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Scot Consultoria

Fazenda do Futuro


Quarta-feira, 29 de novembro de 2017 - 08h50

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.


Foto: Scot Consultoria

 

Uma das conquistas mais espetaculares da humanidade foi vencer a gravidade terrestre e fazer algumas visitas ao nosso astro companheiro de viagem, a Lua. Isso ocorreu há quase 50 anos e, naquela época, incendiou a imaginação de como seria o século XXI. Carros voadores, colônias lunares, turismo em Marte, eram algumas apostas do que seria corriqueiro. Um bom exemplo desse otimismo é o desenho da Hanna-Barbera, “Os Jetsons”¹. Certamente, muita gente gostaria, hoje, de ter um robô como a Rosie, que fazia todas as tarefas domésticas e ainda ajudava a cuidar das crianças.

Em 2017, quase finda a segunda década desse novo século, constatamos que a grandiosidade do feito inflou deveras nossas expectativas: carros voadores ou robôs empregados domésticos são ainda um sonho. Nos últimos anos, contudo, apesar de não haver um feito comparável à conquista do espaço (pelo menos em popularidade), novidades com grande impacto tem surgido num ritmo cada vez maior. Essa onda de tecnologia no campo, com drones, sensores hiperespectrais, inteligência artificial, internet-das-coisas e muitos outras novidades estão invadindo nosso dia-a-dia aqui na Embrapa Gado de Corte.

Influenciado por essa onda modernizante, vamos fazer um exercício de imaginação de uma fazenda do futuro com uso intensivo de tecnologia. Fica o alerta que, da mesma forma que os criadores de “Os Jetsons”, a tendência é exagerar.

Essa Fazenda do Futuro fica no Cerrado, numa data indeterminada algumas décadas à nossa frente. O proprietário, sr. Gejota, enquanto lava o rosto após uma boa noite de sono, vê no seu espelho digital as tarefas programadas para o dia. Na última linha, há o aviso que um alerta de proximidade do parto de uma das vacas já foi enviado ao responsável pelos cuidados com a parição. Esse alerta foi disparado diretamente da vaca, onde um sensor captou uma combinação de variáveis (temperatura corporal e de comportamento) indicativas de parto próximo e enviou ao celular do peão. Na internet-das-coisa-do-campo, portanto, a “coisa” pode ser a própria vaca. O termo “Internet das Vacas”, inclusive, já é usado.

No café da manhã, o proprietário é informado que a primeira tarefa do dia já está em curso: Drones levam um lote de animais até o curral automático anti-estresse. Toda a movimentação dos animais é feita, desde o pasto, sem a intervenção humana. Os animais passam pelo tronco, mas sem serem contidos. Nele, câmeras avaliam a terminação e o peso baseando-se em imagens do “visível” e imagens termais. O acerto é grande, uma vez que os dados são cruzados com aqueles obtidos nos pastos por meio de “balanças de passagem”. Estas são colocadas junto aos bebedouros conseguindo, assim, pelo menos um peso de cada animal por dia. O lote é automaticamente apartado em três novos lotes: (1) aqueles que voltam às pastagens; (2) os que irão entrar no pré-condicionamento para serem confinados e (3) um lote separado para abate.  Cada novo lote será reconduzido para seu respectivo novo lugar.

A decisão para selecionar os animais a serem abatidos foi feita por um programa que leva em condição o ponto ótimo de abate, ou seja, tira os animais que já atingiram a terminação mínima desejada, mas cujo ganho de peso não compensa mais economicamente mantê-los no rebanho. O sistema é continuamente atualizado com dados de desempenho individual dos animais e com os preços correntes e futuros da arroba, inclusive levando em consideração o grau de probabilidade de cada animal atender critérios de programas de bonificação de qualidade de carcaça. Assim, elimina-se o risco de ter animais desclassificados no frigorífico, maximizando o recebimento de bônus.

Ao mesmo tempo, o Drone M, de manejo de pastagem, identifica que o Pasto 5 está perto da altura de saída e conduz os animais para o Pasto 6. Os pastos são marcados pelas suas coordenadas centrais e só possuem cercas virtuais, sendo possível fazer pequenos ajustes de tamanho do pasto em função das variações no crescimento da forragem para flexibilizar o manejo. As cercas virtuais funcionam porque os animais têm colares cujos estímulos fazem com que eles não saiam dos limites determinados pelo sistema de otimização de aproveitamento do pasto.

