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Scot Consultoria

Pátria amada e regularizada, Brasil


Terça-feira, 17 de dezembro de 2019 - 05h45

Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.


Foto: Scot Consultoria


Introdução

O ano de 2019 trouxe para muitos produtores oportunidades de regularizar suas posses e propriedades através de uma grande quantidade de medidas provisórias publicadas pelo Governo em questões ambientais, agrárias e fundiárias, como por exemplo a medida provisória 884 comentada no artigo de outubro, referente ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), etapa posterior ao Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Encerramento de ciclos

Pois bem. É tempo de encerrar alguns ciclos, desta vez, o ciclo da regularização fundiária, considerado pelos juristas de direito agrário como “primeiro ciclo do agrarismo”, quando há enfrentamento de questões fundiárias trazidas do Estatuto da Terra de 1964 que nos remete ao surgimento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária – IBRA (atual Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA), para que, possamos finalmente fazer melhor proveito do segundo ciclo, onde prevalecem as dinâmicas das cadeias produtivas e complexos agroindustriais, o agronegócio.

A mais nova medida provisória

Seguindo a notícia da novidade, a mais nova medida provisória, número 910 de 10 de dezembro 2019 fez alterações no sistema de regularização fundiária, com expectativa de atingir em três anos, cerca de 600 mil títulos de propriedades rurais para ocupantes de terras públicas da União e assentados da reforma agrária.

Confrontantes

Um destaque para uma outra alteração feita nesta medida provisória e que vai de encontro ao texto sobre “a quase desburocratização do georreferenciamento”, é que foi novamente alterada a lei de registros públicos (Lei Federal 6.015/1973), desta vez dispensando assinatura de confrontantes não apenas em casos de “desmembramento, parcelamento ou remembramento” (art. 176, §13º, Lei de Registros Públicos), agora também incluindo casos de inserção ou alteração de medida perimetral que resulte ou não, alteração de área (art. 213, II, Lei de Registro Públicos).

A dispensa ocorrerá, obviamente, com emissão de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), indicadas as coordenadas georreferenciadas pelo Sistema Geodésico Brasileiro com precisão posicional fixada pelo Incra, bastando declaração do interessado.

Necessidade de virar lei

É sempre importante ter em vista que, por se tratar de medidas provisórias, como já foi destacado em artigo anterior que discutiu a MP 884, necessita ser convertida em lei federal pelo Congresso Nacional dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por igual período.

Posse irregular - sem título de propriedade

O cenário é de aproximadamente 1,2 milhão de posses irregulares (precárias) e 974.073 famílias assentadas sem título de propriedade, cenário criado com o surgimento do INCRA há 50 anos, números estes em que se atribui o problema à burocracia e outros fatores.

Mato Grosso

Alguns estados em especial, comemoram a notícia, como o Mato Grosso, onde estimam-se mais de 100 mil assentados e que cerca de 80 mil não possuem título de propriedade.

Integração ao mercado

Tamanha burocracia e demais fatores que impediram até o momento a titulação destas áreas é de interesse não apenas dos beneficiários de terras públicas e assentados, mas um problema comercial para o país, já que significa áreas produtivas pendentes de regularização, possibilitando a estes beneficiários ter condições de integrar o mercado.

Título de propriedade é direito fundamental

Título de propriedade é direito fundamental, é garantia constitucional, prevista no artigo quinto, conquista histórica de direitos humanos que substituiu o sistema de domínio do rei ou da igreja, garantindo a cidadãos a propriedade de suas casas e demais direitos, atualmente garantindo também o acesso a diversas outras políticas públicas, como o crédito rural, fornecimento de alimentos para escolas, assistência técnica, dentre outras.

Especificamente sobre as novidades que trouxe a MP 910/2019, exige, daqueles que pretendem se beneficiar desta novidade para regularização, que apresentem comprovação de ocupação e exploração direta da área, de forma “mansa e pacífica” – tal como na usucapião – por si ou seus antecessores, em data anterior a 5 de maio de 2014 (art. 5o., IV, Lei Federal 11.952/2009, alterada pela MP 910/2019).

Este novo marco temporal, o qual substitui o anterior que era 22 de julho de 2008, se deve à vinculação da data ao Decreto no. 8.235/2014, este que implementou e regulamentou o Cadastro Ambiental Rural e Programa de Regularização Ambiental em nível nacional.

