Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
Foto: Scot Consultoria
Não há bem mais precioso do que a vida. O fogo da vida exige oxigênio e alimento, ou seja, do nosso ambiente e do nosso trabalho.
À medida que vamos nos urbanizando essa relação de interdependência entre a vida humana e a natureza vai ficando menos visível, como na brincadeira de dizer que as crianças da cidade acham que o leite é produzido nas próprias caixinhas que seus pais levam para casa.
Recuperar esse olhar sistêmico, sobre os borrados contornos de nossas vidas no amplo ecossistema onde elas se inserem, é importante para estimular comportamentos e atitudes que nos levem a conciliar as necessidades e os desejos dos diferentes atores da sociedade com os limites impostos pela natureza à sua exploração. Sem exagero, o futuro da humanidade, depende disso.
Em 2021, em uma “laive”, vi o embate de uma das mais reconhecidas lideranças da agricultura brasileira e uma destacada cientista que ilustrou bem como essa conciliação não é automática. O primeiro, louvando o feito brasileiro de fazer, das terras inférteis do Cerrado, importantes fontes produtoras de alimentos e renda. A pesquisadora lembrando que deveria ser olhado o outro lado, da imensa transformação desse bioma e os prejuízos ecológicos do processo. O embate das visões antagônicas não prosseguiu pois ambos parecem ter entendido que na pressa do “ao vivo” e com tempo limitado, escalar a polêmica poderia apenas gerar muito calor e pouca luz.
Lamentei a chance perdida de testemunhar duas visões opostas poderem ser conciliadas por importantes formadores de opinião. Afinal, ambos têm razão. Cada um a sua!
De um lado a necessidade de produzir alimentos e gerar renda. Do outro, o imperativo de manter um balanço ecológico que garanta condições ambientais suficientemente estáveis para produzir alimento e gerar renda.
Aqui cabe lembrar alguns preconceitos, de ambos os lados, que costumam atrapalhar a racionalidade dos debates.
Para exemplificar, do lado dos produtores rurais a sensação de que cada demanda ambiental que exige alteração no seu modo de produzir vai reduzir sua renda e competitividade e estaria sendo feita dentro de uma conspiração externa para segurar o crescimento do Agro do Brasil. Há muitos fatos que desmentem a primeira premissa, pois são várias as tecnologias que reduzem a pegada ecológica e, ao mesmo tempo, melhoram a renda. Para citar alguns exemplos: plantio direto, integrações agricultura-floresta-pecuária, controle biológico, uso de bioinsumos e suplementação estratégica dos rebanhos.
No caso das “conspirações externas”, ainda que a guerra comercial seja uma realidade, não estamos conservando e preservando nossas áreas naturais porque isso agrada aos europeus e americanos, mas pelo entendimento, já suficientemente embasada pela ciência brasileira, de que isso é de nosso melhor interesse. Foi uma escolha da sociedade, materializada na nossa legislação ambiental que é abrangente e rigorosa. O seu cumprimento é a garantia de não matarmos a nossa “galinha dos ovos de ouro”.
Já, pelo lado dos ambientalistas, o principal mal entendido é que a atividade de produção agropecuária é algo trivial e, portanto, soluções simplórias seriam capazes de, do dia para noite, produzir todo alimento para garantir nossa segurança alimentar e a do mundo. Nesse contexto, é comum venderem a proposta de volta ao passado na produção de alimentos como a forma virtuosa que conciliaria produtividade e baixo impacto ambiental, quando o mais comum é ocorrer exatamente o contrário. Por exemplo, há necessidade de explorar maiores áreas para compensar a menor produtividade de sistemas menos tecnológicos.
Assim, o ponto de partida para uma produção cada vez mais sustentável é todas as partes se despirem de seus preconceitos, alimentados por suas paixões ideológicas, e escolham soluções efetivas, seja de que lado do espectro vierem.
As atividades humanas continuarão a transformar o ambiente, colocando-o permanentemente em risco de colapso. Ainda que estejamos longe de compreender todas as relações e consequências entre nós e o nosso meio, sabemos muito o que precisamos promover e, em especial, o que devemos evitar. Na produção agropecuária, do lado bom, temos já tecnologias de produção sustentáveis passíveis de adoção, como comentado acima, e perspectivas de grande aumento de eficiência com tecnologias atualmente em desenvolvimento.
