Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - ESALQ, da Universidade de São Paulo, é diretor-fundador da Scot Consultoria. É analista e consultor de mercado, com atuação nas áreas de pecuária de corte, leite, grãos e insumos agropecuários. É palestrante, facilitador e moderador de eventos conectados ao agronegócio. Membro de Conselho Consultivo de empresas do setor e coordenador das ações gerais da Scot Consultoria.
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Artigo originalmente publicado no Broadcast Agro, da Agência Estado, em 20/6/2022.
Tenho escutado regularmente que o Brasil não precisa se preocupar com a fome, pois é grande produtor de alimentos e que os fazendeiros brasileiros não precisam se preocupar com o mercado externo, com a exportação do que produzem, uma vez que o mundo precisará do Brasil para se abastecer, que podemos relaxar a respeito.
Antes fosse assim, mas não é.
A fome, um problema planetário, agravou-se com a pandemia, com a guerra no leste europeu, com os eventos climáticos extremos (secas, queda de temperatura, geadas, enchentes) e com a insegurança sanitária.
É verdade que o Brasil está numa posição relativamente confortável em razão da revolução agrícola doméstica que começou na década de 70, meio século portanto. Uma longa e penosa jornada.
Esse desenvolvimento rural é que tem permitido a exportação do excedente dos produtos agrícolas brasileiros.
E por que devemos nos preocupar?
1. Porque os alimentos no planeta atingiram o maior nível de preços desde a década de 90. No Brasil não foi exceção.
2. Estima-se que trigo, milho e arroz, respondam por 40% das necessidades calóricas da humanidade e trigo e milho estão no meio do furacão provocado pela guerra russo-ucraniana.
3. Estima-se que 80% da população global viva em países incapazes de produzir os alimentos de que necessitam e por isso são importadores natos, sofrendo com os desequilíbrios vigentes.
4. Vivemos uma onda de instabilidade, cuja consequência é o estímulo ao armazenamento de alimentos em cada país, com o fim de ter segurança alimentar e conter a inflação.
Mas não é somente isso. Os estoques de passagem estão diminuindo, a cadeia de suprimentos para a produção de alimentos também está sob tensão, o preço da energia, frete, combustíveis, fertilizantes e defensivos também subiram.
Relaxar como, diante desse quadro?
No desespero alguns países se fecham. Proíbem, por exemplo, a exportação de alimentos. Não é por aí, a solução não é nacional, a solução é forçosamente global.
Nesse sentido, o Brasil, se tiver a sabedoria de construir estratégias de longo prazo poderá consolidar definitivamente a posição de supridor de alimentos do mundo. Consolidar ativamente, pois reativamente isso não acontece.
A fome tem que ser combatida com o aumento da produção de alimentos, tais como, grãos e proteínas de origem animal.
Restringir o comércio de alimentos através do fechamento das fronteiras ou do aumento de impostos é um desastre, tem-se que fortalecer os canais de escoamento da produção, com contratos sólidos e parcerias comerciais robustas, que estimulem a produção onde ela seja possível. No Brasil isso é possível.
O campo brasileiro precisa aproveitar o desarranjo vigente e se preparar, entre outras coisas, para as consequências da recuperação do plantel de matrizes de suínos na China, que foi abalado pela peste suína africana e que motivou a forte importação de proteínas de origem animal do Brasil.
Estar pronto para fornecer de forma consistente grãos e farelos para o consumo interno e externo.
Preparar lideranças que entendam a importância do mercado doméstico e cultivar o mercado externo, principalmente no Oriente Médio e na Ásia.
Diversificar, conquistar mais mercados, pulverizando os destinos de nossos produtos. A China é, sem dúvida, o grande parceiro comercial, mas diversificar mercados é um bom conselho. Difícil, mas possível.
Estabelecer diálogo, negociar, entender e ter inteligência comercial para não perder as conquistas obtidas e abrir novas frentes para exportar e importar.
Estar preparado para a disputa futura com prováveis concorrentes, tais como a Rússia, que tem potencial de produção semelhante ao do Brasil (daí a posição dúbia dos chineses com relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia).
Melhorar a imagem global do agro brasileiro, mostrar o esforço de um país pobre que deu a volta por cima, na produção de alimentos, de fibra e de energia renovável. Propagar que investiu pesadamente em pesquisa e desenvolvimento, na formação de profissionais e que em função disso produz com sustentabilidade e que restrições globais nos jogariam inexoravelmente da produção intensiva para a extensiva, com prejuízo para o ambiente. Mais colaboração e menos coerção.
O imprevisível e o inesperado andam juntos, é verdade, mas é possível prever diante dos fatos correntes, o que poderá acontecer e estar preparado para as oportunidades.
Esse é o desafio.
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