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Scot Consultoria

Será que o bovino que come menos é o que dá mais lucro?


Terça-feira, 2 de janeiro de 2018 - 16h00

Médico Veterinário pela Universidade Federal de Goiás, especialista em Pecuária de Corte pelo Rehagro, sócio-diretor da Qualitas Melhoramento Genético, com 21 anos de atuação nas áreas de gestão, produção e melhoramento genético. O Programa Qualitas de Melhoramento Genético conta com mais de 40 fazendas, nos estados de GO, TO, RO, SP, PR, MG e MT e também na Bolívia, totalizando um rebanho de mais de 250.000 cabeças.


Foto: Touros Nelore Qualitas em avaliao de eficincia alimentar no CIGNA UNESP Botucatu-SP

 

Esta história começa em 2001, quando estivemos na África do Sul, sob a tutela do Professor Daniel Bosman, nosso conselheiro e consultor no Qualitas, em busca de vacas da raça Bonsmara para coleta de embriões, a pedido da Fazenda Mariópolis de Itapira-SP.

Naquela ocasião, conhecemos o sistema de seleção que o professor Daniel ajudou a implementar enquanto trabalhou no ARC (Animal Research Center), centro de pesquisa responsável por implementar tecnologias para o desenvolvimento da pecuária sul africana. Quando digo pecuária, me refiro a todas as raças bovinas da África do Sul. Consideramos este sistema um dos mais bem-sucedidos do mundo e aplicamos o que aprendemos com o professor Daniel no Qualitas.

Afirmamos isso pois, já em 2001, o rebanho sul africano, principalmente, da raça Bonsmara, estava avançado em termos de desempenho e eficiência. Desde o início da década de 1980, além de selecionar os bovinos para ganho de peso, eles já se preocupavam com a eficiência alimentar. Como o país não tem uma aptidão agropastoril favorável por questões climáticas, o custo alimentar dos animais é elevado, tendo grande impacto na rentabilidade da atividade. Por isso, naquela época iniciou-se a avaliação de eficiência alimentar, primeiramente em centros de pesquisa vinculados ao ARC e, em seguida, em fazendas particulares.

Quando estive na África do Sul, eles já tinham avaliações genéticas para lucro no confinamento, principal sistema de terminação dos bovinos, onde os bezerros são desmamados e vão diretamente para cocho.

Apesar de ficar deslumbrado ao conhecer um desses centros de avaliação, já totalmente automatizado, incluindo o fornecimento de ração para os animais, aquilo me pareceu distante para a realidade brasileira por dois fatores: o primeiro, por achar inviável economicamente montar a estrutura necessária para a avaliação no Brasil e segundo, por achar que não seria tão importante para o Brasil, com um sistema de terminação majoritariamente a pasto.

Bom, este assunto ficou incubado em nossa cabeça até 2007, quando trabalhamos em um projeto de engorda em confinamento de mais de 30 mil cabeças. A enorme variação em eficiência alimentar dos lotes engordados acendeu um alerta para o impacto sobre a lucratividade da atividade.

Além isso, pesquisando sobre o assunto, estudos realizados pelo Prof. Dr. Robert Herd, da Austrália, afirmavam que animais que apresentavam melhor eficiência alimentar no confinamento também eram mais eficientes no pasto.

Então, a partir de 2010 iniciamos a mensuração do consumo individual de alimentos dos 120 melhores touros identificados no Qualitas de cada safra de nascimento. Após 8 anos, 960 touros foram avaliados, inicialmente no Confinamento Experimental da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás, sob a coordenação do Prof. Dr. Juliano José de Resende Fernandes e, a partir de 2016 o sistema de medição de consumo e pesagens dos animais foi automatizado, com a utilização dos equipamentos desenvolvidos pela Intergado, quando fizemos uma nova parceria com a UNESP de Botucatu, no CIGNA (Centro de Inovação em Genética e Nutrição Animal) a cargo do Prof. Dr. Josineudson Augusto II.

Os dados coletados neste processo servem para avaliar a eficiência alimentar dos animais para duas características: conversão alimentar (CA) e consumo alimentar residual (CAR). A CA significa quantos quilogramas de matéria seca (MS) de alimentos foram necessários para produzir um quilograma de ganho de peso. Quanto menor o valor da CA melhor o animal para esta característica. Portanto, quanto maior o ganho de peso e menor for o consumo de alimentos, melhor a CA. Exemplo: um animal de CA de 5kg, comeu 5kg de MS para ganhar 1kg de peso vivo.

Já o CAR significa quanto o animal comeu em relação ao que estava previsto para ele comer, de acordo com o seu ganho de peso e o seu peso. Este valor é sempre relativo ao consumo médio diário de alimentos em MS durante o período de avaliação. Podemos ter animais negativos ou positivos para CAR. Exemplo: animal A com consumo de 10kg de MS por dia teve um CAR de -1,5kg. Isso significa que ele foi eficiente pois comeu 1,5kg a menos do que estava previsto para ele comer, pois o seu consumo previsto era de 11,5kg de MS, mas ele comeu 10kg de MS por dia. Já um animal ineficiente que comeu 11kg de MS por dia e que apresentou um CAR positivo, por exemplo de + 1kg, tinha uma previsão de consumo de 10kg de MS por dia, mas comeu 11kg.