Especificamente no caso dos ruminantes, que já ocupam um lugar ecológico de destaque, por usarem áreas marginais e poderem transformar alimentos não aptos ao consumo humano em proteína de elevado valor biológico, há gigantescas oportunidades de ganhos em produtividade, muito maiores do que na agricultura.
Infelizmente, devido a uma campanha sistemática de vários grupos anticarne e, provavelmente, bem captada e explorada pelos verdadeiros “vilões” do aquecimento global, ao papel dos bovinos na emissão dos gases de efeito estufa (GEE), é dada, frequentemente, uma dimensão irreal. Infelizmente, ela já está arraigada na sociedade em geral.
E qual a real contribuição dos bovinos e demais ruminantes para os GEE?
Essa é uma questão já resolvida apenas nas redes sociais e nos grupos de mensagens. Há dados desde toneladas de GEE por grama de carne até créditos de carbono em outros, dependendo do viés de cada grupo. Já no meio científico, entre outras discussões, temos um pedido de revisão da métrica atual que pode estar superestimando as emissões totais de metano em até 65% e a questão de como contabilizar o carbono fixado no solo, tanto do ponto de vista das dificuldades de mensuração, como da validade de considerar integralmente o carbono fixado ou apenas a fração mais resistente e, portanto, mais improvável de voltar à atmosfera.
A resolução dessas incertezas deve levar a uma contribuição muito mais modesta do que a atualmente atribuída e, potencialmente, até geradora de créditos de carbono. Todavia, o interessante é que independente disso se comprovar, o setor de ruminantes pode, desde já, ajudar na solução das mudanças climáticas.
A princípio isso pode parecer um contrassenso para alguém que foi convencido na defesa de que o metano produzido pelos animais não contribuem para o aumento do aquecimento global porque eles estariam em equilíbrio, afinal temos a mesma taxa de emissão e degradação. Aqui, além de assumir a premissa que o rebanho estaria estável, desconsidera-se opções para a redução das emissões e ajudar a reduzir os GEE. As duas situações alternativas que podem fazer com que reduzamos as emissões do setor são: (1) a possiblidade de reduzir o metano emitido por cada indivíduo, com intervenções nutricionais, por exemplo e (2) a possibilidade de produzir a mesma quantidade de produto (carne, leite ou lã) com menos animais, ao se aumentar a eficiência, por exemplo, na taxa de fertilidade ou por aumento no desempenho em pastagens com forragens de melhor qualidade.
Enfim, além de evitar o aumento do efeito, podemos ajudar a reduzi-lo.
Importante entender que o principal motivo da ligação dos ruminantes com o GEE é o metano entérico, que é uma perda energética da ruminação. Apesar dela ser inevitável, pode ser muito reduzida e, neste processo, gerar ganhos produtivos. Podemos reduzir a emissão de metano por quilograma de carne produzida ao intensificar a produção. Animais perdendo peso na época seca, excesso de vacas vazias e novilhas entrando tardiamente em reprodução são exemplos de pontos em que podemos, ao mesmo tempo, produzir mais carne, ganhar mais dinheiro e produzir com menor impacto ambiental.
Assim, uma posição mais interessante seria, em vez de criar conflito com os detratores armados de dados exagerados, é mostrar os melhores dados que temos da “real” contribuição e expor suas incertezas, além de participar ativamente do esforço coletivo na redução dos GEE.
Sendo esse o último texto de 2021, meu desejo para o próximo ano é que um artigo em falta ultimamente seja recuperado e bastante exercido: a empatia. Assim, tendo a ciência como guia, que pessoas com convicções tão diferentes como um ambientalista renhido e um pecuarista tradicionalíssimo, no exercício da empatia, percebam que suas necessidades básicas fazem ter muito mais em comum do que suas diferenças. Afinal, sem um ambiente sadio, não vamos produzir nada. E, sem produzir nada, não haverá ninguém para usufruir das belezas naturais – ou que tiver sobrado depois de que os dois últimos humanos se matem pelas últimas migalhas de qualquer coisa que tenham sobrado.
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