Esse sistema de otimização de pastejo é auxiliado por uma pequena esfera que roda os pastos ocupados pelos animais fazendo imagens das forragens e avaliando as partes delas que os animais estão ingerindo (baseando-se na altura que eles estejam pastejando). Essas amostras são analisadas por um sensor de infravermelho próximo (NIRS) e indicam o estado nutritivo do pasto. Ele também recolhe amostra das fezes em vários pontos. As fezes permitem checar a seletividade dos animais no consumo (também usando o NIRS), bem como analisar a ocorrência de problemas sanitários. Junto com as imagens, usadas para avaliar a estrutura física das forragens, todos esses dados são incluídos nos algoritmos do programa de otimização de manejo dos pastos.

Aquele mesmo Drone M identifica, com sensores hiperespectrais, que há um provável ataque de cigarrinhas se iniciando em determinada parte do pasto 7. Ele manda um sinal para o Drone PD, de controle de doenças e pragas, que imediatamente decola com a missão de aplicar precisamente o fungo que é inimigo biológico da praga. Essa missão só foi realizada pois as informações meteorológicas, incluindo a intensidade de radiação ultravioleta e a umidade relativa do ar, indicaram condições favoráveis para o sucesso dessa operação. Nos próximos dias, esse Drone PD irá monitorar esse local até que o risco do desenvolvimento das cigarrinhas passe ou alertar que é necessário tomar outra providência para complementar o controle.

Na hora do almoço, o sr. Gejota checa como anda o fornecimento de alimento no confinamento no seu aplicativo de celular. Felizmente, o misturador total de ração autônomo foi à fábrica de ração se auto carregar, pegou outros ingredientes nos silos, realizou a mistura e já fez o quinto fornecimento do dia para todos os lotes. O horário das refeições é flexível e realizado durante as 24 horas do dia. A frequência e quantidade fornecida variam em função da indicação de sensores de pH colocados no rúmen dos animais. Ele aumenta o tempo entre as refeições e reduz a quantidade quando o pH fica abaixo de determinado valor, aliviando o sistema de tamponamento ruminal e garantindo haver melhor eficiência e menor risco de doenças metabólicas.

O misturador pode fazer pequenas alterações na dieta em tempo real para corrigir desvios indesejados, graças a um sensor de infravermelho próximo (NIRS) instalado na boca da máquina que determina os valores nutricionais da dieta. O misturador também é equipado com câmera termal para identificar animais com febre no momento do fornecimento, o que gera um alerta para tomada de providências para tratamento individual do animal.

Logo após o almoço, o sr. Gejota acompanha no celular a atividade em outro curral anti-estresse, onde vacas estão sendo inseminadas em tempo fixo por um robô-inseminador. Estão sendo usadas DEPs genômicas, com ênfase para maciez da carne e sua composição em ácidos graxos. Os animais foram escolhidos por um sistema de inteligência artificial, baseado em seus genótipos e dados fenotípicos, por serem os mais aptos para produzirem carne macia e com gordura rica em ácidos graxos desejáveis à saúde. Antes da inseminação, tanto a vaca como o sêmen são checados por genotipagem feita em tempo real, evitando o risco de erro de paternidade.

Ainda outro Drone, com maior capacidade de voo, fez a avaliação diária da propriedade como um todo, enviando os dados para uma base central capaz de analisar as informações automaticamente para gerarem um relatório com recomendações de futuras ações a serem tomadas. Estas incluem, por exemplo, a indicação de áreas a serem adubadas (já mapeado para adubação variável) e árvores que podem ser cortadas nas áreas de reserva legal (seguindo plano de manejo sustentável aprovado pelos órgãos de controle).  É nisso que o sr. Gejota vai se deter o restante da tarde.

Ao final do dia, o sr. Gejota, olha para fora do seu apartamento com vista para o mar a mais de 2 mil quilômetros da fazenda, satisfeito com os índices de produtividade e lucratividade conforme informado por relatório dinâmico feito por inteligência artificial que recebeu em seu tablete. Já pensa em como aumentar o investimento na fazenda. Para comemorar, deixa as crianças com a Rosie, e leva a Sra. Jane jantar no melhor restaurante da cidade a bordo do seu carro voador.

É impossível saber quanto dessa brincadeira se tornará realidade, o fato é que a maioria desses arroubos de imaginação tem um pé firme no real em trabalhos sendo conduzidos aqui no Brasil e no resto do mundo, alguns já bem adiantados. O futuro promete e está logo ali na esquina!

[1] Apesar da série ter sido criada no início dos anos 1960 e o futuro representar o ano 2062, ele estava contaminado pelos feitos da corrida espacial entre EUA e URSS e representa bem a visão de futuro da época.


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