Zootecnista, professor em cursos de pós-graduação nas Faculdades REHAGRO, na Faculdade de Gestão e Inovação (FGI) e nas Faculdades Associadas de Uberaba (FAZU); Consultor Associado da CONSUPEC - Consultoria e Planejamento Pecuário Ltda; Investidor nas atividades de pecuária de corte e de leite.
Foto: Bela Magrela
Um sistema agrícola pode ser compreendido como sendo a combinação integrada entre os componentes clima, solo, planta e o ser humano, este por meio do manejo do sistema. Por outro lado, um sistema pastoril é a combinação integrada desses componentes, mais o componente animal.
Em um sistema agrícola, quando a produção vegetal alcança seu ponto de colheita, o produto é colhido diretamente pelo ser humano, por exemplo, manualmente, ou indiretamente, por meio de uma colhedora, e o produto colhido quase sempre é o produto diretamente comercializado.
Mas em um sistema pastoril, quando a produção vegetal alcança seu ponto de colheita, o produto, nesse caso particular, a forragem, é colhido pelo animal herbívoro, e o produto colhido quase nunca é o produto diretamente comercializado, a não ser em sistemas nos quais a forragem é colhida mecanicamente e conservada na forma de silagens, ou fenos ou pré-secados. Mas neste artigo será tratado apenas de sistemas de pastejo, nos quais a forragem é colhida pelo animal por meio do pastejo.
Então, a produção vegetal colhida deverá ser convertida no produto que de fato será comercializado, que nesse caso será o produto animal, na forma do próprio animal, ou de sua produção, como a carne, o leite ou a lã. Numa linguagem figurada, o animal herbívoro assume a função da “colhedora”, só que uma colhedora viva, que para colher forragem e convertê-la com eficiência no produto animal tem que ter suas necessidades atendidas, e estas são bastante específicas, como a colhedora mecânica tem as suas (troca de óleos, lubrificantes, reposição de peças, revisões etc.).
Além das necessidades específicas, o animal, esta “colhedora viva”, tem seu comportamento e suas atividades diárias (pastejo, ruminação, ócio e interações sociais) adquiridos por meio de seleção natural durante milhões de anos.
Para a implantação e a condução de um sistema pastoril recomenda-se seguir a seguinte sequência de procedimentos: inventário dos recursos disponíveis, diagnóstico da situação atual e do potencial do sistema, plano de metas, planejamento, treinamento de equipe, execução do planejado, controle da produção e do resultado econômico.
Na etapa de execução em sequência faz-se a escolha das espécies forrageiras, o estabelecimento da pastagem, a implantação da infraestrutura, o manejo para o conforto animal, o manejo do pastejo, o manejo e controle de plantas infestantes, de pragas e doenças, a suplementação dos animais, a correção, adubação e a irrigação do solo.
O objetivo de uma sequência de artigos com esse tema é descrever como o manejo da pastagem em cada etapa deste programa influencia a maximização da resposta da pastagem às práticas corretivas e de adubação do solo e para a nutrição equilibrada da planta forrageira.
A literatura especializada nas áreas de nutrição de plantas e de fertilidade de solo é farta em trabalhos de pesquisas comparando respostas de plantas forrageiras às práticas de correção e adubação, como também à adaptação dessas plantas a solos de baixa fertilidade natural sem correção e adubação (infelizmente, a maioria conduzido em vasos, ou em canteiros, com a planta submetida a cortes). Por exemplo, linhas de pesquisas avaliando níveis críticos de nutrientes interno (análise foliar) e externo (análise de solo). Estudando os resultados desses trabalhos observa-se que os autores encontraram diferenças significativas entre plantas forrageiras (tabela 1).
Tabela 1. Níveis críticos (NC) externo de fósforo de gramíneas forrageiras tropicais.
Forrageira | NC (mg/dm3) | Fonte |
B. humidicola | 3,7 | MARTINEZ,1980 |
---|---|---|
Gordura | 5 a 17 | WERNER; HAAG, 1972; MARTINEZ, 1980 |
Jaraguá | 1,94 a 10 | MARTINEZ, 1980; WERNER; HAAG, 1972; |
B. decumbens | 10,6 a 16,94 | CORREA; HAAG, 1993; MARTINEZ, 1980 |
Pangola, Transvala | 19 | MARTINEZ, 1980 |
P. maximum (Colonião, Massai, Mombaça, Tanzânia, Tobiatã) | 16 a 26 | CORREA; HAAG, 1993; MARTINEZ, 1980; WERNER; HAAG, 1972; CORREA et al., 1996; MESQUITA et al, 2003 |
B. brizantha | 21,8 a 29 | CORREA; HAAG, 1993; MESQUITA et al, 2003 |
P. purpureum Elefante | 19 a 25 | MARTINEZ, 1980; WERNER; HAAG, 1972 |
Fonte: AGUIAR, 2011.
