Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
Esse artigo foi baseado em palestra apresentada em 10/5/23 na Interleite Sul, em Chapecó-SC.
A agricultura regenerativa tem ganhado espaço ultimamente. Apesar do termo ter sido cunhado há quase 50 anos, ao final dos anos 1970, ficou esquecido até ser resgatado depois de 2016, com a adoção por várias ONGs (The Nature Conservancy, The World Wildlife Fund, GreenPeace, Friends of the Earth) e empresas multinacionais (Danone, General Mills, Kellogg’s, Patagonia, The World Council for Sustainable Business Development).
A produção acadêmica sobre o tema era irrelevante, com apenas sete trabalhos publicados em revistas científicas entre 1986 e 2016. Contudo, entre 2016 e 2020, foram 52, conforme levantamento de pesquisadores europeus (Giller et al., 2021).
Como o termo tem origem na língua inglesa, na qual “agriculture” incluiu agricultura e pecuária, nesse texto, usaremos o termo “agropecuária regenerativa”, abreviada por AR.
A questão é que há muitas definições para AR, como os dois exemplos abaixo:
“Abordagem que usa a conservação do solo como o ponto de entrada para regenerar e contribuir para a provisão múltipla, regulando e apoiando serviços ecossistêmicos para melhoria ambiental e nas dimensões social e econômica da produção sustentável de alimentos”. (Schreefel et al., 2020)
“Forma alternativa de produção que valoriza e restaura sistemas resilientes sustentados por processos ecossistêmicos funcionais e solos orgânicos saudáveis capazes de produzir um conjunto completo de serviços ecossistêmicos, como sequestro de carbono no solo e retenção de água no solo.” (Kenny et al, 2022)
Além disso, cada grupo defende o que deve ser considerado como necessário, recomendável ou proibido de ser feito. Por exemplo, em alguns casos, há necessidade de ser estritamente orgânica, enquanto para outras é aceitável o uso parcimonioso de agroquímicos.
Portanto, não há uma AR, mas muitas versões dela. Todavia, do ponto de vista agronômico os dois desafios mais frequentemente ligados à Agricultura Regenerativa, segundo Giller et al. (2021), seriam:
1. Restauração da saúde do solo, incluindo a captura de carbono (C) para mitigar as mudanças climáticas;
2. Reversão da perda de biodiversidade.
Esses mesmos autores afirmam que a AR se esforça para se diferenciar, mas que varia pouco em relação às propostas de boas práticas agrícolas, como manutenção de cobertura de solo, rotação de cultura, sistemas integrados, consórcios etc.
Neste texto, vamos abordar algumas dessas práticas, que podem ser usadas por qualquer interessado, sendo um caminho para ficar mais perto de alguma versão de AR, inclusive a sua própria. São elas: (1) Sistemas integrados (agrossilvipastoril, agropastoril e silvipastoril), (2) Consórcio gramínea-leguminosa, (3) Bioinsumos (inoculantes, controle biológico) e (4) Reciclagem de dejetos.
A palavra-chave para explicar o sucesso dos sistemas integrados é sinergia, que é quando o todo (obtido com a integração) é maior do que a soma das partes (feitas isoladamente). De forma geral, a agricultura melhora fertilidade, enquanto a pecuária melhora a parte biofísica do solo. Por fim, o componente florestal (árvores) aumenta a biodiversidade e o bem-estar animal, ao prover sombra e um ambiente mais ameno no verão e, até proteção ao pasto em caso de geada, uma vez que as áreas de forragem sobre a influência das copas das árvores são menos prejudicadas na ocorrência desse evento.
No coração dos sistemas integrados, está o aumento de matéria orgânica por conta das raízes profusas e profundas das nossas forrageiras tropicais. O aspecto de cabeleira ajuda na estruturação do solo, aumentando os agregados, o que confere maior porosidade e maior capacidade de infiltração da água. A melhor infiltração de água e melhor estrutura do solo reduzem as perdas por erosão. As raízes da pastagem e da cultura que a acompanha (em geral, milho e soja) acabam conseguindo se aprofundar mais e conseguem fazer mais e melhor uso dos nutrientes e da umidade do solo, ao explorar maior volume de solo com mais matéria orgânica. Há, por exemplo, aumentos de 5% a 20% na produção de soja após pastagem, em relação ao sistema solteiro. Para a pecuária, por sua vez, na entrada da seca temos pastos com qualidade similar às da época das águas, o que melhora o desempenho e a capacidade de suporte da fazenda.
