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Cadeia dominial e bloqueios de matrículas


Segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024 - 06h00

Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.



Em maio de 2023, a justiça baiana determinou o bloqueio de matrículas de imóveis localizados no Oeste da Bahia, por solicitação do Governo do Estado numa ação distribuída em dezembro de 2022. Provocado por comunidades que denunciaram uma suposta invasão de terras em tempos passados, através da averbação de áreas de reserva legal no território da comunidade, totalizando 11,2 mil hectares de matrículas sobrepostas entre os envolvidos.

Os problemas com irregularidades de matrículas pelo Brasil tiveram como origem a Constituição Federal de 1891 que transferiu para os Estados federados o seu domínio sobre as terras devolutas da União, descentralizando poderes antigo Império, onde as propriedades pertenciam à Portugal e passaram ao patrimônio público brasileiro, de forma que as terras devolutas são consideradas por exclusão àquelas terras não tituladas.

Em outras palavras, terras devolutas, aquelas devolvidas ao Estado, já que havia muita insegurança jurídica com relação aos documentos de imóveis rurais, com matrículas criadas em cartórios sendo sucessivamente negociadas ou transmitidas, porém, algumas originadas em registros paroquiais, sesmarias, caracterizando conflitos de terras principalmente em estados do Centro-Oeste e Norte do país.

Em resumo tal situação só mudou em 1850 com o sistema da compra das terras devolutas através da Lei de Terras, regime jurídico posteriormente modificado pelo registro de terras devolutas em nome de um ente federativo, como prevê o Decreto-lei 9.760/46 e a inclusão de terras devolutas como patrimônio público pela Constituição Federal de 1988, indisponíveis enquanto não discriminadas.

E é exatamente este termo que deu origem às chamadas “ações discriminatórias”, declaratória, de natureza pública, para discriminar ou distinguir terras públicas das terras particulares que passaram e continuam passando ilegalmente ao domínio particular, impedindo o domínio destas áreas por usucapião, como também impondo a nulidade de registros imobiliários que não são aptos a transferir a propriedade.

O procedimento discriminatório é regrado pelas Leis Federais 3.081/1956 e 6.383/1976, ainda vigentes, aplicadas às terras devolutas da União e extensivamente dos Estados, com um pedido que acompanha o memorial descritivo da área, os confinantes, certos ou aproximados, o rol das propriedades conhecidas dentro do polígono do objeto da ação discriminatória, o esboço da gleba a ser discriminada etc.

Judicialmente é nomeado perito para demarcar e estudar estas áreas com suspeita de ausência de origem documental, convocando todos os proprietários para apresentação de documentos, montando a cadeia dominial até que chegue à origem da área. A qual, se não identificada, será considerada terra devoluta, tanto uma propriedade como também em uma região inteira, criando matrícula em nome do Estado, quem fará regularização das ocupações atuais.

No Brasil, infelizmente até o passado é imprevisível, o que é reflexo de imprecisões documentais como se observa ao buscar o histórico de muitas áreas, em que matrículas antigas possuíam medições eram imprecisas, gerando as conhecidas diferenças de áreas identificadas nas negociações e desmembramentos, sendo que agora medições possuem segurança jurídica, principalmente procedimento de certificação do georreferenciamento, junto ao INCRA.

Portanto, para garantir maior segurança jurídica de toda a cadeia dominial de uma área é importante submeter uma consulta ao órgão público estadual fundiário ou instituto de terras do estado, solicitando verificação da área com relação ao banco de dados de terras devolutas, onde serão verificados mapas e demais ferramentas, como registros de imóveis de uma ou mais cidades para averiguar todas as informações.

Caso a área não esteja sobreposta com terra devoluta e a origem seja duvidosa, cabe ação de usucapião, do contrário, em se tratando de terras públicas devolutas, segundo a Constituição Federal não cabe ação de usucapião, devendo o interessado buscar regularização perante o ente público responsável pela titulação.

Sendo assim, a premissa é a de que deve ser realizada a “regularização fundiária por ocupação” desde que haja posse mansa e pacífica, comprovados por meio de documentos como as cartas de anuência de vizinhos e outros meios de prova, seguindo uma tramitação muitas vezes demorada, por meio do parecer de vários órgãos e secretarias estatais, como também uma vistoria ao local.

É bastante óbvia a importância da documentação regular da propriedade rural, para todas as atividades e finalidades comerciais, fundiárias, ambientais, bancárias, possessórias, sucessórias, imobiliárias, enfim, a liberdade de usar e dispor deste imóvel rural.


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