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Terras indígenas, terras brasileiras: panorama social


Segunda-feira, 8 de abril de 2019 - 14h45

Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.


Foto: UFSC


Voltando a debater a questão da utilização das terras indígenas para fins agropecuários, com a repercussão da agricultura da etnia indígena dos Parecis no estado do Mato Grosso em mais uma análise, para concluir com qualquer opinião sobre a ‘mudança de paradigmas’ territoriais, é necessário entender a origem e evolução deste assunto em números e dados socioeconômicos, para talvez, prever os próximos acontecimentos, com base em dados e não ‘achismos’.

Evitando conclusões precipitadas a respeito da análise, é importante considerar que se trata de uma abordagem analítica, jurídica e desenvolvimentista, sem cunho ideológico ou qualquer viés preconceituoso, já que, a toda comunidade, independente de etnia ou religião (art. 3o., IV, Constituição Federal), como brasileiros, em território nacional, são garantidos os mesmos direitos sociais, econômicos e culturais, orientados pelos objetivos da República Federativa do Brasil, dentre eles a garantia de desenvolvimento nacional, buscando erradicação da pobreza e redução de desigualdades.

Importante também esclarecer que este não é o primeiro caso, mas apenas o mais famoso, dentre diversas localidades onde, de maneira organizada ou não, lícita ou não, a utilização de terras indígenas traz discussões paradoxais.

Faço aqui um breve comentário sobre o caso da Fazenda Esperança, em Aquidauana, Mato Grosso do Sul, onde indígenas tomaram posse em 2013 de maneira precária, sem ordem judicial ou administrativa – inclusive determinadas várias reintegrações de posse – contando atualmente com cerca de 2000 (duas mil) cabeças de gado gerenciadas por cerca de 300 moradores e quase 50 famílias (informações do processo), onde já se fazem presentes políticas públicas municipais (ônibus escolar) e estaduais (vacinas conta Febre Aftosa).

Considerações sobre os dados sociais e territoriais

Segundo informações da Fundação Nacional do Índio (Funai)1, o país todo concentra um número de 817.963 indígenas (IBGE, 2010), divididos entre 61,46% morando em áreas rurais e 38,53% em áreas urbanas, representando ainda, do total da população brasileira à época (190.755.799) o percentual de 0,42%, de acordo com a figura 1.

Destes números, à época também foram estimadas as maiores regiões de concentração de populações indígenas, sendo elas, respectivamente, norte, nordeste e centro-oeste, conforme se vê na figura 2. Números do Censo Demográfico de 2010, quase uma década passada, sem mais atualizações para que se possa aprimorar esta discussão.

Figura 1.

Dados demográficos da população indígena no Brasil.

Fonte: Funai e IBGE, 2010.

Figura 2.

Distribuição da população indígena no Brasil, por regiões.

Fonte: Funai e IBGE, 2010.

Portanto, seriam aproximadamente 818.000 mil índios ocupando quase 117.058.916 hectares em terras demarcadas2 e ainda quase 86.300 hectares de reserva indígenas, o que corresponderia, teoricamente, de maneira estimativa, a 143 hectares para cada indígena brasileiro. Enfim, de acordo com todos os dados acima citados, seriam aproximadamente 0,42% da população ocupando 14% do território nacional.

Em 2017, aproveitando dos dados do IBGE, MMA, ICMBio, Funai, INCRA e demais órgãos, a Embrapa (GITE, 2017)3 estimou que, dos 851.576.704,9 hectares de território brasileiro, 14% (119.220.738,68) já estão em posse de comunidades indígenas, o que aumenta um pouco mais a proporção por hectare, sem considerar as atualizações do Censo Demográfico 2010.

Figura 3.

Distribuição da população indígena no Brasil, por regiões.

Fonte: Embrapa – GITE, 2017.

Apenas para que se tenha uma comparação com os vizinhos norte-americanos, nos Estados Unidos, são 5,2 milhões de ‘povos nativos’ (Censo Bureau, 2010)4, ocupando 19,6 milhões de hectares, proporção de 3,76 hectares por indígena, onde 22% destes indígenas americanos, estariam vivendo em terras indígenas. E neste caso, em proporção territorial do país, seriam, do total de 983.400.000 hectares, um percentual de 1,99% do território americano ocupado por povos nativos, estes, representantes de 1,58% da população americana (327,2 milhões, 2018).

Voltando ao Brasil, o censo demográfico do IBGE em 2010, mostrou o aumento de índios no país, de 294 mil para 734 mil em nove anos, preenchendo estes 14% de território (Embrapa, 2017), constantemente demandando por mais demarcações de terras, onde agora se discute a transição de seus costumes ‘tradicionais’ para algo mais ‘rentável’ e que subsidie a comunidade.

Uma observação necessária. Este aumento populacional possui um fator jurídico e não apenas demográfico, a Convenção 169 da OIT, a qual traz os critérios de reconhecimento da população indígena, determinando critérios cumulativos (art. 1o., 1 e 2) sendo a auto declaração e a distinção dos demais elementos da sociedade, costumes, instituições e regras próprias de vida.

O resultado que se viu: violência, prejuízos socioeconômicos, pedágios em rodovias, proibição de financiamentos para áreas invadidas, alteração substancial da pauta imobiliária local em áreas invadidas, como também outros problemas não citados.

E assim, nos últimos anos pessoas se reconheceram como parte da população indígena (principalmente dos que vivem em áreas urbanas), cresceu a população indígena, cresceu a demanda por terras de seus povos, cresceu a demanda por políticas públicas assistenciais, cresceu a necessidade de estrutura básica para subsistência das comunidades e chegamos ao atual status desta discussão que emergiu em terras Parecis.

Por muitos anos, muitas das comunidades, não foram suficientemente atendidas pelas políticas públicas assistencialistas, bastando a visitação em várias destas 600 unidades espalhadas pelo país para averiguar a lamentável realidade

Do ponto de vista antropológico é difícil acreditar que o ser humano (de qualquer etnia) não queira evoluir, sair da miséria, querer o melhor pra comunidade, ficou nítido que demarcar terras e passá-las pra União não significa atendimento garantido da Funai, muito pelo contrário, o estado de miserabilidade e falta de assistência ficou evidente.

A principal crítica não é a demarcação, o que já foi garantido a nível constitucional, nem mesmo o direito ao reconhecimento étnico, mas a forma de acesso destas terras, atualmente desequilibrado entre os cidadãos brasileiros, índios ou não, afinal, a maioria destes cidadãos gostaria de uma porção de terras para cultivo, o que inclui os ‘sem-terra’, os ‘sem-teto’, desempregados urbanos e rurais, etc.


1 Fundação Nacional do Índio – FUNAI. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao?limitstart=0# . Página 02 de 08. Acesso em 18.03.2019.

2 Fundação Nacional do Índio – FUNAI. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas . Página 02 de 08. Acesso em 18.03.2019.

3 Grupo de Inteligência Territorial Estratégica - Embrapa. Disponível em: https://www.embrapa.br/gite/projetos/atribuicao/index.html. Acesso em 18.03.2019.

4 United States Census Bureau, U.S. Department of Commerce Economics and Statistics Administration. Disponível em: https://www.census.gov/prod/cen2010/briefs/c2010br-02.pdf. Acesso em 18.03.2019.


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