O C no solo acumula-se pelo aumento da matéria orgânica devido ao crescimento e morte de raízes das forrageiras com valores de até 3,0 toneladas de C por hectare por ano. Dados obtidos na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica mostram que, solos sob pastagens bem manejadas ou em sistemas de ILP, os teores de C são semelhantes ou até maiores do que da vegetação nativa.
Já os sistemas com árvores são os que mais têm chance de sequestrar C, com valores entre 5 t/ha a 18 t/ha de CO2 eq/ano, o que equivaleria à neutralização da emissão de gases efeito estufa (GEE) de cerca de 12 bovinos adultos/ha/ano. Trabalho recente, da Embrapa Pecuária Sudeste, mostrou que o carbono fixado no tronco das árvores permitiu a neutralização das emissões de CO2 eq. de 9,4 UA/ha (uma UA é um animal com 450 kg de peso).
Ele não tem as emissões de GEE por geração de CO2 fóssil de gás natural usado na fabricação e aplicação de fertilizantes nitrogenados, graças à fixação biológica nitrogênio (FBN) que pode equivaler a mais de 100 kg/ha/ano.
São reportados, na literatura, aumentos de 25% até 130% na produção da gramínea no consórcio e maior produção de carne por hectare de até 34%. A melhor cobertura do solo, obtida com o consórcio gramínea-leguminosa, reduz bastante a perda de solos por erosão, especialmente em solos arenosos, nos quais a produção pecuária muitas vezes é viabilizada apenas com o uso de leguminosas.
De maneira semelhante ao comentado no item anterior, as raízes das leguminosas ajudam em maior exploração do solo, de maneira distinta, pois anatomicamente são bem diferentes, pois são mais pivotantes que profusas.
Compostos secundários, presentes nas leguminosas, como os taninos, podem reduzir produção de metano entérico. Em um trabalho finalizado ano passado, na Embrapa Pecuária Sudeste, sobre o consórcio de guandu e braquiárias, obteve-se uma redução de intensidade de emissão de metano de 70%, sendo a intensidade de emissão a expressão em quilogramas de metano emitido por quilograma de produto.
Os inoculantes biológicos já são uma realidade no campo, ainda que a adoção seja recente, microrganismos como o Azospirillum brasilense e Pseudomonas fluorescens têm apresentados excelente resultados em pastagens, com aumento médio de mais de 20% na produção de forragem. Explicam esses resultados: maior crescimentos das raízes e, consequentemente, maior capacidade de explorar a água e nutrientes do solo. Por isso, esses inoculantes induzem tolerância das plantas aos estresses abióticos, como a falta de umidade no solo.
O uso deles tem mostrado, também, aumento no teor de nitrogênio (N), de fósforo (P) e de potássio (K) na biomassa da forragem, ou seja, o valor nutricional da forrageira aumenta. Para os ruminantes, como os bovinos, o N na forragem é o mesmo que proteína, os microrganismos ruminais são capazes de transformar esse N não proteico em proteína verdadeira de elevado valor biológico.
Os trabalhos mostram que há uma equivalência de uma adubação de 40 kg de N/ha ao se usar esses inoculantes, todavia a recomendação não seria necessariamente substituir um pelo outro, pois há uma sinergia entre ambos, pois o adubo é mais bem aproveitado quando do uso conjunto com os inoculantes.
Há bastante trabalho de pesquisa em bioinsumos no Brasil e, em função da nossa prodigiosa biodiversidade e das novas técnicas de manipulação genética, podemos esperar ainda muitos produtos nessa linha, com cada vez maior capacidade de aumentar a produção e de reduzir a necessidade de recursos externos, algo que está no cerne da AR.
O controle biológico possui um histórico de sucesso no Brasil, mas houve um aumento das opções nos últimos tempos, bem como melhoria das formulações e/ou estratégias de aplicação. No caso desta última, inclusive, com o exemplo do uso de drones para a soltura de inimigos naturais.
Apesar do custo de compra ainda ser bastante competitivo com os praguicidas sintéticos e ainda ser um fator de redução de custo, a diferença tem diminuído. Para ser efetivo e conseguir essa redução de custo, é necessária maior gestão no momento da aplicação, seja por acertar melhor o momento da aplicação, como pelo fato de haver maior dependência das condições ambientais para que a aplicação seja bem sucedida.
