Graduada em Gestão Ambiental pela ESALQ/USP, mestre e doutoranda em desenvolvimento econômico pela Unicamp. Pecuarista em Mato Grosso. Pesquisadora, consultora e palestrante em temas relacionados à economia.
Foto: tweakyourbiz.com
Caro produtor,
Em agosto a exportação de carne bovina in natura foi recorde. E em setembro rompeu este recorde. No último mês, foram embarcadas 150,7 mil toneladas, volume quase que 35% superior ao de setembro de 2017. No mesmo comparativo, o destaque foi para a China, que aumentou em 109% as compras.
Em setembro, a China comprou 24% deste volume e Hong Kong 19%, totalizando juntos 43%. Cabe ressaltar que Hong Kong funciona como um entreposto comercial. A carne brasileira chega lá e de lá vai para a China. Aos poucos, estamos habilitando frigoríficos para exportar diretamente para os chineses, o que explica o crescimento das compras da China.
Mas o que é a China? Tive o privilégio de ir para a China no final de 2015, justamente para pesquisar sobre a demanda chinesa. Produtor, devemos começar com o fato que a China é um gigante. De acordo com National Bureau of Statistics of China (sigla NBS - órgão similar ao IBGE na China), a população chinesa é de aproximadamente 1,4 bilhões de pessoas. Estamos falando de 20% da população mundial.
Ainda que o consumo destas pessoas seja muito pequeno, 4,07 kg de carne per capita por ano, de acordo com a Organisation for Economic Co-operation and Development (OCDE). Qualquer aumento de “um bife a mais por ano” causa uma demanda mundial expressiva. Às vezes acho que esta conta de “um bife a mais por ano” já caiu no senso comum, às vezes acho que estamos colhendo os frutos dela agora. A questão é que não podemos generalizar.
De acordo com o NBS, ainda existe na China 43 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. O fato é que de 2010 a 2017, a renda per capita bruta praticamente dobrou, de acordo com o Banco Mundial. Ainda que a população extremamente pobre tenha diminuído e esta seja uma das metas do governo até 2020, a classe média tem aumentado rapidamente. E esta classe média chinesa ainda consome muito do que não “queremos mais comer”. Quando estive lá, ouvi de uma chinesa que nós brasileiros não comíamos os órgãos porque não sabíamos o que era fome. Carne por aqui era abundante. O que não ocorria por lá.
Isso é verdade. Um dos itens mais consumidos pelos chineses é o pé de frango. Quando meu pai produzia frango de corte, costumávamos receber prêmios se os pés não tivessem calos. Tanto que logo que cheguei, encontrei o pé de frango da imagem abaixo na loja de conveniência de um posto de gasolina, embalado a vácuo e pronto para ser consumido. Do mesmo modo, pé de frango está em praticamente todos os cardápios dos restaurantes chineses.
Foto 1
O fato, produtor, é que a China demanda muita carne barata. Mas não é apenas isso. Conforme a foto 2 ilustra, também existe mercado para aquele bife “vermelhinho” no meio. Quando quem estava me recebendo queria me causar uma boa impressão, uma boa recepção, o bife (e não o pé de frango) fazia parte do cardápio.
Foto 2
Outra coisa que observei por lá foram inúmeros restaurantes com o chamativo de carne australiana. A brasileira ainda tem menos apelo, mas na Nanjing Road, principal rua de Shangai encontrei uma placa escrita em inglês que dizia: Churrasco brasileiro, encontre aqui. E a figura dos nossos espetos de rodízio - aquela foto que me arrependo até hoje de não ter tirado.
Assim, este aumento da demanda vem do aumento geral do consumo per capita. Futuramente, também poderemos colher os frutos do término da lei do filho único, implantada em meados da década de 70. Cada chinês só podia ter um filho, mas, por diversos motivos, incluindo o envelhecimento da população isto terminou em 2015. Por estes e por outros motivos, costumo dizer nas minhas palestras que todo economista e todo pecuarista deve visitar a China para entender o potencial do seu negócio.
Porém, nem tudo são flores! Enquanto nós brasileiro “engatinhamos” no comércio, o chinês faz negócio há milênios. Geralmente, para habilitar um frigorífico brasileiro para exportar diretamente para a China, há uma “troca”, a meu ver nem sempre justa, de plantas chinesas de pescados serem habilitadas para exportarem para o Brasil. Cabe mencionar também que, da mesma forma que eles aumentaram a demanda por carne brasileira, dobraram a compra de carne argentina. Também são os maiores compradores de carne uruguaia. Ou seja, é uma estratégia dos chineses diversificar de quem eles compram.
Como pecuaristas, devemos sim ficar felizes com este aumento da demanda. Tem ajudado e muito a dar sustentação aos preços da arroba. Porém, devemos ter em mente que se colocarmos todos os nossos ovos na cesta da China, estaremos refém desta relação comercial.
Encerro este texto respondendo à pergunta do título: É o Brasil quem vende carne para a China ou a China é quem compra a carne brasileira? A resposta é uma frase que ouvi do professor do Instituto de Economia da Unicamp, Antônio Márcio Buainain: é a China quem compra do Brasil! Precisamos começar a vender. Neste contexto, vender é preciso. Diversificar para quem vendemos também é!
Se você quiser saber um pouco mais sobre a China e a sua relação comercial por produtos de origem animal do Brasil, nesta conexão eletrônica tem uma entrevista onde conto mais sobre a minha experiência neste país asiático.
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