Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
Foto: Scot Consultoria
Há quase três anos, escrevi sobre como na produção animal existem várias situações em que esperamos um determinado resultado e o que ocorre é totalmente contra intuitivo. O nosso mapa-mental indica uma rota aparentemente clara e, quando vemos, ele nos levou para a escuridão. Enfim, o resultado prático contradiz a lógica que estava internalizada.
Quando somos capazes de perceber isso, essas situações são bastante ricas em termos de aprendizado. Essa riqueza vem, além de entender o porquê da nossa lógica estar furada, de perceber que sempre devemos estar dispostos a rever nossas crenças e nos dobrarmos aos fatos.
Abaixo, em complemento ao anterior, trazemos mais dez situações que ilustram isso e todas as frases com o mesmo começo: “Não seria lógico que...”.
1)...se tenho o espaço recomendado suficiente de cocho, colocar mais um cocho não irá aumentar o consumo?
Obter o consumo-alvo do suplemento é essencial para conseguir o resultado almejado. É bastante frustrante quando se percebe que o consumo médio dos animais do lote é menor do que o esperado. Se a quantidade e tamanho dos cochos garante o espaço linear (cm/cabeça) recomendado, era de se esperar que a colocação de um cocho adicional não deveria alterar o consumo. Na prática, porém, frequentemente o consumo médio aumenta com a disponibilização de maior espaço de cocho. Provavelmente o que esse fato nos indica é que os valores recomendados são “o mínimo dos mínimos” e, sempre que possível, é bom usar valores mais folgados. Por outro lado, a maior parte do efeito pode estar acontecendo por haver um segundo ponto de oferta, em que os animais submissos, enfim, encontram paz para consumirem o suplemento. No final das contas, portanto, é importante ter o (i) mínimo de espaço linear de cocho (ou mais), (ii) de preferência ter mais de um cocho e deixa-los bem espaçados, ajudando os animais submissos a acessarem o suplemento, e, por fim, (iii) trabalhar com o lote mais homogêneo possível, o que reduz o problema da submissão.
2)...se coloco palatabilizantes no suplemento ou dieta, o consumo vai aumentar?
Outra tentativa que não costuma ajudar é tentar colocar algo muito palatável na dieta ou suplemento, na expectativa de aumentar o consumo. Há uma falsa esperança inicial, pois é comum haver um forte aumento de consumo, mas em um curto espaço de tempo ele vai desaparecendo. É como quando experimentamos um tempero diferente, que quebra a monotonia alimentar: a gente come bastante, encantado pela novidade, mas logo que o sabor deixa de ser novidade, o encanto se vai e deixamos de exagerar. O interessante é que isso é observado, inclusive, quando o animal muda de pasto e a forragem é diferente, até sendo aventada a hipótese de usar isso como vantagem, num manejo rotacionado multi-espécie.
3)...se um lote refuga um determinado suplemento, os que vierem depois vão refugar também?
Esse caso mostra que, mais efetivo que palatabilizantes, é o exemplo de outros animais. Fui testemunha disso em um experimento em que, para ter o suplemento com determinados níveis nutricionais, fomos obrigados a usar um ingrediente notoriamente problemático em ser aceito pelos animais. No primeiro lote de animais a consumir o suplemento, conforme esperado, os animais praticamente não consumiam o suplemento. Após alguns dias com pouco sucesso ao insistir para que os animais aceitassem o suplemento, e já com a formulação alternativa na manga, inesperadamente os animais começaram a aumentar o consumo. Nesse ponto, entrou o segundo grupo de animais e antevíamos a repetição do processo de resistência ao consumo do suplemento. Para nossa surpresa, o segundo e terceiro lotes de animais jamais refugaram o suplemento, consumindo todo ele sem problema. Claramente foi um caso típico do que os estudiosos do comportamento animal chamam de “facilitação social”. Ele já é bastante usado na prática, como ao se colocar um bezerro “experiente” no lote para ensinar bezerros novatos a acessarem cochos de acesso exclusivo a eles (creep-feeding).
4)...se o consumo da dieta está abaixo (ou acima) do esperado tenho que mudar a dieta?
