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Scot Consultoria

Mais um manual de sobrevivência para as festas de final de ano para pecuaristas e coligados


Quarta-feira, 20 de dezembro de 2017 - 17h00

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.


Foto: Scot Consultoria

 

Parecendo nem bem ter passado o cheiro e o eco dos últimos rojões que celebraram a chegada de 2017, outro ano já se avizinha. O surrado comentário de como esse ano voou é mais uma vez “trending topic”.

Vem aí mais uma temporada de festas de final de ano. Há doze meses escrevia o primeiro “Manual de sobrevivência para as festas de final de ano para pecuaristas e coligados” cuja conexão está no rodapé ¹, referindo-me ao ano passado como esquizofrênico e ficando sem adjetivos para 2017.

Para a pecuária, 2017 foi um ano ímpar, não só matematicamente, mas como um ano de dor e prejuízo. O lado bom é que ele tem data para acabar e, daqui alguns dias, teremos um ano novinho em folha para depositar nossas melhores esperanças.

Em função do imenso sucesso que o primeiro Manual fez há um ano, segue essa versão 2.0, com outros assuntos que podem, inevitavelmente, vir à tona nas reuniões familiares deste ano. O conteúdo do “Manual” do ano passado mantém-se atualizado e, assim, optou-se por cobrir novos assuntos potencialmente polêmicos.

A esperança é que as informações aqui fornecidas possam, junto com as do primeiro Manual, ajudar o bom debate com consumidores urbanos, fazendo-os ver o agro de forma menos estereotipada e injusta.

Na nossa reunião familiar imaginária, enquanto os aperitivos são degustados, as conversas rolam soltas, animadas pela legítima alegria de pessoas que celebram esse reencontro que a correria do dia-a-dia e a   distância tornam um evento tão raro e, portanto, especial. Os personagens são os mesmos do ano passado: A Tia Ofélia; o universitário de humanas Júnior; Cunha, o cunhado, e Clarinha, a sobrinha meiga com tendências veganas. Todos parecem ansiosos em interagir com o membro da família que trabalha com pecuária. Respire fundo e tente se divertir.

A Tia Ofélia continua falando em regime: A irmã da sogra está diferente. Mais elegante e parecendo de ótimo astral. Quando você considerava uma retirada estratégica pela direita, ela já começou a interpelá-lo. Para sua surpresa, são agradecimentos pelas dicas do ano passado, comentando que a nova nutricionista passou, enfim, um regime recomendando a carne vermelha, como você havia dito.

Seu alívio por essa abordagem amistosa ainda estava assentando quando veio a segunda parte: “...mas logo vou mudar para vegetais que imitam carne”. Tia Ofélia explica, então, que ela leu que a produção animal é muito ineficiente se comparada a dos vegetais e que seria muito positivo para a saúde do planeta substituir a carne por vegetais. É possível ver o brilho dos olhos quanto você concorda que a carne é muito mais ineficientemente produzida, uma vez que a planta colhe o sol diretamente para crescer e, o gado, é um consumidor secundário da energia solar que a planta armazenou como carboidratos, proteína e gordura. Depois de virar sua taça de espumante e fazer um refil para ambos, convide a Tia Ofélia para sentar, pois explicar a parte daqui para frente vai demandar algum tempo. O bom para o planeta é ter alimentos vegetais e animais produzidos com o máximo de complementariedade e aproveitando sinergias da produção integrada, quando o todo é maior que a soma das partes.

A produção de alimentos vegetais é muito mais intensiva em uso de máquinas, fertilizantes e defensivos e é feita em áreas mais nobres. A pecuária, por sua vez, sempre foi empurrada para áreas marginais, de menor valor. Essa é a realidade da pecuária brasileira, na qual 98% da carne é produzida em capim, que não exigem solos de alta fertilidade. Outra característica da produção de carne bovina brasileira é o uso modestíssimo de insumos de todos os tipos. Isso faz com que não haja alimento mais perto do que se acostumou a chamar de “orgânico”, sem seguir um protocolo de produção orgânica, do que a carne bovina brasileira.

Abrir mão dessa produção de proteína de alta qualidade a base de capim, além de não trazer vantagem, faz com que seja necessário produzir uma quantidade extra de produtos vegetais para substituir as farinhas de carne e ossos (e outros subprodutos) usados na alimentação de outros animais de produção (como aves e suínos) e de animais de estimação.

