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Scot Consultoria

Limpeza de pastagens não é crime ambiental


Quarta-feira, 9 de setembro de 2020 - 13h00

Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.


Fonte: Scot Consultoria


Com bastante frequência produtores estão recebendo a fiscalização ambiental em suas propriedades após fazer limpeza de pastagem, aquela área que por muito tempo ficou sem manutenção e que agora traz problemas na sua limpeza, fiscalizada por satélite e confundida com desmatamento.

Na prática do produtor, limpeza de pastagem está associado com a remoção das plantas invasoras. Na prática jurídica, lembramos alguns conceitos como "área de uso alternativo", "áreas consolidadas", "supressão vegetal" e "pousio".

Segundo as definições do Código Florestal assim descreve:

1) área de uso alternativo do solo: substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana;

2) área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio;

3) pousio: prática de interrupção temporária de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais, por no máximo 5 (cinco) anos, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do solo; 

Supressão vegetal ou supressão de vegetação nativa já diz o nome e seus sinônimos, ou seja, suprimir, derrubar, desmatar e ao falar em desmate, hoje associa-se a uma conduta criminosa, o que não é verdade, pois se deve diferenciar o desmatamento autorizado do desmatamento ilegal.

Periodicamente, as espécies vegetais invasoras surgem no pasto e naturalmente demandam técnicas para removê-las, pois segundo as pesquisas, pastagem suja traz impacto na produtividade diante da redução da lotação animal, qualidade do pasto e, consequentemente, ganho de peso dos animais.

A atuação jurídica também solicita suporte de profissionais de outras áreas para compreender que esta limpeza é feita por controle foliar, aplicação de herbicidas, roçadas, cuja técnica deve ser escolhida conforme a estação do ano para maior efetividade no combate das vegetações invasoras.

No âmbito jurídico, quando a fiscalização ambiental confunde vegetação ’suja‘ com vegetação nativa em regeneração, o problema é triplo, chamada responsabilidade ambiental tríplice determinada pela Constituição Federal (art. 225, §3o.), ou seja:
1) a infração ambiental (multas, embargos, apreensão de materiais);
2) o crime ambiental (Lei no. 9.605/1998); e
3) a reparação do dano com a obrigação de recuperar a área (Lei no. 12.651/2012).

Sem contar que estas situações podem refletir nas relações de arrendamento ou parceria por questões de ordem contratual, já que nos contratos estão definidas as responsabilidades pela manutenção da área.

Na prática, esta tríplice responsabilidade se transforma em um ’auto de infração‘ descrevendo qual foi a legislação desobedecida; uma intimação para prestar depoimento em uma delegacia pelo crime ambiental; e outra intimação para prestar esclarecimentos no Ministério Público, tanto em inquérito civil quanto em inquérito penal que podem se tornar ações judiciais ainda mais graves, a ação civil pública e a ação penal ambiental.

São aproximadamente cinco possibilidades de se tornar um "criminoso ambiental" conforme os tipos de crimes previstos na Lei 9605/1998, até mesmo para quem recebe esta madeira, com penas de até quatro anos de prisão e são aproximadamente quatro possibilidades de se tornar infrator ambiental recebendo multas em dinheiro, segundo o Decreto Federal no. 6514/2008, como por exemplo:

Artigo 49.  Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa, objeto de especial preservação, não passíveis de autorização para exploração ou supressão:             

Multa de R$ 6 mil (seis mil reis) por hectare ou fração. 

Parágrafo único.  A multa será acrescida de R$ 1 mil (mil reais) por hectare ou fração quando a situação prevista no caput se der em detrimento de vegetação primária ou secundária no estágio avançado ou médio de regeneração do bioma Mata Atlântica. 

Artigo 50.  Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente:

Multa de R$ 5 mil (cinco mil reais) por hectare ou fração.

Artigo 51.  Destruir, desmatar, danificar ou explorar floresta ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, em área de reserva legal ou servidão florestal, de domínio público ou privado, sem autorização prévia do órgão ambiental competente ou em desacordo com a concedida:                 

Multa de R$ 5 mil (cinco mil reais) por hectare ou fração. 

Artigo 52.  Desmatar, a corte raso, florestas ou demais formações nativas, fora da reserva legal, sem autorização da autoridade competente:

Multa de R$ 1 mil (mil reais) por hectare ou fração. 

Portanto, baseado em fatos, é possível constatar uma enorme quantidade de operações de fiscalização ambiental nos últimos meses, realizada por satélite, basta perguntar aos vizinhos e colegas produtores para constatar que certamente conhecerão alguém que passou por esta situação.

O nascedouro destas situações, muitas vezes está nas estruturas criadas no Ministério Público dos Estados, que hoje contam com profissionais e aparato tecnológico de geoprocessamento para analisar imagens de satélite, solicitando em seguida a fiscalização no local, pela polícia ambiental ou Ibama, para que então formalizem os já descritos autos de infração que servirão de base para os inquéritos civil e penal.

