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Scot Consultoria

Pó de Rocha: tirando leite de pedra


Segunda-feira, 22 de agosto de 2022 - 10h00

Julia Zenatti é médica veterinária e Analista de mercado da Scot Consultoria.


Foto: Shutterstock


A rochagem é uma técnica antiga, conhecida pela aplicação direta de rochas moídas ou minerais ao solo. Nos dias de hoje, sua aplicação está sendo estudada em níveis técnico, econômico e ambiental, para que sua efetividade e viabilidade seja comprovada.

Popularmente conhecido como pó de rocha, o produto, considerado um remineralizador, é fabricado através de resíduos produzidos por mineradoras. Remineralizador é o material de origem mineral que sofreu redução apenas por processos mecânicos e, quando aplicado na agricultura como fonte de nutrientes, pode influenciar nos índices de fertilidade do solo através da adição de macro e micronutrientes na plantação (MAPA).

A rochagem, ou remineralização, é uma técnica de reposição de nutrientes no solo e seu uso tem a finalidade de promover melhorias físicas, físico-químicas ou atividade biológica, sendo uma alternativa ecológica aos fertilizantes convencionais. O material é rico em cálcio, magnésio, silício e, principalmente, em potássio, conjunto de nutrientes essenciais para o bom desenvolvimento das plantas.

Existem diversas variedades de rochas que podem ser aplicadas com esse objetivo, dentre elas podemos citar, por exemplo, o basalto (rico em Mg e Ca), granitos, gnaisses e sienitos (ricos em K) entre muitas outras.

Em 2016, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), publicou as Instruções Normativas 05 e 06 de 10 de março de 2016, normatizando o registro de uso e a comercialização dos remineralizadores, produto esse que já consta no Plano Nacional de Fertilizantes.

Aspectos positivos e negativos

Os fertilizantes inorgânicos solúveis são talvez os de maior importância e mais representativos na composição dos custos de produção, uma vez que, para o agricultor, o uso desses insumos está diretamente relacionado ao aumento da produtividade e, consequentemente, da lucratividade da atividade.

Quando devidamente manejado, o uso de pó de rocha como fertilizante na agricultura pode apresentar diversas vantagens.

A primeira delas é o baixo risco de lixiviação de nutrientes, caracterizado pela infiltração das águas nas camadas superficiais do solo transportando elementos para camadas mais profundas, podendo atingir o lençol freático. Os minerais que constituem o pó de rocha possuem baixa solubilidade, diferente dos fertilizantes industriais. Portanto, o fornecimento de nutrientes para o solo acontece de forma mais lenta, proporcionando menores perdas por lixiviação.

Entretanto, essa característica pode ser um entrave em culturas de ciclo curto. A utilização de remineralizadores é uma prática que visa resultados a médio e longo prazos e oferece efeitos mais duradouros, enquanto a adubação com fertilizantes inorgânicos solúveis requer uma nova aplicação a cada cultivo.

Também se destacam outras qualidades, como a diminuição da fixação de fósforo no solo, disponibilização de micro e macronutrientes importantes e reequilíbrio do pH do solo. As limitações estão relacionadas principalmente às quantidades consideráveis de produto necessárias para aplicação – no mínimo três toneladas por hectare. 

Por ser um material de fácil obtenção e não possuir etapas industriais em sua produção, o pó de rocha possui um menor valor agregado, sendo caracterizado como um insumo acessível e permitido dentro da agricultura orgânica. No entanto, deve ser levada em conta questões logísticas, uma vez que o número reduzido de mineradoras pode não suportar a demanda, sendo necessário trazer o produto de outras regiões, encarecendo o valor final.

O uso do pó de rocha na agricultura também contribui para minimizar um problema ambiental relacionado ao depósito do material, uma vez que observamos a conversão de um resíduo de mineradora, considerado um passivo ambiental, em uma fonte de adubo.

Uma alternativa à importação de fertilizantes

A maior necessidade de alterações de fertilidade da maior parte dos solos brasileiros atrelada a uma produção doméstica de fertilizantes deficiente, leva o Brasil ao título de 4º consumidor mundial de fertilizantes, representando cerca de 8% do consumo mundial do produto. 