Você pode garantir para a Tia Ofélia que o pelo bonito do Fido, o inseparável poodle dela, tem muito a ver com o alto valor biológico da proteína da ração, garantido por esses subprodutos de origem animal.

Por fim, a carne tem ainda outras características que os vegetais não têm: é fonte de ácidos graxos essenciais, de ferro numa forma muito mais fácil de ser absorvida pelo nosso organismo e, até mesmo, características que temos dificuldade em explicar, como a questão de ajudar a manter o regime.

1 - Em síntese, não devemos abrir mão de nenhuma fonte de alimento, mas, sim tentar tirar o máximo proveito de todas elas. O sucesso da integração lavoura-pecuária-floresta no Brasil, onde o pasto ajuda a produzir mais grãos e a agricultura permite aumentar significativamente as arrobas produzidas por hectare é a melhor prova disso.

Esse ano o Júnior se forma em Geografia na Federal: O Júnior, agora em vias de entrar em seu último ano de Geografia na Federal, está mais maduro e, escolado pela discussão do ano anterior, desta vez a abordagem é menos incisiva. No seu último estágio fez um trabalho sobre o assoreamento do Rio Taquari, no Mato Grosso do Sul, e não poderia perder a oportunidade de saber o que você sabe sobre esse desastre ambiental. Ele mal consegue esconder certa satisfação em relacionar o problema do assoreamento à erosão ocorrida nas fazendas pecuárias cortadas pelo rio e terminar a frase com “...e você sabe que as pastagens são grandes responsáveis pela erosão dos solos!”.

Assim como no caso da Tia Ofélia, você vai precisar concordar com o Júnior que as pastagens podem, sim, serem grandes vilãs quando o assunto é erosão. Também que, inegavelmente, esse foi o caso do pobre Taquari. Mas você pode colaborar para a formação desse futuro geógrafo ao ensinar que isso só ocorre quando o pasto é mal manejado. Dados de trabalho conjunto da Embrapa Gado de Corte e Embrapa Pantanal, obtidos na própria bacia do Rio Taquari, mostram que, ao se manter boa cobertura vegetal é possível reduzir em 90% a erosão e, associando terraceamento e manejo adequado, a redução chega a 99% em relação a parcela controle (sem cobertura).

2 - Por esses dados, percebe-se que o grande vilão da erosão é o superpastejo e seu efeito em aumentar a velocidade de degradação das pastagens, cujo resultado mais visível é, exatamente, deixar áreas desprotegidas, nas quais a energia das gotas das chuvas destroem a estrutura do solo e permite que a enxurrada leve partículas de solo para os corpos d’água. Cuidando bem das pastagens, produzimos mais carne, evitamos o assoreamento dos rios e, o mais importante: a cobertura faz com que a água não escorra facilmente, penetre e recarregue os aquíferos. Uma água produzida em situação de mínimo risco de contaminação química (pelos motivos explicados para a Tia Ofélia no item anterior). 

O Cunha, como sempre, sendo cunhado: Como bom advogado que é, o Cunha continua por dentro de tudo que acontece e, vendo você, não podia perder a chance de falar sobre um dos grandes soluços do setor de carnes em 2017: a operação “Carne Fraca”.

Tentando ser engraçado ele até arriscou o trocadilho de dizer que “...o papelão no seu setor foi tão grande que até chegou na própria carne!!!”. Após um sorriso complacente e pensar, mais uma vez, que sua irmã se precipitou ao decidir casar com ele, o primeiro ponto a ser lembrado ao Cunha é que nenhum dos problemas relatados na operação ocorreu com a carne bovina, ainda que todas as matérias jornalísticas tenham sido sempre ilustradas com belíssimos cortes de carne bovina. Ainda assim, pelo sistema de controle ser o mesmo, a carne bovina não estar diretamente envolvida não é motivo para comemoração.

Deve-se frisar que os pecuaristas, nesse caso, são tão vítimas quanto os consumidores e, portanto, devem apoiar operações como essa. Elas inibem que pessoas mal intencionadas usem atalhos que comprometam a qualidade e a segurança dos consumidores. Um aspecto interessante a ser destacado é que a denúncia partiu de dentro do sistema, o que, em parte, pode ter ocorrido porque há hoje no Brasil uma maior crença que a lei alcança a todos. Isso não só ajuda a inibir o “malfeito”, mas encoraja mais gente a denunciá-lo. Tão importante quanto não dar o mal passo é não deixar que eles ocorram sob nossos olhos. A esperança é que nos próximos episódios haja mais prudência na divulgação, de maneira que pessoas inocentes não sejam prejudicadas, o que acabou acontecendo no caso da “Carne Fraca”.