Ocorre que, nem sempre, a fiscalização no local é capaz de encontrar a "prova do crime", ou seja, o chamado material lenhoso, pois quando se trata de limpeza de pastagem muito suja, não há formação de material lenhoso suficiente para a identificação como ’vegetação nativa‘, senão espécies invasoras, muito menos se faz uma constatação mais pontual se a área que passou pela "limpeza" ou foi "desmatada" como alegam os fiscalizadores, já estava ’consolidada‘ em ’área de uso alternativo‘ (pastagem) e há quanto tempo.

E assim, o produtor é colocado na condição de ’infrator‘ ou ’criminoso‘.

O pior é que, como comentado em artigo anterior, que o dano ambiental é considerado ’imprescritível‘ (eterno) pelo Supremo Tribunal Federal, a fiscalização também tem se utilizado de análises de anos ou décadas passadas para determinar a ocorrência de uma infração ambiental, conciliando estas análises de ’desmatamento‘ ou ’limpeza‘ com os sistemas de licenciamento do órgão ambiental do respectivo estado para identificar se havia ou não autorização para realizar estas atividades.

E é neste ponto que está a diferença, pois supressão vegetal ou desmatamento autorizado precisa de licença ambiental, já a limpeza de pastagem na maioria dos estados não precisa de comunicação ao órgão ambiental, a limpeza é isenta de licenciamento, como acontece no Mato Grosso do Sul, por exemplo.

No Mato Grosso do Sul, a resolução estadual que trata do licenciamento ambiental garante isenção de licenciamento ambiental para algumas atividades na propriedade rural como a permissão para abertura de picadas de até seis metros de largura para levantamentos topográficos, marcos de georreferenciamento; até 10 (dez) metros para construção de cercas; a reforma de pastagens cultivadas; a limpeza de regeneração de vegetação nativa onde a circunferência de tronco deve ser inferior a 32 cm; e até mesmo o corte de espécies exóticas de qualquer circunferência, como aromita, canjiqueira, caraguatá, arranha gato, bacuris, etc..

Vê-se que a recomendação, nesta oportunidade, ultrapassa a esfera jurídica e parece mais adequado aos produtores não permitir que a área de pastagem da propriedade rural fique tão ’suja‘ pelas espécies invasoras a ponto de ser confundida em imagens de satélite com ’vegetação nativa‘ em qualquer estágio de regeneração. É preciso ‘manter a casa limpa’!

Mesmo que por muitas vezes a situação financeira seja um fator complicador para realizar limpezas de pastagens, neste ponto o produtor deve buscar alternativas por meio de linhas de financiamento no crédito rural, contratos de arrendamento ou parcerias em condições facilitadas para o arrendatário ou  parceiro que deverá auxiliar nesta limpeza e assim por diante, pois resolver estas situações tardiamente vai custar a contratação de trabalho de peritos e advogados para confrontar a fiscalização.

Há ainda o risco da fiscalização, no momento da visita à propriedade, estabelecer o ’embargo de área‘, determinando que sejam proibidas quaisquer atividades de produção agropecuária na fração de terra entendida como sendo vegetação nativa em regeneração.

Esta análise contém apenas algumas das mais diversas situações que devem ser questionadas na fiscalização por satélite, já que existem ainda críticas sobre este tipo de fiscalização se considerarmos a falta de validade e oficialidade destas imagens no entendimento dos decretos federais 89817/1984 e 6666/2008, bem como da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) nas NBR‘s no. 13.133 e 14.166, e também os direitos autorais das imagens do Google Earth utilizadas como prova, pois por vezes apresentam resoluções e características de baixa qualidade.

Recomendamos atenção especial ao Cadastro Ambiental Rural, onde deve ser conferido como ficaram as classificações das áreas da propriedade rural, desenhando pontualmente as áreas de uso consolidado, as áreas de uso alternativo, os remanescentes de vegetação nativa e as áreas de eventual pousio.

Depois de conferir o planejamento da inscrição no Cadastro Ambiental Rural, dirigir esforços para o que chamamos de ’validação‘ desta informações, ou seja, acompanhar a aprovação das informações pelo órgão ambiental estadual, para que, surgindo situações de fiscalização como estas que são o motivo deste texto, seja possível apresentar à fiscalização, a inscrição do Cadastro Ambiental Rural devidamente validada e que, por competência legal prevalece sobre o entendimento da fiscalização.

Há inúmeras possibilidades de acontecimentos seja por questões antrópicas na abertura das áreas realizadas em outras épocas e até mesmo por causas naturais como incêndios que enfraquecem áreas de pastagem dando vez à rebrota de espécies nativas invasoras, por isso o importante é ter todas estas informações esclarecidas e comprovadas junto à inscrição no Cadastro ambiental Rural.

E por fim, não devem ser realizados cortes de árvores, supressões de vegetação ou qualquer tipo de desmatamento sem licenciamento ambiental, pois é conduta ilegal e pode terminar em prolongadas discussões judiciais.


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