Médica veterinária pela Universidade de São Paulo - USP, Campus Pirassununga. É analista de mercado da Scot Consultoria. Pesquisadora de mercado nas áreas de boi, leite e grãos.
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O IPCA, índice que mede a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços consumida pela população, mostra o aumento ou queda dos preços entre os meses e anos, mensurando a inflação brasileira. O indicador reflete o consumo das famílias cujo rendimento mensal varia entre um e quarenta salários-mínimos e se baseia nos resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada pelo IBGE.
A POF, entre outras questões, verifica o que a população consome e quanto do rendimento familiar é gasto com cada produto: arroz, feijão, passagem de ônibus, material escolar, médico, entre outros. O índice leva em conta a variação de preço de cada item e o peso que ele tem no orçamento das famílias.
Em outubro de 2019, o IBGE atualizou a cesta para acompanhar as mudanças de hábitos da população. À nova cesta, válida a partir de 2020, foram adicionados 56 itens, entre os 377 produtos e serviços já existentes.
Os gastos com transportes passaram a ser o principal componente do IPCA e, pela primeira vez, esse grupo ultrapassa as despesas com alimentação e bebidas, que eram o principal componente do índice. Os alimentos, que respondiam por 22,1% do IPCA passaram a representar 19%. Já os transportes, que correspondiam a 22% passaram a compor 20,8% do índice.
Este ano a população mundial pôde vivenciar um ano atípico na dinâmica global de produção de alimentos, assim como no consumo e nos preços, em função da pandemia causada pelo coronavírus e da peste suína africana, que afeta o plantel de suínos da China desde 2018.
No Brasil, os consumidores viram os preços subir ao longo do ano, principalmente dos alimentos básicos, que compõem a cesta do IPCA.
Ao longo do ano foram verificadas altas em quase todos os meses na variação do IPCA, com exceção de abril e maio, meses em que as medidas de isolamento social foram implementadas de maneira mais severa em todo o país para conter a disseminação do covid-19.
Comparado com 2019 (variação nos últimos 12 meses) os preços dos produtos que compõem a cesta estiveram mais altos em todos os meses desse ano, afetando o poder de compra da população.
Tabela 1. Série histórica do IPCA.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Índices de Preços / Elaborado pela Scot Consultoria
O grupo “Alimentação e bebidas” foi um dos grupos da cesta que contribuiu com esta variação em todos os meses no índice (figura 1).
Em março e abril, apesar da deflação no índice, o grupo apresentou alta, em resposta à maior demanda por alimentos para consumo em casa. Em maio, a alimentação foi o grupo de maior peso no IPCA.
Figura 1. Variação do grupo “Alimentação e bebidas” mês a mês, ao longo de 2020.
*Nov: variação com base no IPCA-15, índice que reflete uma prévia do IPCA oficial.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Índices de Preços / Elaborado pela Scot Consultoria
O preço das carnes ao longo do ano teve grande influência no segmento de alimentação e bebidas do IPCA neste ano.
De janeiro a abril, os preços caíram e, a partir de maio, passaram a subir gradativamente (figura 2).
Figura 2. Variação dos preços das carnes de janeiro a novembro de 2020, de acordo com o IPCA.c
*Nov: variação com base no IPCA-15, índice que reflete uma prévia do IPCA oficial.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Índices de Preços / Elaborado pela Scot Consultoria
Com relação à carne bovina, o mercado do boi gordo seguiu uma trajetória de alta desde maio, já que o final da safra esteve enxuto e a oferta limitada de gado perdurou durante a entressafra, mantendo o viés positivo nos preços.
A curta oferta de boiadas foi acentuada pela retenção de matrizes, característica da fase do ciclo pecuário em que o setor se encontra, o que deu firmeza às cotações. A atratividade do sistema de cria tem falado alto em 2020, aumentando a retenção e o investimento na atividade.
A associação de oferta menor de gado para abate às exportações de carne bovina em alta, influenciadas pela China, devido à peste suína africana, deixou menos carne no mercado doméstico. Com o auxílio emergencial e menos carne a ser escoada, o preço da carne bovina subiu.
Já com relação à carne suína e de frango, os preços também vieram em escalada de alta ao longo do ano, principalmente devido à demanda internacional e à demanda interna aquecida, visto a competitividade com a carne bovina.
As altas de preço das proteínas no varejo estão retratadas na figura 3, tendo como base as médias mensais levantadas pela Scot Consultoria, em relação aos preços de janeiro.