Em contraste com o exagero de algumas autoridades e jornalistas, foi reconfortante ver uma grande parte das lideranças e instituições do setor pecuário respondendo de forma correta, ou seja, dando apoio ao “conteúdo” da operação e dirigindo as críticas a “forma”, bem como agindo proativamente na promoção de informações corretas sobre vários pontos que haviam ficado sob suspeita em função de ruídos na comunicação.

3 - A recuperação do setor, num ano ainda com tantos fatores negativos, mostra que, ao contrário do nome da operação, nossa carne, além de forte, é limpa, como provam os mais de US$ 6 bilhões que devem ser obtidos com a exportação.

Clarinha, a universitária flextariana: A Clarinha continua sensível, mas a conversa do ano passado valeu, pois ela manteve-se na maioria da população que consome carne, abandonando a ideia de ser vegana. A novidade deste ano é que ela entrou na universidade de psicologia e a influência das colegas acabou fazendo com que, apesar de carnívora, reduzisse o consumo de carne.

Ela entrou na onda de algumas colegas que se intitulam “flexitarianas”, ou seja, procuram comer preferencialmente vegetais, mas sem deixar de comer carne. Seriam “semivegetarianos”, o que faz lembrar imediatamente a letra daquela música em que a filha avisava sua mãe estar “ligeiramente grávida”!

O interessante desta tendência “flex” é mostrar como é difícil para as pessoas abandonarem a carne, especialmente a bovina. Há dados mostrando que haveria cerca de 3% de vegetarianos nos EUA, mas uma pesquisa mostrou que 90% dos americanos que se declaram vegetarianos tinham consumido algum produto cárneo nas últimas 48 horas.

No ambiente universitário, é totalmente compreensível que haja um contingente maior de gente em conflito com o consumo de carne, afinal são jovens adultos, cheios de boa intenção e em uma idade naturalmente questionadora do “status quo”.

O discurso “anti-carne” tem três principais eixos que podem ser assim resumidos: “Parando de comer carne você (1) melhora sua saúde, (2) a saúde do planeta e (3) ajuda no bem-estar dos animais!”. O papel da carne bovina numa dieta saudável está mais do que bem estabelecido, havendo farta literatura sobre isso. Problemas de saúde relacionados à carne estão ligados ao excesso de consumo, especialmente de carne processada (embutidos, defumados, etc.).

A pecuária como problema ambiental também se restringe ao contexto de más práticas de manejo (como no exemplo de erosão citado no item anterior).

Sobra, então, o bem estar animal. Essa é a bola da vez! Pesquisas de opinião o colocam como item determinante de alteração de hábito de consumo, isto é, relatos de maus tratos animais seriam o principal motivador de parar de consumir o produto de determinado fornecedor. Uma das vantagens do nosso sistema baseado em pastagens é, exatamente, o fato do animal passar toda sua vida em seu ambiente natural. Mesmo os animais terminados em confinamento, passam cerca de 90% de sua vida em pastagens. Portanto, agora é não perder chance de dar bem estar ao longo da vida do animal.

4 - Na conversa com a Clarinha, ficou claro que maioria das suas colegas colocam como ponto principal para parar de comer carne achar que há sofrimento animal. Felizmente, cada vez mais produtores percebem as vantagens de incorporar o manejo racional no aumento do desempenho dos animais e, também, na melhoria da eficiência do trabalho dos peões. Intensificar a adoção destas práticas e não perder chance de trombeteá-las são duas boas resoluções de ano-novo.

Desejando excelentes festas para todos os leitores, agradeço todas as manifestações elogiosas recebidas para esse canal de comunicação em 2017. Além da natural satisfação pessoal, elas incentivam que se tente fazer cada vez melhor. Espero, em 2018, continuar merecendo sua atenção, o que me faz lembrar o famoso e belo poema de Drummond, chamado “Receita de Ano Novo”, no qual ele sabiamente diz que, mais do que esperar por um bom ano novo, devemos ativamente fazer por merecê-lo. Que não falte coragem para ninguém em fazer o impossível e ter um 2018 ímpar, só que, desta vez, no bom sentido!

 

[1] https://www.scotconsultoria.com.br/noticias/cartas/44625/carta-conjuntura---manual-de-sobrevivencia-para-as-festas-de-final-de-ano-para-pecuaristas-e-coligados.htm


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