Benefício para todo território nacional

Dentre outras novidades a seguir comentadas, a medida provisória estendeu o benefício não apenas à região da Amazônia Legal, mas em todo o território nacional e em terras da União com até 15 módulos fiscais, garantindo gratuidade de custos para aqueles imóveis de até quatro módulos fiscais.

Além do mais, o beneficiário não pode ter sido beneficiado por programa de reforma agrária ou de regularização fundiária de área rural (art. 5º, V, Lei Federal 11.952/2009, alterada pela MP 910/2019).

Devem ser apresentados alguns documentos que auxiliam nestas comprovações, seguindo a mesma comparação com a usucapião, como por exemplo, planta e memorial descritivo do imóvel, assinados por profissional quem emitirá respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), cujas coordenadas são certificadas através do sistema geodésico; e inscrição no Cadastro Ambiental Rural.

É necessário que o beneficiário e seu cônjuge apresentem declaração para cumprir requisitos exigidos pelo artigo 13 da Lei Federal 11.952/2009, alterada pela Medida Provisória 910/2019, onde vale a leitura:

“Art. 13.  Os requisitos para a regularização fundiária de imóveis de até quinze módulos fiscais serão averiguados por meio de declaração do ocupante, sujeita à responsabilização penal, civil e administrativa.

§ 1º  O processo administrativo de regularização da área será instruído pelo interessado ou pelo Incra com: [...]

III - as declarações do requerente e do seu cônjuge ou companheiro, sob as penas da lei, de que:

a) não sejam proprietários de outro imóvel rural em qualquer parte do território nacional e não tenham sido beneficiários de programa de reforma agrária ou de regularização fundiária rural;

b) exerçam ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriormente a 5 de maio de 2014;

c) pratiquem cultura efetiva;

d) não exerçam cargo ou emprego público:

1. no Ministério da Economia;

2. no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

3. no Incra; ou  

4. nos órgãos estaduais e distrital de terras;

e) não mantenham em sua propriedade trabalhadores em condições análogas às de escravos; e

f) o imóvel não se encontre sob embargo ambiental ou seja objeto de infração do órgão ambiental federal, estadual, distrital ou municipal; e

IV - a comprovação de prática de cultura efetiva, ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriores a 5 de maio de 2014, que poderá ser feita por meio de sensoriamento remoto.

Espera-se que, após esta etapa de solicitações, comprovações e demais apresentações dos documentos exigidos pela nova medida provisória, o Governo faça fiscalização, principalmente em alguns casos de maior fragilidade, como imóveis objeto de termo de embargo ou de infração ambiental, lavrado pelo órgão ambiental federal; imóvel com indícios de fracionamento fraudulento da unidade econômica de exploração; requerimento realizado por meio de procuração; conflito declarado ou registrado na Ouvidoria Agrária Nacional; ausência de indícios de ocupação ou de exploração, anterior a 5 de maio de 2014, verificada por meio de técnicas de sensoriamento remoto; acima de quinze módulos fiscais; ou outras hipóteses estabelecidas em regulamento.

Serão dispensadas da vistoria presencial, aqueles imóveis até 15 (quinze) módulos fiscais, o que antes, era previsto na lei apenas para imóveis de até quatro módulos fiscais.

A proibição de venda não impede a utilização da terra como garantia

Outro ponto importantíssimo da medida provisória, ao alterar a Lei Federal 11.952/2009, foi garantir que a cláusula de inalienabilidade, ou seja, a proibição de venda não impede a utilização da terra como garantia para empréstimos relacionados à atividade a que se destina o imóvel (art. 15, §7º).
 

Final - Boa fé x grilagem de terras 

É necessário pontuar que, ao contrário de muitas das notícias veiculadas afirmando que a nova medida estimula desmatamento, até este ponto do texto, é possível perceber que é necessário percorrer várias etapas e são necessários diversos documentos que comprovam regularidade ambiental, fundiária, trabalhista e que, portanto, trazem maior rigidez e fiscalização sobre estas áreas, mas não o inverso, fazendo com que seja comprovado o cumprimento de todas as leis que dão origem aos documentos citados, como a mais emblemática das leis, o Código Florestal, em que tanto demandam os ambientalistas que seja implementada com eficácia na Amazônia Legal; e no caso das ocupações, a nova medida servirá para identificar quem ocupa estas áreas de boa-fé e o contrário, afastando a tão temida grilagem de terras.


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