Observamos que a carne de frango evoluiu de maneira mais compassada ao longo do ano, apresentando, inclusive, quedas ao longo dos meses.
Com isso, as altas registradas no IPCA a partir de maio foram puxadas, principalmente, pela carne bovina e suína.
Figura 3. Variação de preços médios mensais de carne bovina, suína e aves no varejo ao longo de 2020, nas praças monitoradas pela Scot Consultoria (base 100).
*dezembro: dados da primeira semana
Fonte: Scot Consultoria
Desde o início do ano a remuneração aos produtores melhorou, mas não o bastante para bater a alta dos insumos de produção, como a soja e o milho, que dispararam em 2020 devido às exportações em alta e estoques menores no mercado doméstico. Essa alta dos insumos também influenciou no aumento dos preços das proteínas ao consumidor final.
O brasileiro também viu o preço do leite longa vida subir no decorrer do ano.
Até a segunda quinzena de novembro, na comparação anual, o preço subiu 25,9% de acordo com o levantamento da Scot Consultoria, atingindo R$4,51 por litro em outubro, a maior cotação nominal registrada.
As altas foram sentidas no varejo devido à oferta ajustada de leite fluido no campo, além do elevado custo de produção, que na comparação ano a ano cresceu 31%. As altas da soja e do milho foram impactantes para a produção leiteira.
O clima adverso também contribuiu para a diminuição da produção de leite, quando comparada a 2019. O atraso nas chuvas a partir de setembro, época em que o volume de leite começa a crescer em grande parte do país, impactou a produção e o consumidor sentiu na ponta final da cadeia.
Outro item importante na cesta das famílias que teve alta de preços foi o arroz. Desde junho o produto vem apresentando altas, que contribuíram com o aumento do grupo “Alimentação e bebidas” no IPCA.
Em setembro e outubro, o cereal apresentou variações de 17,98% e 13,36%, respectivamente, de acordo com o IPCA. A alta foi sentida nos supermercados, já que a demanda em 2020 foi maior, com as famílias fazendo refeições em casa devido ao isolamento social, colheita enxuta e as exportações muito mais atrativas com o câmbio em patamares elevados, que registraram recordes.
Diante desses preços, o governo brasileiro zerou a alíquota de imposto de importação para conter as altas nos preços no mercado interno.
Na comparação das médias mensais do indicador diário arroz em casca Cepea/Esalq/B3 por saca de 50kg, os preços subiram 103,71% entre janeiro e dezembro.
A partir de agosto, o grupo de “Alimentação e bebidas” sentiu os efeitos das altas do óleo de soja. A alta mais expressiva foi em setembro, onde a cotação subiu 27,54%.
A boa demanda externa e os estoques internos reduzidos foram fatores que deram sustentação aos preços no mercado brasileiro, com a cotação do dólar firme.
A cotação subiu 55,42% entre janeiro e outubro, com a tonelada em São Paulo chegando a R$5000,83, de acordo com dados da Abiove.
Os hortifruti, como frutas e leguminosas, também apresentaram grandes altas no ano. Veja alguns dos preços que mais subiram:
Tabela 2. Variação de preços em outros alimentos que também influenciaram o grupo de “Alimentação e bebidas” ao longo do ano.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Índices de Preços / Elaborado pela Scot Consultoria
No decorrer do ano, com a pandemia e a recessão econômica, o mercado baixou a estimativa de inflação. Porém, com a alta do dólar e com a retomada da economia, os preços voltaram a subir.
Os analistas do mercado financeiro subiram a estimativa de inflação para 2020 e a previsão ficou acima da meta central, de 4%. As expectativas fazem parte do boletim "Focus", divulgado pelo Banco Central em 7 de dezembro.
Para 2021, o preços devem se manter firmes para as carnes, devido à demanda internacional principalmente pela China. Além disso, com a expectativa do câmbio em patamares ainda elevados, porém mais comedido que em 2020, as exportações devem seguir firmes, o que pode pressionar os preços no mercado interno.
Para o IPCA, a expectativa do mercado para este ano passou de 3,54% para 4,21%. Pela projeção atual, o IPCA pode oscilar de 2,5% a 5,5% neste ano sem que a meta seja formalmente descumprida.
Para 2021, o mercado financeiro baixou de 3,47% para 3,34% sua previsão de inflação. No ano que vem, a meta central de inflação é de 3,75% e será oficialmente cumprida se o índice oscilar de 2,25% a 5,25%.
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