 777 p.
NORMAIS CLIMATOLÓGICAS – série 1961/1990. Departamento Nacional de Meteorologia – DNMET. Brasília: DNMET:MAPA, 1992. 84 p.
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