Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
Foto: Scot Consultoria
Dado o cenário de dólar forte, que estimula a exportação, a maior demanda externa pela guerra comercial EUA-China e ao provável pior desempenho da safrinha, causado pelo atraso do plantio com o atraso das chuvas, espera-se que em 2020 o preço do milho seja um fator de forte aumento de custo de produção.
Especialmente para quem confina ou usa estratégias de suplementação pesada, como o confinamento em pasto, o milho grão é o carro chefe no que tange fornecer energia para o ganho de peso.
O objetivo deste texto é oferecer uma gama de alternativas que permitem reduzir a necessidade desse cereal, seja pelo uso de alimentos similares, pelo uso de recursos alimentares não convencionais, estratégias de colheita de silagem de cereais, maior ênfase no ganho de peso baseado em pastagens e, até, alteração na forma de comercializar os animais. Abaixo, essas várias as opções são elencadas.
1) Alimentos energéticos alternativos: Entre os ingredientes convencionais que podemos usar temos:
1.1) Sorgo: O sorgo tem cerca de 90% do valor energético do milho e, portanto, se o seu valor estiver mais do que 10% abaixo do milho, ele é uma boa alternativa. Ele pode substituir até 100% do milho usado na dieta, mas usá-los juntamente é nutricionalmente interessante, pois eles têm taxas de degradação diferentes (a do milho é maior que a do sorgo), ainda que esse efeito não deva ser muito grande. Um detalhe é que o sorgo deve ser obrigatoriamente moído.
1.2) DDG (grãos de destilaria): O DDG é um ingrediente que apenas recentemente, com a inauguração de plantas produtoras de etanol a partir do milho está disponível. Seu uso junto com o milho é extremamente interessante, pois há sinergia nessa mistura que faz com que o desempenho juntos seja melhor do que o obtido com os produtos separadamente. Caso esteja próximo ao local de produção, e seja possível comprar o WDG (úmido) melhor ainda. O DDG deve ser ainda melhor para compor suplementos em pastagem, pois sua composição é mais interessante do ponto de vista de ter menos carboidratos prontamente fermentescíveis, como o amido. Para maiores informações, inclusive sobre o grau de inclusão na dieta, há o texto do início do ano passado na conexão eletrônica.
1.3) Polpa cítrica (PC): À semelhança do DDG, a PC resulta em melhor desempenho quando usada em combinação com o milho em dietas de confinamento e estressa menos o rúmen quando usada em suplementos em pastagens, pois o carboidrato que é fermentado é a pectina. Ela costuma ser vendida peletizada e é mais usada para quem está perto de uma indústria de suco de laranja. Para maiores informações, há o texto de outubro nesta conexão eletrônica.
1.4) Casca de soja: Outra opção de energético rico em pectina e com a vantagem de ser interessante para deixar a dieta de confinamento mais segura contra acidose e o suplemento de pastagem menos deletério à degradação da fibra. Uma das desvantagens é sua baixa densidade que encarece o frete por tonelada e ocupa bastante espaço de armazenamento. Ela pode ser incluída em altas porcentagens, mas recomenda-se não passar muito de 30-40%, para evitar uma taxa de passagem muito rápida. Mais informações neste link.
1.5) Caroço de algodão: Esse ingrediente é um campeão em entrar em dietas de custo mínimo, mesmo quando longe do local de oferta, pois combina alto teor de proteína (23%) e alta energia, esta última devido a ter cerca de 20% de gordura em sua composição. O fator que restringe sua inclusão muito acima dos 15% da MS da dieta é, exatamente, o teor de gordura da dieta, cuja recomendação usual seria não ultrapassar os 6% de gordura (como extrato etéreo) na MS da dieta. Deve-se ter cuidado na sua armazenagem, pois pode ocorrer autoignição, mas se guardada ensacada, sem contato direto com o chão e em local seco e ventilado, não deve haver problema.
1.6) Soja, grão: Ao contrário do anterior, apesar de combinar as mesmas características, seus preços históricos raramente a fazem competitiva para entrar em soluções de dieta de custo mínimo. Os motivos de fazer parte dessa lista são dois: (i) se o preço do milho realmente ficar muito alto, mesmo que o preço da soja esteja acima da média histórica, ela pode ser competitiva (e quem deve decidir isso são os programas de custo mínimo) e (ii) algum pecuarista que esteja muito próximo de uma região produtora pode conseguir preços abaixo da média. Um alerta importante é que, ao ser misturada na dieta total com ureia, as ureases naturalmente presentes na soja vão agir nas moléculas da ureia, liberando amônia. Assim, além da proteína (no caso o nitrogênio da amônia) estar indo (literalmente) pelos ares, o gás amônia faz os animais não consumirem a dieta. Uma alternativa para isso é misturar esses ingredientes apenas no momento de fornecer aos animais, evitando que haja tempo para ação significativa da urease.
