Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.
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Em 1º de outubro foi sancionado o Decreto Federal nº 10.828, para regulamentar a emissão de CPR – Cédula de Produto Rural “relacionada às atividades de conservação e recuperação de florestas nativas e de seus biomas”.
É uma legislação bastante inovadora, e como dizem outros especialistas no assunto, também bastante criativa, embora relativamente simples, trazendo regulamentação e operacionalização à uma modalidade de CPR ‘sustentável’ que pode movimentar até 30 bilhões em até 04 anos, segundo estimativas do Governo Federal.
Apenas para lembrar o que é uma CPR, trata-se de um título que representa uma promessa de entrega futura de um produto agropecuário, funcionando como um facilitador na produção e comercialização rural, ou seja, um banco ou outro intermediador adquire a CPR e antecipa os recursos ao produtor ou cooperativa, que se compromete a entregar quantidade e qualidade estipulados no título (CPR) ou resgatar financeiramente a cédula no seu vencimento (CPR financeira) e assim, a CPR viabiliza a produção e comercialização da sua produção por meio da antecipação de crédito rural.
Para a apuração do valor que uma CPR deve pagar ao credor, é preciso que conste todas as condições exigidas pela lei, como por exemplo: a quantidade e o produto utilizado como referencial, o preço ou o índice de preço, a instituição que divulga o preço ou o índice de preço, a praça ou o mercado de formação do índice, etc.
A nova lei do agro, sancionada em 2020, ampliou a abrangência da antiga CPR, já que a “nova CPR” amplia os produtos que podem ser negociados, pessoas legitimadas para emissão, garantias, emissão eletrônica, etc.
E nesta ampliação de abrangência, incluíam-se os produtos obtidos nas atividades relacionadas à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas, além do manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis. Por isso agora surge esta regulamentação.
De toda forma, com relação à CPR Verde, a novidade traz resultados de curto prazo, com a captação de recursos e a preservação de áreas ambientais, como também cria um instrumento de combate ao discurso crítico generalizado contra o agronegócio brasileiro.
Na prática, um produtor rural que tenha um projeto de conservação da mata nativa, por exemplo, poderá transformar essa iniciativa em um ativo a ser negociado com uma empresa ou instituição que queira fazer uma compensação de carbono ou proteger determinada área de interesse da biodiversidade.
Assim, o produtor rural é estimulado a produzir, ao mesmo tempo que preserva, e passa a receber pagamento por serviços ambientais, obtendo renda extra e permitindo que empresas interessadas em mitigar suas emissões de gases de efeito estufa adquiram os títulos mediante o compromisso do produtor em manter a área conservada.
Analisando detalhadamente a novidade, a escolha de decreto para alguns procedimentos da CPR Verde, em algumas situações não pareceu a via mais adequada, por apresentar alguns conflitos normativos. De um lado, a CPR é título para entrega de coisa líquida e certa, exigível pela quantidade e qualidade de produto estipuladas no corpo do título, ou, no caso da CPR financeira, para pagamento de preço calculado sobre o produto. A lei que se propôs para regulamentação (Lei 8.929/1994) não prevê a possibilidade do emitente assumir por meio da Cédula uma obrigação de fazer ou não fazer algo, só a de entregar algo (produto rural, no caso), ou pagar algo (o valor apurado com base em produto rural).
Outro ponto que ainda vai demandar discussões é que o decreto deixou de “relacionar os produtos passíveis de emissão de CPR”, optando por fazer menção a “produtos rurais obtidos por meio das atividades relacionadas à conservação e recuperação de florestas nativa e de seus biomas que resultem na obtenção de determinados resultados” especificados em alguns incisos.
Mas como se conseguirá definir a quantidade e qualidade daqueles “produtos” a serem entregues? Correto seria clarear um pouco mais o texto para autorizar a emissão de CPR Verde para alguns produtos rurais naquelas condições, como por exemplo: volume de gases de efeito estufa cujas emissões serão reduzidas; estoque de carbono florestal a ser mantido ou aumentado, etc., além de detalhar quais seriam os “outros benefícios ecossistêmicos” mencionados no Decreto.
Ainda nesse sentido, seria melhor detalhar, em caso de redução do desmatamento ou degradação da vegetação nativa de determinada área, qual o tempo e a forma de auferir; e na conservação à biodiversidade, recursos hídricos ou solo de uma determinada área, a mesma especificação sobre como auferir.
A crítica se deve ao fato de que, a CPR, enquanto título executivo, um ativo financeiro, precisa representar a transação de um bem (produto rural ou preço) e não uma “intenção”, mas nada impede que a “intenção” seja declarada e definida; e que a entrega do “produto resultante”, conforme especificado na cédula, da efetivação daquela “intenção” (de fazer algo em favor da sustentabilidade, ou de deixar de fazer algo que afeta a sustentabilidade), seja remunerada pelos investidores (no caso, interessados em viabilizar a conservação de recursos naturais).
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