Uma boa parte dos relatos de problemas de consumo em dietas para ruminantes simplesmente não existem quando o consumo que, de fato, interessa para o desempenho é avaliado. Na nutrição de ruminantes, seja em pastagem, seja em confinamento, a quantidade de água que compõe os alimentos é muito variável. Por isso, temos que descontar toda essa água que vai junto com o alimento e considerar apenas sua matéria seca (MS). Se considerarmos uma silagem com 30% de MS e um consumo estimado de 9 kg de MS, então devemos ofertar 30 kg da silagem por animal (9 kg de MS ÷ [30/100]). Se, ao ofertar essa quantidade silagem, avaliarmos uma sobra de 3 kg, o consumo foi de apenas 27 kg de matéria original (MO) por animal. Se, antes de colocar mais esses 3 kg de MO que estariam faltando para o animal, ao analisarmos a MS da silagem, constatamos que o valor correto do teor de MS é 33%, percebemos que o consumo em MS está dentro dos 9 kg esperados (27 kg de MO X [33/100]). Assim, antes de corrigir o consumo é muito importante certificar-se de estarmos usando o valor correto de teor de MS da dieta. Evidentemente, há muitos outros fatores que podem fazer o consumo variar e eles devem ser avaliados, mas a sugestão é sempre começar por essa certificação do consumo em MS.
5)...se só tem um animal com problema e todos estão na mesma dieta, todos terão problema?
O exemplo anterior é um desses casos que o problema (o subconsumo aparente) deve se repetir no restante dos animais do lote. Esse raciocínio de generalizar, portanto, na maioria das vezes pode até funcionar, mas é preciso entender não se tratar de uma verdade absoluta. Isso porque existem casos em que a individualidade animal se sobrepõe ao comportamento do grupo. Esse é o caso, por exemplo, da ocorrência de doenças metabólicas, como acidose e timpanismo, em que há essa individualidade. Assim, mesmo em uma situação em que tudo indique não haver predisposição para ocorrência desses problemas, um ou outro animal aparece com sintomas clínicos. Outro exemplo disso é intoxicação por nitrato, pois há animais muito tolerantes que fazem difícil o estabelecimento de valores máximos genéricos que delimitem bem até qual teor de inclusão é possível ir com segurança. Uma boa parte dessa variação pode ser devida ao microbioma que habita o animal e que, ao contrário do que nutricionistas como eu gostariam, varia bastante de animal para animal. O importante aqui é considerar que padrões comuns em dietas compartilhadas pelos animais pode até ser a regra, mas que é importante considerar a existência de exceções.
6)...se reduzir a oferta de alimento, o desempenho vai cair?
A resposta mais normal à redução de oferta de alimento é o desempenho cair. Há uma situação específica, contudo, em que é possível reduzir um pouco a oferta, mantendo o ganho de peso, ou seja, com melhora na eficiência. Não se trata do caso de excesso, por exemplo, de concentrado ou gordura desafiando o metabolismo ruminal. Mesmo em dietas perfeitamente balanceadas é possível ter esse ganho de eficiência ao se restringir levemente o consumo. Essa restrição leve ocorre no próprio manejo de cocho em confinamento para ter o mínimo de sobra. Quando fazemos isso o consumo do animal não é voluntário, ou seja, ele come menos do que gostaria. O que ocorre, então, é que, como ele ingere menos alimento no tempo, a passagem desse pelo trato digestivo fica mais lenta, permitindo uma ação das enzimas digestivas, dos microrganismos no rúmen e do próprio animal, por mais tempo ao longo do caminho até o ânus. Se esse aumento de energia ganho pela maior digestibilidade for suficiente para compensar a redução de energia ingerida, o ganho se mantém. Essa seria uma dupla vantagem do manejo de sobras mínimas: menor gasto de mão-de-obra com aumento de eficiência alimentar.
7)...se demoro mais para aumentar o concentrado na dieta, o ganho será pior?
