Engenheiro agrônomo e mestre em solos e nutrição de plantas pela ESALQ-USP. Com atuação profissional desde 1985 em pesquisa e desenvolvimento em sistemas de produção agrícola em empresas nacionais e multinacionais, trabalhou por 24 anos na geração dos principais herbicidas para pastagens hoje no mercado. Atualmente, é consultor independente, fundador da NTC ConsultAgro, focado no manejo da vegetação em pastagens, reflorestamentos e áreas não agrícolas.
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A crescente migração de áreas de pastagens em lavoura e o emprego das técnicas de integração (ILP – Integração Lavoura-Pecuária, ILPF – Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e IPF – Integração-Pecuária-Floresta) têm trazido, com frequência, a pergunta sobre o efeito residual de herbicidas empregados nas pastagens e sua interferência nas culturas cultivadas em sucessão ou integração.
É um questionamento de grande importância e discutiremos em detalhes esses aspectos no presente artigo, tentando trazer esclarecimento aos nossos leitores.
Toda preocupação sobre o efeito residual de herbicidas empregados em pastagens e suas implicações em lavouras sensíveis em rotação, sucessão ou integração, recaem essencialmente sobre duas moléculas: picloram e aminopiralide, que são de extrema importância para o setor. Amplamente utilizadas no controle de plantas daninhas de folhas largas em pastagens, dada suas excelentes performances nesse controle, estão presentes em um grande número de produtos registrados e comercializados para pastagens.
O picloram é apresentado em alguns produtos em composição única, normalmente empregado para o controle de plantas daninhas lenhosas no sistema corta e aplica, também conhecido como aplicação no toco. Mas também, principalmente, na composição de formulações em mistura com 2,4-D ou fluroxipir e, mais recentemente, em misturas triplas com aminopiralide + triclopir e aminopiralide + fluroxipir.
O aminopiralide não possui formulação isolada no Brasil e está presente em produtos também com 2,4-D ou fluroxipir e nas misturas triplas citadas anteriormente, no caso com picloram + triclopir e picloram + fluroxipir.
A característica principal de picloram e aminopiralide, que os caracteriza como residuais, se dá pela meia-vida destas moléculas no ambiente, principalmente no solo. Podemos definir como meia-vida de uma molécula o período entre a aplicação e o momento que se encontra metade da quantidade previamente aplicada. Essa diminuição da quantidade de produto no ambiente, se dá pela degradação natural, podendo se dar através da hidrólise (quebra pela água), fotólise (degradação pela luz solar), degradação microbiana através dos microrganismos do solo ou pela retenção nos colóides do solo, principalmente constituídos pela matéria orgânica e argila.
O tempo de meia-vida do picloram é bastante variável, citado na literatura entre 20 e 300 dias, com média de 90 dias. Do aminopiralide, de 34,5 dias, para 8 locais na América do Norte e 25 dias para 4 locais na Europa, contudo as empresas que comercializam produtos contendo estas moléculas recomendam a carência de 2 a 3 anos entre a aplicação e a rotação com culturas sensíveis, como: algodão, soja, amendoim, feijão e eucalipto, entre outras dicotiledôneas ou folhas largas.
A principal rota de dissipação do picloram e do aminopiralide, no solo, se dá pela degradação microbiana, o que nos dá uma importante informação, a degradação será influenciada por três fatores: dose aplicada, temperatura e umidade do local.
Entendendo o solo como um organismo vivo, dado sua macro e microfauna, a atividade microbiana do solo está diretamente ligada à disponibilidade dos fatores vitais, neste caso umidade e temperatura. Seria de se esperar que nas condições tropicais, na qual estes fatores são abundantes, a atividade microbiana fosse maior e, por consequência, o consumo destas moléculas pelos microrganismos também, com menor efeito deletério sobre as culturas mencionadas, porém nenhum fornecedor de produtos com estas moléculas irá fugir da recomendação prescrita em suas bulas, que advertem sobre este período de carência, mas fica este fator para considerarmos na prática.
Em relação à dose aplicada, também há que se considerar que uma aplicação de 200 a 300 g/ha de picloram exercerá influência por um período maior que se utilizado metade disto, ou menos, muitas vezes empregados comercialmente. São bastante frequentes aplicações inferiores a 100 g/ha desta molécula em pastagens.
As moléculas de 2,4-D, fluroxipir e triclopir, que são igualmente importantes como herbicidas de pastagens, possuem residuais menores no solo, com meia-vida entre poucos dias e 2 a 3 semanas, porém a principal característica que tranquiliza sob o aspecto de rotação de culturas pós aplicação se dá pela forma como estas moléculas entram na planta, que diferentemente do picloram e aminopiralide, que são absorvidos pelas folhas e raízes, o 2,4-D, fluroxipir e triclopir são absorvidos predominantemente pelas folhas.
