Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
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Em meados de novembro, foi anunciado o nascimento do oitavo bilionésimo ocupante do planeta Terra. A notícia suscitou novamente a dúvida se há lugar para tantos terráqueos ou, melhor, se nossa Terra é capaz de suportar tanta gente assim. Afinal, ocupamos espaços, demandamos energia, ar respirável, água potável e alimentos.
O medo da fome sempre assombrou a humanidade e, no final do século XVIII, parecia matematicamente inevitável, conforme previa a teoria malthusiana, segundo a qual o aumento da população criaria uma demanda de alimentos de alcance inexequível. O colapso previsto não ocorreu, em especial, graças aos avanços do conhecimento científico e à incorporação de tecnologia que permitiram um aumento na produção agropecuária muito acima do previsto.
Hoje, já está suficientemente claro que a produção de alimentos precisa ser feita com cautela, de maneira a evitar que as mudanças no ambiente não comprometam o funcionamento dos serviços ecossistêmicos que garantem a estabilidade dos sistemas ambientais. A ruptura dos ciclos naturais coloca em risco a produção de alimentos.
A previsão da ONU é que os 9 bilhões sejam atingidos até 2050 e os 10 bilhões, antes do final de 2100. Com mais restrições à vista, à medida que os ambientes naturais escasseiam, mais pressão é colocada no setor agropecuário que, ao mesmo tempo, tem que responder à maior demanda, mas com menores margens de manobra. Tudo isso em um contexto em que a fome ainda se faz presente de forma relevante, pois, atualmente, temos mais de 800 milhões de pessoas em privação alimentar.
Importante entender que as estatísticas indicam haver produção suficiente de alimentos para todos, mas a má distribuição da produção e, especialmente, a falta de renda restringem a aquisição de comida, sobretudo em países pobres. A distribuição desigual fica evidente pela ocorrência, concomitante de surtos de obesidade e fome, até mesmo em uma mesma localidade. Uma grande ironia completa esse triste cenário: a estimativa que, da colheita até o consumidor, mais de um terço do alimento produzido no mundo é desperdiçado.
Em seguida, dez opções para reduzir o risco do flagelo da fome, tanto hoje, como na trilha do 10°. bilionésimo habitante.
O preço dos alimentos costuma ser determinado pela lei da demanda e oferta e, assim, quando a oferta é alta os preços caem. O limite para a redução de preço corresponde às condições em que os produtores se consideram minimamente recompensados economicamente a produzir. Abaixo dele, a atividade inviabiliza-se. Nesse caso, a oferta cai, a demanda fica maior do que ela e há encarecimento do alimento. Com isso, mais pessoas se interessam em produzir, a oferta aumenta, o preço cai... e segue o ciclo.
O que o aumento na eficiência permite é, ao reduzir o custo de produção, ampliar a janela em que a atividade é viável economicamente, ou seja, mesmo mais barato, ele segue sendo produzido. Isso é particularmente aplicável à pecuária, cujo preço de venda depende do mercado e, nesse caso, o exemplo da decisão por confinar ou não a cada ano ilustra bem essa situação.
Assim, um produtor pode desistir de confinar o bovino cujo custo da arroba produzida esteja maior do que o valor previsto de venda. Todavia, caso ele seja apresentado a um aditivo que aumente 10% seu ganho ou reduza 10% a ingestão de alimentos com o mesmo desempenho pode refazer os cálculos e perceber que, agora, há margem positiva de ganho, decidindo confiná-lo.
Ao longo das cadeias de produção há relatos de perda de até mais de 40% de alimentos, o que tem feito brotarem iniciativas visando a redução do desperdício.
Na colheita de grãos, por exemplo, um melhor ajuste das máquinas e testes, que permitam quantificar as perdas antes da colheita, podem fazer grande diferença. O pastejo por curtos períodos dessas áreas recém colhidas permite que os grãos que tenham ficado no campo ainda sejam aproveitados pelos animais, que são eficientes na tarefa de resgatá-los.
No transporte, a pecuária tem um bom exemplo: a colocação de uma lance adicional horizontal no embarcadouro, logo após a rampa. Essa simples providência reduz o choque da garupa do bovino na parte superior da entrada do caminhão, evitando muito as perdas de carne por contusão. Isso, junto com motoristas bem capacitados, que seguem uma série de recomendações de como dirigir para causar menos estresse aos animais e evitar novas contusões, permite reduzir as perdas no transporte até o frigorífico.