Por outro lado, ao estudar outro conjunto de trabalhos de pesquisas (em áreas submetidas ao pastejo) e principalmente de campo em fazendas comerciais é possível concluir que quando a pastagem é cultivada com espécies forrageiras adaptadas às condições climáticas (volume e distribuição de chuvas, e temperatura) e de solos (particularmente o relevo, a profundidade e a drenagem) da região, e uma vez havendo interação genótipo:ambiente não se observam diferenças significativas na resposta às práticas corretivas e de adubação do solo em produção de forragem (tabela 2) e seu valor nutritivo (tabela 3) entre as diferentes espécies forrageiras, mas principalmente quando os parâmetros avaliados são o desempenho individual (a produtividade da pastagem (tabelas 4 e 5)).
Tabela 2. Resultados* médios da produção e características do relvado dos capins Tanzânia, Mombaça e Tifton 85 nos anos pastoris de 1998/99 a 2002/2003, nas diferentes estações do ano, em pastagens não irrigadas.
Tanzânia | Mombaça | Tifton 85 | |||||||
Parâmetro | PV1 | O/I2 | Média3 | PV | O/I | Média | PV | O/I | Média |
MFPREP (t MS/ha)4 | 5,9 | 4,1 | 5,2 | 6,4 | 3,6 | 5,3 | 5,2 | 5,0 | 5,3 |
MFPOP (t MS/ha)5 | 2,9 | 2,8 | 2,9 | 2,9 | 2,1 | 2,7 | 2,4 | 2,9 | 2,7 |
TAF (kg MS/ha/dia)6 | 111 | 42,6 | 81 | 106 | 41 | 78 | 102 | 68 | 85 |
FA/Ano (t MS/ha/ano)7 | 29 | 29 | 33 |
*Estas produtividades foram alcançadas em um ambiente com temperatura média anual de 23 oC (20 a 25 oC, entre mínima e máxima); 1.670 mm de precipitação anual (1.261 a 2.033 mm entre mínima e máxima); 357 kg/ha de N, 80 kg/ha de P2O5, 184 kg/ha de K2O e 43 kg/ha de enxofre na média dos quatro anos.
1P/V: Estações de primavera e verão; 2O/I: Estações de Outono e Inverno; 3Média anual; 4MFPREP (t MS/ha): Massa de forragem no pré pastejo; 5MFPOP (t MS/ha): massa de forragem no pós pastejo; 6TAF (kg MS/ha/dia): taxa de acúmulo de forragem; 7FA/Ano (t MS/ha): forragem acumulada por ano.
Fonte: RESENDE, 2004
Tabela 3. Composição química média das forrageiras durante o experimento.
Tratamento | |||||
Convert HD 364 | B.decumbens | B.brizantha | B.ruzizienses | Média | |
PB (%) | 16,00 | 15,13 | 13,44 | 14,37 | 14,73 |
---|---|---|---|---|---|
EE (%) | 2,80 | 2,59 | 2,75 | 2,54 | 2,67 |
FB (%) | 27,47 | 29,32 | 29,47 | 28,57 | 28,71 |
MM (%) | 9,79 | 9,04 | 10,26 | 9,60 | 9,67 |
MS (%) | 23,59 | 26,76 | 26,94 | 24,15 | 25,36 |
NDT (%) | 67,44 | 66,77 | 63,50 | 66,42 | 66,03 |
Ca (%) | 0,58 | 0,52 | 0,57 | 0,53 | 0,55 |
P (%) | 0,28 | 0,25 | 0,28 | 0,28 | 0,27 |
FDN (%) | 59,84 | 64,48 | 62,99 | 61,62 | 62,23 |
FDA (%) | 30,65 | 33,67 | 33,62 | 31,40 | 32,33 |
Hem (%) | 31,19 | 33,01 | 30,91 | 32,39 | 31,87 |
Fonte: COSTA, 2015.
