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Scot Consultoria

Manejando o pastejo parte 4


Sexta-feira, 31 de maio de 2024 - 06h00

Zootecnista, professor em cursos de pós-graduação nas Faculdades REHAGRO, na Faculdade de Gestão e Inovação (FGI) e nas Faculdades Associadas de Uberaba (FAZU); Consultor Associado da CONSUPEC - Consultoria e Planejamento Pecuário Ltda; Investidor nas atividades de pecuária de corte e de leite.



Nos artigos das edições do último trimestre de 2023, escrevi sobre os fundamentos do manejo do pastoreio nos métodos de pastoreio de lotação continua (1 piquete por lote de animais) e de lotação intermitente, nas modalidades alternado (2 piquetes por lote de animais) e rotativo (no mínimo 3 piquetes por lote de animais).

Entretanto, no artigo da edição de dezembro de 2023, escrevi sobre as metodologias e protocolos de pesquisas que estabeleceram a condição alvo de pré-pastejo (ou altura do pasto na entrada dos animais no piquete). Ao contrário do método de pastoreio de lotação continua, no qual é mantido apenas uma altura média de pastejo, nos métodos de lotação intermitente maneja-se o pastejo com duas alturas alvos: a de pré-pastejo e a de pós-pastejo (altura do pasto na saída dos animais do piquete ou altura de resíduo pós-pastejo).

O objetivo deste artigo é descrever as metodologias e os protocolos de pesquisas que estabeleceram as alturas do pasto na retirada dos animais do piquete. Para tal, avalia-se as respostas dos principais componentes de um sistema de pastagens, a planta forrageira e o animal herbívoro (aqui, o bovino), a diferentes regimes de desfolha (diferentes intensidades de pastejo).

A desfolha (por pastejo ou por corte) provoca um intenso estresse na planta forrageira provocando a interrupção do crescimento de novas raízes no seu sistema radicular 24 horas após o rebaixamento de 50,0% da sua área foliar. A interrupção do crescimento de novas raízes permanece por aproximadamente duas semanas, independente da intensidade de desfolha (intensidade de pastejo), podendo ser alta (superpastejo ou pasto rapado), média (pastejo ótimo) e baixa (subpastejo, pastejo leniente ou “pastejo de ponta”).

Após duas semanas de descanso do piquete, há o reinício no crescimento de novas raízes, entretanto, a taxa de crescimento (mg de raízes/decímetro cúbico de solo) chega a ser 2,7 a 3,7 vezes maior nas condições de pressão de pastejo média e baixa, respectivamente, do que na condição de pressão de pastejo alta. Na condição de alta pressão de pastejo seria necessário deixar o piquete em descanso por, pelo menos, mais duas semanas do que nas condições de pressão de pastejo média e baixa para que a taxa de crescimento de novas raízes se igualasse.

A interrupção no crescimento de novas raízes, independente da pressão de pastejo, ocorre porque a planta prioriza o crescimento da parte aérea em detrimento do crescimento da sua parte subterrânea. Fisiologicamente a planta prioriza o crescimento da parte aérea para a recuperação do índice de área foliar por meio da rebrota, para restabelecer o processo de fotossíntese, que é vital para ela.

Logo após o pastejo, reservas de carboidratos (amido, sacarose etc.) e reservas nitrogenadas são mobilizados do sistema radicular, da coroa da planta e do resíduo pós-pastejo, para a formação de novas folhas. Na primeira semana após o pastejo, 70 a 80% do nitrogênio (N) que aparece na composição da rebrota tem sua origem nas reservas nitrogenadas armazenadas na raiz e na coroa da planta, como também de N translocado a partir do resíduo pós-pastejo.

Por causa desta prioridade, dada ao crescimento da parte aérea, o estresse causado pela desfolha é de quatro a oito vezes mais intenso sobre o crescimento do sistema radicular do que sobre o da parte aérea.

