Zootecnista, professor em cursos de pós-graduação nas Faculdades REHAGRO, na Faculdade de Gestão e Inovação (FGI) e nas Faculdades Associadas de Uberaba (FAZU); Consultor Associado da CONSUPEC - Consultoria e Planejamento Pecuário Ltda; Investidor nas atividades de pecuária de corte e de leite.
Foto: www.pastar.com.br
Na primeira parte deste artigo (clique aqui para ler) descrevi: como a agricultura tem avançado sobre as áreas de pastagens; como tem aumentado o interesse do pecuarista pela integração lavoura:pecuária, ou somente pela agricultura intencionando sair da atividade pecuária, mas também chamei a atenção para o fato de que esta transformação traz desafios e impõe a necessidade de mudança de atitude do pecuarista para se tornar um integrador das atividades ou somente um agricultor. Analisando as atitudes do pecuarista e as comparando com as de um agricultor em relação a como escolher espécies forrageiras, a como comprar sementes, a como preparar o solo e manejar a sua fertilidade, a como planejar a condução dos cultivos ...., percebe-se que as diferenças são enormes.
Vou continuar comparando as atitudes do pecuarista e as do agricultor em relação às etapas seguintes de um cultivo de pastagem com as de um cultivo de lavoura.
7) E quanto aos métodos de semeadura: os métodos de semeadura de sementes de plantas forrageiras ainda, na sua maioria, são arcaicos, apesar de haver disponível no mercado conhecimento e máquinas apropriadas para a semeadura de pastagens no mesmo padrão tecnológico do visto em cultivos agrícolas.
Ainda o pecuarista semeia sementes de plantas forrageiras manualmente a lanço, em cova, a lanço aéreo, a lanço tratorizado, deixando as sementes sobre a superfície do terreno expostas às intempéries (dessecação pelo sol, levadas pelas águas das chuvas ou pelo vento) e ao carregamento por insetos.
E o agricultor? Este faz uso das mais modernas semeadoras-plantadoras com sistemas de semeadura avançadíssimos, depositando as sementes em linha, 5 cm acima e ao lado do adubo de plantio, enterradas e compactadas.
8) E quanto ao controle de plantas invasoras: o pecuarista negligencia as consequências da presença de plantas invasoras em pastagens, (clique aqui e releia os artigos que escrevi e que foram publicados em maio nesta coluna – Parte 1 e Parte 2) ou adota métodos de controle ultrapassados por que são de baixa eficácia, tais como o uso de fogo e o método físico ou mecânico com roçadas.
E o agricultor? Na agricultura basicamente só se faz uso do controle químico de plantas invasoras, com o uso de herbicidas, principalmente aplicados preventivamente com os procedimentos de aplicação em pré-plantio incorporado e em pré-emergência, enquanto o pecuarista, mesmo aqueles poucos que fazem uso deste método de controle o fazem tardiamente com resultado muito abaixo do possível e esperado.
É interessante observar que as plantas invasoras concorrem com as culturas agrícolas e com plantas forrageiras pelos mesmos fatores de crescimento, luz, água e nutrientes, levando às mesmas consequências em perdas de potencial de produção vegetal (reduções até da ordem de 30%). Entretanto, na pecuária os prejuízos são ainda maiores porque a presença de plantas invasoras afeta direta ou indiretamente o desempenho animal, quando não se perde o animal quando este ingere uma planta invasora que é toxica.
9) E o controle de pragas e doenças: aqui também o pecuarista negligencia as consequências da presença de pragas (cigarrinhas das pastagens e dos canaviais, lagartas, formigas, cupins, percevejos, gafanhotos etc.) em pastagens (clique aqui e releia os artigos que escrevi e que foram publicados em maio nesta coluna – Parte 1 e Parte 2). Anualmente milhões de hectares de pastagens são atacados, principalmente pelas cigarrinhas das pastagens e também a dos canaviais com grandes prejuízos. A maioria dos pecuaristas não adota nenhum método de controle, nem mesmo preventivo, e quando adota, vai desde métodos empíricos, tais como “benzeção” passando pelo fogo, gradagens, roçadas, etc.
E o agricultor? Este sempre trabalha de forma preventiva semeando sementes tratadas com inseticidas e com fungicidas, muitas vezes pulverizando e incorporando inseticidas ao solo. Ele sabe que os danos causados pelas pragas e doenças pode levar a perda total da produção anual.
10) E a colheita? Mesmo com todo o avanço no conhecimento e no desenvolvimento de procedimentos para o estabelecimento de uma pastagem, conceitos arraigados levam a maioria dos pecuaristas a introduzir os animais para o primeiro pastejo (a primeira colheita) em uma pastagem recém-formada somente após o seu florescimento.
Já no inicio da década de 70, o engenheiro agrônomo José Carlos Maschietto havia desenvolvido o que ficou conhecido como o “Método de Plantio de Pastagem de 60 dias”, posteriormente rebatizado para “Método CATI de Plantio de Pastagem”. É inacreditável, mas estou comentando sobre um procedimento que já foi validado quatro décadas atrás, mas a maioria dos pecuaristas ainda negligencia este conhecimento.