Ainda na cadeia da carne, no caso da comercialização, a manutenção das peças com bom resfriamento, garante que o prazo de validade estabelecido se efetive. Por fim, ao ser usado na cozinha, perde-se em toaletes excessivas ou preparo inadequado, que podem ser revertidos com melhor capacitação dos manipuladores.
A lista dos alimentos que formam a base da alimentação mundial é extremamente pequena, especialmente se considerarmos o enorme número de opções que temos, mas ficam fora ao não se enquadrarem nos nossos hábitos alimentares. Por exemplo, ao contrário de brasileiros, mexicanos apreciam comer a palma forrageira como mais um ingrediente da saladas.
Para ir além dessa possibilidade de “aprender” a usar novos recursos alimentares com outros povos e culturas, há um movimento que visa incentivar a ampliação do nosso repertório alimentar. Ele busca reconhecer plantas comestíveis não convencionais (PANCs), que tenham bom valor nutricional e outros atributos, como boa palatabilidade, e possam cair no gosto dos consumidores. Alguns exemplos de PANCs que já tiveram algum sucesso: ora-pro-nóbis, chicória-do-campo, taioba, azedinha, peixinho, dente-de-leão, hibisco e serralha.
Além da vantagem trazida pela biodiversidade em termos agronômicos, como o fato de poderem ter resistências a determinadas doenças ou pragas, há chances de ganho nutricional da dieta, por enriquecimento de alguns nutrientes em teores mais elevados nesses alimentos.
Resíduos e coprodutos podem ser usados na alimentação de animais, reduzindo a necessidade de compra de alimentos mais caros. Os ruminantes, em particular, podem fazer uso de uma grande gama de resíduos e há casos de uso intenso de resíduos e coprodutos nas dietas.
Muitas vezes o limitante para o uso deles é a questão de logística ou de conservação. No caso da logística, novas tecnologias de geolocalização podem ajudar o uso, ao indicarem os meios, rotas, compartilhamento de cargas etc. que viabilizem esses alimentos em uma região maior do que só contando com os meios tradicionais de comercialização.
Comer insetos faz parte do hábito alimentar de alguns países, especialmente, na Ásia, portanto, uma das alternativas é seguir esse exemplo. Todavia, a produção crescente, devido aos bons resultados obtidos, vai mais no sentido de ser fonte de alimento para a nutrição animal, notadamente para aquicultura.
No rol de positividades, a produção é feita com base em resíduos e, assim, são resolvidos dois problemas ao mesmo tempo: mais recursos alimentares e menos lixo. Outro ponto importante que deve ser destacado é que, ao contrário da cena da pessoa colocando um inseto boca abaixo, o consumo para humanos deverá ser majoritariamente pela farinha dos insetos, incorporada como um ingrediente a mais, em alimentos processados.
As produções integradas, seja Lavoura-Pecuária (ILP), silvipastoril (IPF), ou Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), têm se mostrado como casos de sucesso, pois há muita complementariedade entre as atividades, bem como sinergias, que reduzem seu impacto ambiental.
O fato é que se produz mais por área, com a pastagem produzindo mais carne após a lavoura, a lavoura mais grãos depois do pasto. Adicionalmente, a mão-de-obra de uma atividade pode colaborar com a outra e as sombras das árvores melhoram o conforto térmico dos animais, ao mesmo tempo que se está diversificando a renda.
O aumento de área com sistemas integrados no Brasil de 2010 a 2020, passando de 5 para 17 milhões de hectares, dá uma boa ideia de como elas são atraentes, com a vantagem adicional de sua adoção ser possível mesmo para pequenos produtores.
Nela, o resíduo de um processo é o insumo da seguinte, fechando o ciclo em alguma parte do processo. Um exemplo pecuário seria o uso do esterco bovino como substrato para produzir uma alga que, em seguida, seria incorporada na ração dos animais confinados. O esterco do confinamento, então, seria levado às áreas de produção das algas, fechando o ciclo.
Além da redução de insumos, a circularidade também resolve o manejo dos resíduos. Uma outra oportunidade que pode ser considerada no futuro de economia circular seria o uso de farinha de carne e ossos calcinada retornando à dieta dos animais como fonte de cálcio e fósforo.