2) Resíduos: O uso de recursos alimentares sem valor comercial, que é a definição de resíduos, é uma das vantagens do ruminante. Esses resíduos podem ser das mais diversas naturezas: resíduos de pré-limpeza de produtos agrícolas, resíduos do processo de industrialização de alimentos humanos e qualquer produto residual ou material de descarte que tenha algum valor nutritivo, como, por exemplo, caixas de papelão inservíveis! Mas não é a troco de nada que eles não têm valor de mercado e, em geral, o principal motivo de não ter é que, entre outras limitações, sua composição pode ser bem variável. Automaticamente, isso implica em obrigatoriamente fazer uma análise química para estimar o valor nutritivo desse produto, tendo consciência que ela vale apenas para aquela carga e que novas cargas deverão ser analisadas também. Até antes de mandar fazer a análise é bom entender bem do que se trata esse resíduo e responder uma série de perguntas: Há histórico de uso? Com qual inclusão? Que resultados? Há relatos de problemas? Mesmo com essas informações, mas, especialmente na ausência delas, recomenda-se ter a supervisão de um técnico que, com todas as informações (inclusive a análise do valor nutritivo) poderá apontar alguma limitação do uso e/ou estabelecer uma estratégia mais segura da inclusão do resíduo.
3) Silagens de cereais, mas mais energéticas: As silagens de cereais são frequentemente usadas como fontes de volumoso e há algumas estratégias que podem fazer com que elas aumentem seu valor energético e, portanto, demandando menos milho (e demais alimentos energéticos) para ter o mesmo valor final de energia na dieta. Uma dessas estratégias é colher mais cedo, um pouco antes do ponto recomendado que é o do grão estando entre pastoso e farináceo-duro. Pode-se colher mais um tanto pastoso, desde que a umidade da massa seja de, no mínimo 30%. Produz-se menor quantidade de silagem, mas com maior teor de energia. Alternativamente, pode-se fazer a colheita no ponto recomendado, mas aumentar a altura do corte de colheita, fazendo, assim com que a espiga de milho represente uma maior proporção da massa ensilada e, consequentemente, a silagem tenha maior concentração de energia. Opções de selecionar mais especificamente partes da planta mais ricas, que também economizariam na inclusão de energéticos na dieta. Entre elas estão as opções de fazer Snaplage e Earlage. A Snaplage seria a espiga (grãos e sabugo) com a palha (brácteas), ou seja, o também chamado MPS de milho + palha + sabugo ou rolão de milho. O Earlage seria apenas o milho + sabugo. O uso de snaplage (MPS) ou earlage, todavia, provavelmente necessitarão de complementação, com uma fonte de fibra fisicamente efetiva para atender esta restrição na dieta (especialmente o earlage, que não tem a palha), mas reduzirão a necessidade de milho.
4) Pastagens de maior desempenho: Outra maneira de precisar menos milho seria chegar com os animais mais pesados na seca, ou para tentar fazer um confinamento mais curto, ou usar níveis mais modestos de suplementação. Basicamente, para isso, temos que abrir mão de ganho por área e reduzir a lotação. Com menor lotação, o pastejo é mais leniente, o que permite ao animal maior seleção e ingestão da forragem, o que melhora o desempenho individual. Nesse caso, nas águas pode-se usar apenas suplementação mineral e na seca, proteinados de baixo consumo (1 a 2 g/kg de PV). Ainda nesse cenário, pode-se somar a menor lotação a uma adubação, cujo aumento de massa permite uma seleção melhor ainda e, normalmente, maior desempenho.
5) Comercialização de animais: A recomendação padrão para envio dos animais ao abate é fazê-lo depois que tiverem um mínimo de acabamento, mas o abate de animais mais pesados pode se justificar pela necessidade de diluição do ágio pago na reposição ou para obter bonificações ao ter animais bem terminados. Em condições de disparada do preço do milho, flexibilizar a decisão de abate, ficando mais no limite da mínima terminação ou das mínimas bonificações, pode ser uma estratégia de redução de necessidade de milho e demais ingredientes.
6) Imunocastração: Como um dos limitantes para o abate é a terminação mínima, a imunocastração pode ser uma ferramenta para atender esse objetivo, ao facilitar a deposição de gordura. Vale lembrar que ela não faz milagre e, além de seguir corretamente o protocolo de uso, devem-se dar condições de alimentação adequadas para a terminação do animal que, daí, é mais rápida.
Interessante observar que as sugestões acima podem ser combinadas, inclusive os ingredientes. No caso destes, costuma ser vantagem mesmo ter dietas com ingredientes diversificados que acabam combinando características complementares e diluindo mutuamente seus defeitos.
Por fim, é importante notar que para realmente aproveitar as dicas ou estratégias aqui sugeridas, é necessário começar a se preocupar desde já, sendo que algumas podem perder a validade por acabar o estoque de algum ingrediente e outras, como do uso de pastagens e das silagens, dependem de ações bem antes do uso efetivo pelos animais.
Num cenário de novo patamar de preço de arroba, mitigar o efeito da alta do milho pode ser motivo para um feliz 2020, que é o que desejo para todos!
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