Quando o animal está no processo de adaptação de uma dieta de volumoso para uma dieta com quantidades significativas de concentrado, como quando sai do pasto e entra no confinamento, a lógica se inverte. Nessa situação, um aumento mais gradual, aos poucos, do concentrado resulta em melhor desempenho do que quando, na ânsia de ganhar peso mais rápido, tenta-se queimar etapas. Mesmo que o animal não desenvolva nenhum problema metabólico, acelerar demais na adaptação pode repercutir por um longo período, piorando o desempenho. Enfim, tenha um bom protocolo de adaptação e não tente abreviá-lo.
8)...se o que eu quero é exatamente engordar o animal, quanto mais gordura protegida eu der, melhor?
Não é incomum transportarmos nossa lógica nutricional humana para os animais. É o caso dessa expectativa que “nada deve ser melhor do que gordura para colocar gordura no ganho do animal”. Um aspecto é comum aos bovinos e humanos: ter gordura pré-formada é uma vantagem aproveitada pelo organismo, afinal ele pode economizar energia na produção desse elemento. O que muda é que o bovino tem sua evolução ao longo da história comendo forragem, notoriamente pobre em gordura e, portanto, valores relativamente baixos de gordura (6% da MS da dieta) já trazem problemas para sua degradação ruminal. Como o fator mais determinante para deposição de tecido adiposo é a taxa de ganho (quanto maior o ganho, maior a deposição), se a gordura adicional atrapalhar o ganho, a gordura será depositada mais lentamente e devemos ter uma carne mais magra ou um animal que ficará mais tempo na terminação para atingir o acabamento desejado. Uma opção para tentar evitar a redução da interferência negativa da gordura é usar a gordura protegida que sobrepassa o rúmen e libera a gordura no trato digestivo posterior. Se o seu uso fizer o animal ganhar mais peso, o resultado será positivo, todavia muitas vezes essa resposta de aumento de ganho é limitada, pois os maiores níveis de gordura no sangue decorrentes do aporte desse nutriente parecem sinalizar ao sistema nervoso central que o animal já estaria saciado, reduzindo o estímulo de consumo. Enfim, o resultado mais comum é não ajudar na terminação.
9)...se eu ajudo a vaca dando ração no “creep feeding” para os bezerros, seus índices reprodutivos vão melhorar?
Um dos motivos quando se enumeram as vantagens de fazer o “creep-feeding”, quando o bezerro tem acesso exclusivo a um suplemento, é que essa suplementação permitiria um alívio à matriz. Esse alívio, por sua vez, permitiria à vaca recuperar mais rapidamente sua condição corporal e isso acabaria se refletindo em uma maior fertilidade. Mais uma vez, tudo parece bem lógico. Quando procuramos resultados de pesquisa que comprovem essa tese, simplesmente, eles não existem. Há um bom motivo para isso: com o consumo do suplemento o bezerro ganha mais peso e, mais pesado, mama mais, estimulando a vaca a produzir mais leite. Esse aumento de estímulo de produção de leite em função de maiores exigências dos bezerros ficou claro em um experimento com par vaca-bezerro em que os bezerros machos fizeram suas mães produzirem 10% mais leite do que as bezerras. Portanto, ao contrário de um alívio para as vacas, o “creep” pode acabar resultando em um aumento das suas exigências.
10)...se eu continuar fazendo do mesmo jeito, o resultado sempre será igual?
Essa costuma ser lógica mesmo e fica como lembrete para não cairmos da armadilha de não mudar e esperar que, do nada, haja melhora. É bem capaz que o leitor possa lembrar-se de alguma situação em que essa lógica foi contrariada. Isso se chama “acaso” e a tendência de deixar por conta dele é que, para cada melhora ao acaso, haverá uma piora ao acaso, ou seja, no longo prazo não saímos do lugar. Daí, a lógica é a seguinte: ficar parado, enquanto todo mundo avança, é dar ré!
Aproveito para desejar aos leitores um 2021 em que prevaleça a lógica de seguir pelos caminhos iluminados pela ciência e assentados na empatia com o próximo. Vacinados contra o negacionismo e com anticorpos contra o ódio, será mais fácil conseguirmos a união necessária para vencermos tantos desafios que nos esperam nos anos vindouros. Se os melhores sentimentos que caracterizam o Brasil puderem aflorar, não há porque não termos as melhores esperanças!
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