Além da possível redução de custo, o menor desequilíbrio ambiental, causado com seu uso, permite a manutenção de maior biodiversidade, ou seja, há maior probabilidade de haver inimigos naturais da próxima praga que pode vir na sequência do que se está controlando. Esse é um dos motivos que, talvez, mais justifiquem o uso do controle biológico.
Apesar de haver um custo de implantação para fazer a reciclagem de dejetos dos animais, com necessidade de compra de máquinas, implementos, construção de lagoas de decantação etc., já há grandes fazendas que usam largamente a adubação orgânica substituindo quase toda adubação química, o que é um bom indicativo que é compensador. Isso ficou ainda mais evidenciado após a invasão da Ucrânia pela Rússia e os efeitos que esse conflito teve no preço dos fertilizantes.
O manejo e a boa distribuição são um grande desafio, especialmente porque se está falando em mudar de quilogramas por hectare, no caso dos adubos químicos, por toneladas por hectare com o uso de dejetos. A questão é que a adubação traz um grande benefício na melhoria das qualidades biofísicas do solo. Quase todos os benefícios descritos para a incorporação das raízes das forrageiras são obtidos com a adubação orgânica.
Um problema relatado com frequência é a concentração da distribuição perto da origem do estoque de dejetos, feito para “economizar” energia e tempo. Além de deixar as áreas mais distantes sem a adubação, o excesso de nutrientes pode causar problema onde se está promovendo o acúmulo.
Em sistemas que tenham a produção de dejetos de maneira viável de serem coletados por todo ano, ou seja, animais confinados, há a opção de geração de biogás que pode ser usado na propriedade como fonte de energia. Havendo possibilidade de fazer maiores investimentos, pode-se criar a estrutura para produzir biometano, que nada mais é do que a concentração do metano presente no biogás. Ele igualmente pode ser usado na propriedade, mas tem mais chance de poder ser comercializado.
Uma vantagem adicional é a possibilidade de compostagem de cadáveres dos animais, com redução no risco sanitário.
Agropecuária regenerativa, se muito restritiva, reduz produtividade, necessitando maior área para suprir a mesma demanda, o que pode colocar a perder os benefícios ambientais locais, quando se considera o todo.
Importante que fique claro que há várias práticas regenerativas disponíveis, que são viáveis e com boa relação benefício:custo favorável, portanto com toda chance de serem incorporadas em sistemas convencionais, aproximando-os da AR. Até porque o uso conjunto de práticas de agropecuária regenerativa e convencionais pode ser uma opção ainda mais vantajosa do que se usar apenas uma ou outra, como no caso do exemplo do uso de inoculantes de pastagem e a adubação química que produzem mais juntos.
Fica claro, também que a transição da agropecuária convencional para agropecuária regenerativa mais estrita, que impeça o uso de agroquímicos, por exemplo, depende de agregação de valor no produto, pois é bem difícil manter a produtividade nessa situação e o produto acaba sendo mais caro por unidade produzida. Por outro lado, conciliar práticas que reduzam “inputs” é bom ao ambiente e podem aumentar a margem de lucro ao reduzirem os custos.
Talvez a mensagem mais importante seja que agropecuária regenerativa não deve ser uma volta ao passado, mas, com uso intensivo de tecnologia, ser o caminho para um futuro melhor para o produtor rural e para toda sociedade.
A tabela 1 sintetiza e complementa os principais desafios e as melhores oportunidades para cada uma dessas práticas.
Tabela 1.
Síntese dos principais desafios e oportunidades para cada uma das práticas apresentadas.
Fonte: Sergio Raposo de Medeiros
Referências
Giller, K. E., Hijbeek, R., Andersson, J. A., Sumberg, J. (2021). Regenerative Agriculture: An agronomic perspective. Outlook on Agriculture, 50(1), 13–25. https://doi.org/10.1177/0030727021998063
Kenny, D.C.; Castilla-Rho, J. What Prevents the Adoption of Regenerative Agriculture and What Can We Do about It? Lessons and Narratives from a Participatory Modelling Exercise in Australia. Land 2022, 11, 1383. https://doi.org/10.3390/land11091383
Schreefel L, Schulte R.P.O., de Boer I.J.M., et al. (2020) Regenerative agriculture – the soil is the base. Global Food Security 26:100404.
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