Portanto, quando falamos em eficiência alimentar, buscamos três características nos animais, alto ganho de peso, baixo consumo de alimentos e CAR negativo. E ainda precisamos levar em consideração as correlações destas características com outras de importância econômica e produtivas.

Geralmente, animais de alto ganho de peso tendem a apresentar peso ao nascimento elevado e também tamanho adulto elevado, por isso, devemos nos atentar para a disponibilidade de alimentos onde estes animais serão criados.

Animais com CAR negativo podem apresentar menor acúmulo de gordura subcutânea e, também, pior qualidade de sêmen. O que não invalida a seleção para o CAR, só é necessário avaliar estas duas características também para selecionar os animais, pois existem exceções às regras e são estes os animais que devemos multiplicar.

Na tabela 1, apresentamos dois animais que nasceram com um dia de diferença e foram produzidos pela mesma fazenda, nas mesmas condições, desde o nascimento até o sobreano, quando foram enviados para o teste de eficiência alimentar do Qualitas, no CIGNA da UNESP de Botucatu. O touro A foi o que apresentou o segundo maior ganho de peso no confinamento e o touro B foi o que apresentou o melhor CAR.

Quando olhamos os dados, o touro A, apresentou maior desempenho desde a desmama até o final do confinamento, portanto, ganhou mais peso, mas também comeu mais alimentos no confinamento, 26% a mais em MS que o touro B. Os dois apresentaram CAR negativo, ou seja, comeram menos do que o previsto. Sendo o touro B mais eficiente que o touro A em 22%.

Do lado financeiro, isso significou um custo por arroba produzida no confinamento mais barato para o touro A (15% menor que o touro B), apesar do desembolso durante o período confinado ter sido maior. Portanto, quando avaliamos a operação confinamento, o touro A apresentou uma margem 46% maior que o touro B. Se um confinador tivesse adquirido os dois animais pelo mesmo valor, digamos R$2 mil, e os dois tivessem o mesmo peso, o touro A teria deixado R$363,17 de lucro e o touro B, R$197,41. Portanto, por esta ótica, quem ganhou mais peso foi o que gerou mais lucro, e não o que comeu menos!

Mas, e se analisássemos os dois animais desde o nascimento em uma fazenda que faz ciclo completo e termina os animais em confinamento? Será que o resultado seria diferente?

Para fazer esta simulação precisamos fazer a seguinte correção nos custos de produção, em função da diferença de consumo que os animais apresentaram no teste de eficiência: 12,73kg de MS para touro A e 9,40kg de MS para o touro B, ou seja, o 3,33kg de MS por dia ou 26% de consumo a menos para o touro B. Supondo que isso se repetiria também desde o nascimento até a entrada no confinamento, poderíamos dizer que o touro A custaria em relação à alimentação, 26% a mais que touro B.

Vamos supor que o custo total de produção do nascimento até a entrada no confinamento do touro B, fosse de R$2 mil e que 60% deste custo (R$1,2 mil) fosse com alimentação (pasto + suplementações), como o touro A comeria 26% mais alimento que o touro B, ele apresentaria um custo total de R$2.704,08, contra R$2.289,50 do touro B.

Na tabela 2 apresentamos esta simulação, pois não temos certeza que isso realmente ocorreu, uma vez que não foi medido. Verificamos que, nesta situação, a diferença de lucro cairia de R$446,14 para R$134,14. A vantagem diminuiria de 31% para 12%!

E se fosse incluída mais uma variável: a diferença da taxa de lotação em função da diferença de consumo de alimentos dos dois animais, que é de 26%. Teríamos outro resultado, que seria na verdade o que realmente importa em uma fazenda de ciclo completo, que é o lucro por unidade de área, ou hectare.

Na tabela 3, se considerarmos que poderíamos ter somente um touro A por hectare e 1,26 touro B na mesma área, o resultado se inverte, seria agora mais vantajoso um animal que ganha menos peso, mas que consome menos alimentos!

Devemos considerar também as fêmeas que compõem o rebanho, que seguindo a mesma lógica poderíamos ter mais fêmeas com o perfil do touro B, no lugar das fêmeas com o perfil do Touro A. Isso aumentaria a diferença de lucro a favor do touro B, que consumiu menos alimentos.

É, esse exemplo, apesar de ser uma simulação, nos faz refletir sobre complexidade da atividade pecuária. O que torna também extremamente complexo o trabalho do selecionador na definição dos objetivos de seleção para o seu rebanho. É um dever estudar minuciosamente as características de impacto econômico considerando todas as suas interações, correlações e, principalmente, as suas influências sobre o lucro de todo o processo e não somente de partes dele.

Garantir a sustentabilidade da atividade no longo prazo está diretamente ligado com qual melhoramento genético definimos para os animais. E fica evidente que nenhuma característica deve ser selecionada isoladamente, uma vez que suas correlações com outras características e, principalmente, com o lucro, podem não ser diretas e positivas.


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