Quando o pecuarista coloca os animais para o primeiro pastejo apenas após o florescimento das plantas as perdas de forragem por tombamento/acamamento são muito altas, e assim o pecuarista perde não apenas a forragem, mas também tempo e dinheiro.
Mesmo nas pastagens já implantadas a eficiência de colheita de forragem e de produto animal, carne ou leite, é muito baixo, e muito aquém dos potenciais porque a maioria dos pecuaristas insiste em manejar o pastejo com taxas de lotação ora acima da capacidade de suporte (na maioria), ou seja, com superpastejo, ora abaixo da capacidade de suporte, ou seja, com subpastejo.
E o agricultor? Este sabe que existe uma “janela” para a colheita e que esta é apertada, por isso fica atento às previsões climáticas e com todas as máquinas, implementos e equipes de trabalhadores preparados para o início da operação. A capacitação dos operadores das colhetadouras é permanente e a meta é a cada ano reduzir as perdas durante a colheita.
Na exploração da pastagem o pecuarista perde até 100% da forragem disponível quando deixa a planta florescer no ano de implantação da pastagem, e na pastagem já estabelecida perde potencialmente em produto animal pelo menos 50%.
11) E as atividades em si? Pecuaristas e técnicos têm discutido e comparado exaustivamente a atividade pecuária com a agricultura, e este tema tem sido objeto de palestras, dias de campo, entrevistas, programas, matérias, teses, dissertações, análises de agentes financeiros, etc, mas não é justo comparar a agricultura brasileira, referência internacional na produção de produtos derivados da cana-de-açúcar, das culturas do café, do eucalipto, da laranja, da seringueira, da soja, uma agricultura do século 21 com uma pecuária extensiva-extrativista que opera com conceitos tradicionais e arraigados.
É preciso perguntar àquelas pessoas se quando elas comparam as atividades discutidas neste artigo elas levam em consideração os desafios da agricultura. Será que eles não existem? Será que somente na pecuária é difícil? Aquelas pessoas precisam refletir melhor e responder se: a agricultura suportaria por séculos a ineficiência com a qual a pecuária opera?
O pecuarista que se tornar um agricultor está preparado para enfrentar as plantas invasoras tolerantes aos herbicidas? Enfrentar pragas devastadoras tais como a lagarta Helicoverpa armigera na soja, os nematoides, as doenças tais como a ferrugem asiática na soja, o mofo branco no feijão, fazer seis, oito pulverizações com inseticidas e/ou fungicidas durante o ciclo da cultura, que varia entre três e cinco meses, no caso das culturas anuais?
Enfrentar as perdas provocadas pelas estiagens, pelo excesso de chuvas por ocasião da colheita, ou seja, as irregularidades climáticas? Nestas condições o pecuarista pode transferir seus animais para outras regiões, alugando ou arrendando pastagens, entregando os animais em parcerias, enviando para confinamentos, levando aos leilões ou enviando os terminados aos frigoríficos, com alta liquidez. E o agricultor? Vai colher plantas de soja ou de milho secas sem grãos? Vai vender isso para quem?
Os pecuaristas reclamam do cartel e da concentração do mercado na mão dos grandes frigoríficos brasileiros, da ajuda irrestrita dos bancos públicos àqueles frigoríficos, mas eu tenho perguntado aos pecuaristas para quantos compradores de soja os agricultores vendem a sua produção? Não dá para encher os dedos de uma mão se somarmos os grandes “traders” do setor. São empresas brasileiras que compram? Não, são grandes multinacionais. E o produtor de laranja? E assim por diante.
As ineficiências em que a pecuária vem operando a mais de século, a agricultura não suportariam por mais do que três anos seguidos.
Em tempo: para aqueles que estão comparando as atividades sugiro que se comparem as mesmas no mesmo nível tecnológico. Some os custos da lavoura de soja (primeira safra) com os da lavoura de milho (segunda safra) e converta os valores em animais e insumos e calcule os resultados. Garanto que ficarão surpresos.
Outra coisa: sugiro que melhorem o padrão das planilhas de cálculos de resultados econômicos das atividades agrícolas incluindo não apenas os custos diretos, mas também os custos fixos e as despesas administrativas. Aquelas, que vejo pelas minhas andanças, me parecem muito simples e não refletem a realidade dos custos e dos resultados da atividade.
Ainda em tempo: não pensem que sou contra a agricultura, o que não recomendo é que o pecuarista abandone totalmente a atividade pecuária para se tornar um agricultor, mesmo porque a maioria não está preparada, como discorrido nestes dois artigos. Oriento que eles integrem as atividades fazendo uso de todo o acervo de conhecimento que temos no Brasil, e que nenhum outro país possui, mas de forma orientada e planejada.
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