Se o pastoreio é intenso (pasto rapado, planta muito desfolhada, superpastejo) e frequente (curtos intervalos entre desfolhas), as reservas de carboidratos e as nitrogenadas vão se esgotando, levando a planta à morte ou, pelo menos, a um baixo vigor de rebrota, perda de competitividade com as plantas daninhas, baixa tolerância a estresses abióticos (extremos de temperatura e umidade) e bióticos (ataques de pragas e doenças), sendo uma das principais causas da degradação da pastagem.

Quanto maior for a intensidade de pastejo, maior é a dependência da planta por nutrientes que devem estar no solo e, para tal, este tem que ter fertilidade natural alta e muito alta, ou devem ser aplicados por meio de adubações. Entretanto, a maioria dos solos sob pastagens brasileiras têm fertilidades muito baixa e baixa. Nesta condição, sem correção e adubação do solo, recomenda-se que a pressão de pastejo seja baixa, com baixa intensidade de desfolha (pastejo leniente ou “pastejo de ponta”) para prevenir a degradação da pastagem.

O componente animal herbívoro também apresenta diferentes respostas à diferentes regimes de desfolha. Pesquisadores conduzindo experimentos em pastagens de clima temperado, tropical e subtropical, com animais puros europeus, puros zebuínos e seus cruzamentos, chegaram às mesmas conclusões: a taxa de ingestão (g de matéria seca ingerida por segundo ou minuto) se mantém máxima e constante até o pasto ser rebaixado numa proporção que corresponde entre 33 a 40% da altura de entrada.

Em experimentos em que animais rebaixaram entre 28 a 40% da altura de entrada do pasto, o ganho médio diário (GMD) foi entre 150 a 263 g maior que nos tratamentos em que os animais permaneceram no piquete até rebaixarem 60 a 67% da altura de entrada do pasto. Entretanto, para que a pressão de pastejo fosse diminuída, as taxas de lotação foram reduzidas em 17 a 27%.

Aqui você me pergunta, mas a produtividade de carne por hectare não caiu? Não! As produtividades de carne foram iguais a até 67,8% maiores nos tratamentos com menor pressão de pastejo, o que correspondeu a 1,3, a até 14,1@, a mais por hectare.

Com base nestes resultados experimentais e já validados em fazendas comerciais, foi possível elaborar a tabela1. Parte desta tabela foi apresentada na edição de dezembro de 2023, mas apenas com as alturas alvos de entrada. Agora foi complementada com três alturas de saída (alturas pós-pastejo ou alturas de resíduo pós-pastejo).

Tabela 1.
Alturas alvos de entrada e saída no pasto para gramíneas forrageiras em pastoreios de lotação alternada e rotativa.

Elaborado por Adilson Aguiar.
*1: para pastagens em solos corrigidos e adubados para maximizar a eficiência de pastejo; 2: para pastagens em solos corrigidos e adubados para maximizar o ganho individual e a produtividade por área; 3: para solos de fertilidade natural muito baixa, baixa e média, sem correção e sem adubação (sistema extensivo).

Na altura de saída 1, o manejador da pastagem tem como objetivo maximizar a eficiência de colheita da forragem disponível por meio do pastejo, e a meta é que os animais utilizem pelo menos 50% da forragem disponível.

Na altura de saída 2, o manejador da pastagem tem como objetivo maximizar o desempenho individual (taxa de fertilidade, peso à desmama, ganho médio diário, acabamento de carcaça etc.). Entretanto estas duas alturas de saída só devem ser adotadas pelo pecuarista que corrige e aduba os solos de suas pastagens, ou os solos têm que ser de fertilidade natural alta ou muito alta, o que é raro em solos sob pastagens brasileiras (entre 92 a 96% dos solos sob pastagens no Brasil são de fertilidade natural muito baixa e baixa).