A política que regulamenta o setor também contribui para esse painel. A eliminação da alíquota de importação para fertilizantes em 1997 contribuiu para esse cenário atrativo de importações do produto e desestimulou a produção nacional.

Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), das 45,8 milhões de toneladas de fertilizantes utilizadas no país em 2021, 85% eram importados.

O abastecimento de fertilizantes para a agricultura brasileira foi agravado com a guerra russo-ucraniana, uma vez que a Rússia é a principal fornecedora de adubos à base de potássio para o Brasil. Em 2021, das 39,2 milhões de toneladas de fertilizantes provenientes do mercado estrangeiro, 23% vieram da Rússia.

Comumente, na adubação de solos são utilizados adubos industriais. Além de fugirem do perfil sustentável, esses tipos de fertilizantes, que usam combustíveis fósseis nas fases de processamento e transporte, possuem valor de mercado vulnerável às flutuações cambiais e ao preço do petróleo no mercado internacional.

Visto a realidade em que estamos inseridos, estudos têm sido realizados para avaliar alternativas na produção de fertilizantes. É uma necessidade a busca por meios de produção de perfil sustentável, com custos mais baixos e que tragam menor dependência externa.

Conclusão

A demanda por alternativas ao uso de fertilizantes químicos solúveis alavancou em função dos recentes aumentos dos custos desses insumos, além do aumento da procura por fertilizantes alternativos e sustentáveis por nichos de agricultores orgânicos e agroecológicos.

Considerando que a rochagem é um recurso de baixo valor agregado, investimentos na técnica podem incentivar o desenvolvimento de um mercado local, minimizando, em parte, os impactos causados pela dependência da importação de fertilizantes.

Na audiência pública no Senado Federal (28/4), a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) promoveu um debate sobre a utilização dos remineralizadores como alternativa de manejo de solos. O representante da CNA informou que um estudo realizado pelo Serviço Geológico do Brasil em parceria com a Embrapa demostrou que existe a possibilidade de se produzir pó de rocha em todo o país com uma distância de até 300 km da área que será destinada para uso do insumo.

Desde março de 2021, o Confaz determinou, para vendas internas e interestaduais, uma alíquota de 1% para 2022 e que seria ampliada em um ponto percentual a cada ano, até atingir 4% em 2025. O que também se aplica a produtos estrangeiros, extinguindo a alíquota zero, estimulando o mercado interno de fertilizantes.

Portanto, por mais que a substituição total dos fertilizantes solúveis talvez não seja possível e/ou viável, integrar o uso dos materiais já disponíveis com essa nova tecnologia pode contribuir na atenuação de problemas relacionados a estrutura do solo, auxiliar na diminuição dos custos totais da produção e representar uma oportunidade de fortalecimento do abastecimento interno, amenizando a dependência de importações do produto.

Referências Bibliográficas 

BRANDÃO, Juliana Andréia Vrba. Pó de rocha como fonte de nutrientes no contexto da agroecologia. 2012. 

Canal Rural (Uso do pó de rocha pode ser alternativa para crise de fertilizantes). 

CNA Brasil (https://www.cnabrasil.org.br/assets/arquivos/boletins/PA-13_2022.pdf). 

CNN Brasil (Importação de fertilizantes pelo Brasil aumenta 440% de 1998 a 2021). 

DE PAULA MEDEIROS, Fernanda; CARDOSO, Irene Maria; DE SOUZA VIEIRA, Magno Schueng. Experimentação participativa com pó de rocha. Cadernos de Agroecologia, v. 15, n. 1, 2020. 

DETTMER, C. A. et al. Uso de "pó de rocha" em sistemas de produção agrícola: breve análise sobre viabilidade técnica. In: Embrapa Pantanal-Artigo em anais de congresso (ALICE). In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE GESTÃO DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO, 4., 2020, Naviraí. Anais... Naviraí: UFMS, 2020. 

DETTMER, Carlos Alberto et al. Agricultura e inovação: estudo sobre a viabilidade de uso do"pó de rocha" em sistemas de produção agrícola. 2019.


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