A TI pode ajudar ao otimizar não só uma unidade produtiva, mas toda uma região. A ideia seria implantar uma plataforma central com todas as informações de determinada região com dados sobre as fazendas, prestadores de serviço de transporte de bovinos, lojas de insumo etc. Ao cruzar os dados da plataforma, o sistema procuraria encontrar situações em que alguém com sobra de alimento poderia se juntar a outro com excesso de animais e propor um negócio em que ambos se beneficiariam em uma engorda conjunta dos animais.
Os algoritmos utilizados garantiriam o sistema como uma ferramenta justa e imparcial, de forma a quebrar resistências e permitir a otimização além das porteiras das propriedades.
Os avanços científicos têm se acelerado e trazido complexidades que desafiam nossa limitada capacidade mental. Para compensar isso, ferramentas sofisticadas de análises têm sido criadas, mas, mesmo elas acabam sendo limitadas pela capacidade interpretativa humana. A IA aparece como uma alternativa para contornar nossas limitações.
Um experimento realizado recentemente, em que um sistema de IA projetado para achar novas ligas metálicas foi sendo alimentado com informações sobre o assunto da década anterior ao tempo atual, tendo sido capaz de propor uma “nova” liga com alguns anos de antecedência em relação ao que realmente aconteceu.
Mais recentemente, a empresa Deepmind, criou uma plataforma baseada em IA, chamada Alphafold, que prevê a estrutura das proteínas com exatidão, o que já foi um enorme feito. Agora, a Deepmind anunciou que irá conseguir ampliar seu banco de dados de 1 milhão de estruturas proteicas para cerca de 200 milhões, o que representaria quase todas as proteínas catalogadas pela ciência hoje.
No caso da pecuária, um dos campos que pode se beneficiar muito da IA é a nutrigenômica, que promete uma nutrição feita sob medida para cada animal baseada na composição do seu genoma, o que, em tese, deve ser o ápice da eficiência alimentar. Importante que, muito antes de chegarmos a esse ponto, existirão benefícios ao conhecimento em nutrição pelo aprendizado ao longo do processo.
A educação entra aqui em várias vertentes. No patamar mais elementar, temos o efeito dela no aumento da renda média das pessoas que, por si só, resolve muito da questão de acesso à comida por poder de compra. Num nível mais elevado, temos o fator capacitante da educação com o qual as pessoas são capazes de fazer melhor uso dos recursos, reduzindo, por exemplo, o desperdício de alimentos. Com um pouco mais de elaboração, pode-se compreender o efeito das suas ações em relação à sua saúde e ao ambiente, permitindo fazer escolhas sobre o que é melhor consumir.
Por fim, em um nível mais sofisticado de educação, serão as pessoas que assumirão papéis na pesquisa, desenvolvimento e inovação e, nesse caso, podem colaborar para a ocorrência de grandes avanços, como no exemplo acima da empresa Deepmind.
Importante ressaltar que o sucesso desse último nível é dependente dos sucesso nos níveis mais básicos de educação, com especial ênfase para os primeiros ano da infância. Quanto mais inclusiva for a educação, mais teremos possibilidade de descobrir talentos, além de, ao juntar pessoas criadas em realidades distintas, criar um caldo de cultura favorável à inovação.
Obviamente, com esses dez itens não se tem a pretensão de esgotar as alternativas à produção de alimentos, mas apenas apresentar uma coleção relevante para o desafio de alimentar tantas bocas.
A relevância de darmos soluções para mais alimento com menos impacto ambiental é muitas vezes lembrada, pois temos apenas nosso planeta para morar e, portanto, não existiria plano B.
De fato, ainda não há, mas há um candidato a plano B: Marte. Nos planos para torná-lo habitável, serão as plantas que produzirão o oxigênio para formar sua atmosfera, ou seja, será graças ao agro que a humanidade terá chance de, enfim, ter um segundo endereço.
Como há uma longa jornada até lá, melhor ir exercitando com o que temos e incorporando novas formas de fazer, cada vez mais eficientes, para chegarmos lá sem maiores sobressaltos.
Pecuária feita por mulheres - Episódio 8 - Carolina Barretto
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