Tabela 4. Indicadores de produtividade1 alcançados em pastagens intensivas de B. hibrida Convert cv HD364 (BH) e seus progenitores, B. decumbens (BD), Brachiaria brizantha cv Marandu (BB) e Brachiaria ruziziensis (BR) manejadas em pastoreio de lotação alternada.
Forrageira | ||||||
Indicador | Unidade | BH HD 364 | BD | BB | BR | Média |
Taxa de lotação | UA/ha2 | 4,46 | 4,02 | 3,83 | 3,60 | 3,98 |
---|---|---|---|---|---|---|
Ganho médio diário | kg/cab/dia | 0,76 | 0,70 | 0,66 | 0,74 | 0,72 |
1Produtividades alcançadas com 2.150 mm de chuvas e 5,0 t/ha de calcário + 1,26 t/ha de gesso + 209 kg/ha de P2O5 + 130 kg/ha de K2O + 318 kg/ha de N + 123 kg/ha de enxofre (do gesso) durante o período experimental.
2Unidade animal; 3Peso corporal; 4Eficiência de uso de nitrogênio (112 kg de N via adubação e assumindo + 9 kg N-atmosférico + 7,5 kg N-mineral do solo + 142 kg N-matéria orgânica do solo).
Os animais foram suplementados apenas com suplementos minerais.
Fonte: SILVA, 2014.
Tabela 5. Ganho médio diário (GMD), taxa de lotação (TL) e produtividade por hectare em peso corporal (PC) e entre parêntesis em @/ha de cultivares de forrageiras dos gêneros Brachiaria sp e Panicum sp.
GMD (kg/dia) | TL (cabeças/ha) | PC | ||||
Forrageira | Chuvas | Seca | Chuvas | Seca | kg ha/ano | Fonte |
Brachiaria sp | 0,59 | 0,30 | 4,2 | 1,7 | 618 (20,6@) | EMBRAPA; Unipasto |
Panicum sp | 0,61 | 0,32 | 3,9 | 2,2 | 741 (24,7@) | |
Média | 0,60 | 0,31 | 4,05 | 1,95 | 679 (22,6@) |
Gênero Brachiaria sp: (1)Duração de 3 anos, 75 a 100 kg N/ha, EMBRAPA Gado de Corte, Campo Grande, MS; (2)Duração de 3 anos, *TL em UA/ha, EMBRAPA Gado de Corte, Campo Grande, MS; (3)Duração 2 anos, *TL em UA/ha, EMBRAPA Rio Branco, AC (4)Duração 3 anos, animais pesando 250 kg de PC, EMBRAPA Gado de Corte, Campo Grande, MS; (5)Duração de 2 anos; ? a ? kg N/ha; animais pesando ? kg de PC, EMBRAPA Gado de Corte, Campo Grande, MS.
Gênero Panicum sp:(1)Duração de 4 anos, novilhos pesando 250 kg, lotação rotacionada: 7 dias de PO e 35 dias de PD, EMBRAPA Gado de Corte, Campo Grande, MS; (2)Animais pesando 450 kg, EMBRAPA Rio Branco, AC; (3): Animais pesando 300 kg, 120 a 150 kg de N/ha, EMBRAPA Gado de Corte, Campo Grande, MS (4) 2 anos, animais pesando 450 kg, lotação alternada 28 dias por piquete, 100 a 150 kg de N/ha, EMBRAPA Cerrado, DF; (5)Duração de ? anos, ? a ? kg N/ha, animais pesando ? kg de PC, EMBRAPA Rio Branco, AC.
Fonte: Unipasto e Embrapa.
Isso porque a herdabilidade para as variáveis produção e qualidade de forragem é baixa. Assim, produção e qualidade de forragem são, em grande medida, estabelecidas por meio do correto manejo da pastagem.
O mais importante quando da escolha de espécies forrageiras é diversificar ao máximo possível com aquelas espécies e cultivares que se adaptarem melhor às condições edafoclimáticas da região. Essa medida minimiza, e muito, o impacto de estresses dos tipos abióticos (extremos de temperatura e de umidade) e bióticos (ataque de pragas e doenças de plantas). Aqui, o potencial de resposta às práticas de correção e adubação não deve ser a prioridade, principalmente em ambientes em não equilíbrio, que são aqueles com pouca previsibilidade do comportamento climático e de drenagem do solo por causa de cheias de cursos d´água e consequentes inundações.
Referências
Embrapa. Disponível em: Embrapa.
Unipasto. Disponível em: Unipasto.
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