Durante muitos anos, a maioria dos especialistas tiveram como foco a máxima produtividade de carne por hectare por meio de altas taxas de lotação da pastagem, e este conceito ainda persiste entre muitos. Entretanto com base em resultados experimentais e de fazendas comerciais, é fato que com reduções na taxa de lotação entre 17 a 27% o ganho individual é maximizado sem redução na produtividade de carne por área, mas na maioria das vezes com aumento na produtividade por hectare.

Já a altura de saída 3 deve ser adotada em pastagens cultivadas em solos de fertilidade natural nas classes muito baixa, baixa e média, sem correção e adubação, o objetivo deve ser manter a perenidade da pastagem evitando a sua degradação ao mesmo tempo que o foco deve ser maximizar apenas o ganho individual. Para tal, a eficiência de colheita da forragem disponível deve ser de no máximo 20 a 25% da altura de entrada do pasto para minimizar a transferência e a exportação de nutrientes ao mesmo tempo que o desempenho individual seja maximizado para uma determinada condição. 

A transferência de nutrientes ocorre das áreas pastejadas para os malhadouros, corredores e currais de manejo, enquanto a exportação de nutrientes ocorre quando animais são comercializados (bezerros após a desmama, fêmeas descartes, animais gordos etc.). Com base em resultados de pesquisas sobre ciclagem de nutrientes em pastagens, conclui-se que, quanto maior a pressão de pastejo, maior é a ciclagem de nutrientes por meio da excreta animal (fezes e urina), a qual é errática, desuniforme pela área pastejada, muito concentrada e com alta taxa de mineralização (taxa de liberação), o que leva a perdas significativas de nutrientes. Por outro lado, quanto menor a pressão de pastejo, maior é a ciclagem de nutrientes por meio de tecidos da planta que não foram consumidos pelos animais (resíduo pós-pastejo e palhada), a qual é uniforme, bem distribuída e com menor taxa de mineralização, o que reduz significativamente as perdas de nutrientes.

Em solos corrigidos e adubados o valor nutritivo médio da forragem disponível é alto e, por isso, a pressão de pastejo pode ser maior (rebaixamento entre 33 a 50% da altura de entrada do pasto), ou seja, a oferta de forragem pode ser menor, já que não é tão critico o impacto da seletividade da forragem pelos animais. Por outro lado, em solos de fertilidade natural muito baixa, baixa e média, o valor nutritivo médio da forragem disponível é baixo e, por isso, a pressão de pastejo deve ser baixa, ou seja, a oferta de forragem deve ser alta (rebaixamento de no máximo 20 a 25% da altura de entrada do pasto), para que os animais encontrem a oportunidade de selecionar folhas e folhas jovens, de maior valor nutritivo.

Resultados de pesquisas mais recentes demonstram que a altura de entrada do pasto dos animais no piquete também pode, e deve, ser flexível. Alturas de entrada que corresponde entre 65 a 70% das alturas de entrada que estão na tabela 1 não apresentaram diferenças significativas na produção de forragem, e, portanto, na capacidade de suporte da pastagem. Assim, por exemplo, para o capim Andropogon que na tabela está com altura de entrada de 50 cm, alturas correspondentes a entre 65 e 70% desta seriam 33 e 35 cm. 

Mas você me pergunta: mas não é possível maximizar o desempenho individual e ao mesmo maximizar a eficiência de colheita do pasto por meio de maiores taxas de lotação? Sim, há, basicamente com duas estratégias: a) adotando o pastejo de desponte/rapador, ou líderes/seguidores, ou desnate/rapador, com categorias animais que têm exigências nutricionais diferentes.  A categoria animal mais exigente pastejará no lote desponte rebaixando a altura do pasto em 30% da altura, enquanto a categoria animal menos exigente pastejará no lote rapador rebaixando a altura do pasto de 70% para 50% da altura de entrada, em pastagens manejadas com corretivos e adubos; e b) suplementando os animais em níveis que provoquem efeitos substitutivo ou combinado do suplemento/forragem. Mas esta estratégia b) será tema para próximos artigos – aguarde.


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