A comprovação deste atributo nessas moléculas se dá pelo uso de 2,4-D em dessecação, pré-plantio da soja, em até menos de uma semana. No caso do triclopir e fluroxipir, elas têm entrado também nesta prática de aplicação pré-plantio da soja, porém com prazos um pouco maiores entre aplicação e plantio, da ordem de 3 semanas, salientando que se tornaram importantes alternativas no manejo de controle de buva, picão-preto e outras plantas daninhas tolerantes, ou que adquiriram resistência ao herbicida glifosato, no complexo da soja. Outro exemplo se dá no uso de produtos contendo triclopir e triclopir + fluroxipir no controle de brotos em sub-bosque de florestas estabelecidas de eucalipto ou pinus, em nada prejudica o desempenho das árvores ao lado, desde que não atingidas em suas folhas.
O metsulfuron-metil, cujo uso tem sido crescente nos últimos anos nas pastagens, possui meia-vida bastante ampla na literatura, citando entre 30 e 120 dias. Além de possuir um mecanismo de ação diferente das cinco moléculas citadas: 2,4-D, picloram, triclopir, fluroxipir e aminopiralide, que são mimetizadores auxínicos, o metsulfuron-metil é um inibidor da enzima ALS, porém não é o caso de avançarmos em mais detalhes relativos a esta característica neste artigo. Do ponto de vista prático, as companhias que comercializam produtos contendo metsulfuron-metil advertem para aguardar o prazo de 90 dias após a aplicação para o plantio de girassol e algodão, 70 dias para milho e 60 dias para soja e feijão.
Nas áreas de pastagens candidatas à rotação com culturas sensíveis e que possuem potencial, ou existência comprovada de picloram e aminopiralide, a alternativa para suceder a pastagem recai sobre as culturas com plantas monocotiledôneas, como: cana-de-açúcar, milho, sorgo, aveia, arroz e trigo.
Muito frequentemente somos consultados sobre a possibilidade, ou necessidade, de entrada de agricultura em áreas de pastagens, onde estas moléculas foram usadas, e tranquilizo sobre o plantio destas culturas.
Com grande frequência, também somos consultados sobre laboratórios que realizam análises de solo para determinar a existência de picloram ou aminopiralide no solo e prevenir problemas em culturas susceptíveis em rotação.
Não é uma lista grande de laboratórios que realizam estas análises, entre instituições públicas e privadas, principalmente Universidades e entidades de pesquisa, mas advirto sobre alguns pontos envolvendo informações através destas análises. Primeiro é a coleta das amostras que não é simples, deve ser realizada com trados e outros utensílios de amostragem descontaminados e em número de subamostras representativas para compor uma amostra. A análise em si tem um custo importante, inviabilizando ao pecuarista comum grandes coletas de amostras, outro ponto importante: o tempo entre envio, análise e recebimento dos resultados, muitas vezes demorados, ultrapassam a necessidade do momento, assim tenho dado uma sugestão em toda oportunidade que tenho e pretensiosamente a classifico como uma “dica de ouro”: relativamente precisa, rápida e sem custos.
Trata-se do bio-ensaio, no qual a planta nos mostra se há resíduo importante, ou não, de picloram e/ou aminopiralide. Funciona da seguinte maneira:
- Colete solo da área candidata a receber a nova cultura. Realize amostragem da camada de até 20 cm de profundidade, em diversos pontos distribuídos por toda a área, pelo menos 10 a 15 pontos, acumulando um volume de solo de pelo menos 5 a 8 litros, que permita encher uma caixa, ou bandeja plástica, para posterior plantio de sementes;
- Colete o mesmo volume de solo em uma área próxima, uma mata, ou outra área onde seguramente se sabe que não houve aplicação de produtos, para efeito comparativo;
- Plante sementes da cultura desejada (soja, feijão ou algodão), em ambas as bandejas, espere a germinação das sementes e observe se há sintomas de encarquilhamento das folhas, clorose ou má formação das plantas na bandeja com o solo da área de interesse. Se preferir podem ser utilizadas sementes de pepino, uma planta extremamente sensível a resíduos destes herbicidas.
Em um prazo bastante curto de 10 a 15 dias, sem custos, obtém-se essa informação.
Em dezembro de 2021 lançamos o livro “Plantas daninhas em pastagens: biologia, manejo e controle”, no qual discutimos de forma detalhada o tema dos herbicidas, plantas daninhas e suas interações com a pecuária, através de linguagem técnica, mas aplicada à realidade prática da fazenda, consulte em nosso site: www.ntcconsultagro.com.br.
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