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Conflitos agrários e insegurança jurídica


Terça-feira, 13 de agosto de 2024 - 06h00

Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.


Foto por: Bela Magrela


Há quase 36 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, ainda vivenciamos conflitos agrários e uma relativização de um direito constitucional como de primeira geração, aqueles direitos relacionados às liberdades individuais e aos direitos civis e políticos, dentre a propriedade privada e o devido processo legal.

São direitos fundamentais em um estado democrático de direito, pois garantem a proteção das liberdades individuais e o funcionamento de uma sociedade democrática com dignidade humana. No caso do direito à propriedade privada, uma conquista histórica de direitos humanos, que garantiu aos cidadãos suas casas antes pertencentes aos reis.

Não há margem de interpretação ao direito de propriedade e defesa da posse, não devendo ser negociados, mas cumprida a lei, já que ao relativizar o direito de propriedade ou negociar o cumprimento de reintegrações de posse, permitindo que ordens judiciais sejam rasgadas em frente aos serventuários designados para cumprimento, colocamos em risco uma das estruturas constitucionais basilares.

Não vivemos mais em tempos medievais de disputas por terras com uso da própria força ou das próprias razões, o ato de invadir ou ocupar local que tem dono é ato criminoso. A romantização de invasões mudando o nome para “ocupação” ou “retomada” é algo extremamente perigoso, sobretudo por colocar vidas em risco.

As “ocupações” de movimentos sociais, para fazer cumprir função social da propriedade são uma falsa narrativa, uma “luta” sem respaldo jurídico, que têm feito apologia à prática de crimes como o exercício arbitrário das próprias razões (artigo 345, Código Penal) e invasão de propriedade (artigos 150, 161, 202, Código Penal), estimulando violência e desordem nas áreas rurais, prejudicando a vida de muitas famílias.

Qualquer procedimento expropriatório (demarcação de terras indígenas e reforma agrária), segue procedimentos civilizados e orientados por lei, cabe somente ao Estado, através destes procedimentos, verificar tecnicamente se um local é produtivo (graus de eficiência e utilização), ou se um local já foi historicamente ocupado por outros povos (laudo antropológico), permitindo aos envolvidos o exercício de seus direitos de defesa, antes de desapropriar terras, cabendo indenização prévia em alguns casos.

O INCRA, por meio de vistoria, utiliza critérios de avaliação (grau de eficiência e grau de produtividade), solicita documentos e informações, oferecendo oportunidade de defesa aos proprietários, podendo resultar em desapropriação do imóvel rural improdutivo para sua destinação à reforma agrária.

O ativismo e entendimentos judiciais devem ser amplamente e constantemente discutidos, contando com mobilização de entidades representativas, esclarecendo à sociedade os impactos destas situações no planejamento territorial em prejuízo de todos os brasileiros, evitando discursos segregacionistas ou enviesados, que são a maior consequência e herança das discussões políticas ideológicas.

Desde a pandemia, tribunais têm adotado sistemas de conciliação antes de cumprir reintegrações de posse, mesmo diante da comprovação de fatos e documentos evidenciando esbulhos e turbações de posse, o que alimenta a sensação de impunidade.

Isso não é novidade, pois o Judiciário já interferiu em decisões bem instruídas e até mesmo colegiadas determinando suspensão de reintegrações de posse, por decisões singulares, sob o argumento de “evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.

Esta perigosa utilização de “suspensão de segurança” por decisões singulares de presidentes de tribunais como STF e tribunais regionais federais, traz uma verdadeira insegurança jurídica para o campo, estimulando condutas invasoras que serão “pacificadas” pelo Judiciário em prejuízo do direito à propriedade privada.

É inadmissível suspender reintegrações de posse para “evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”, reconhecendo a incompetência estatal de cumprir ordens judiciais em situações que guardam relação com ordem e segurança privadas, cuja ameaça à segurança é causada por grupos invasores.

O projeto de lei 709/2023 da Câmara dos Deputados, traz um reforço prevendo mais consequências ao participante de invasões e esbulhos possessórios como contratar com o poder público em todos os âmbitos federativos; receber benefícios ou incentivos fiscais, como créditos rurais; ser beneficiário de qualquer forma de regularização fundiária ou programa de assistência social, como Minha Casa Minha Vida; inscrever-se em concursos públicos ou processos seletivos para a nomeação em cargos, empregos ou funções públicos; ser nomeado em cargos públicos comissionados; e receber auxílios, benefícios e demais programas do governo federal.

Porém, a legislação brasileira já possui instrumentos de repressão a invasões muito mais antigos e que devem ser utilizados, ao exemplo da própria lei da reforma agrária (Lei Federal nº 8.629/1993), que nos parágrafos 6º e 7º do artigo 2º já tratam com relação ao participante de invasão e o imóvel invadido.

Segundo o referido parágrafo sexto, “o imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações”.

E o parágrafo sétimo citado garante que “Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, sequestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em tais situações”.

É importantíssimo identificar os participantes e o imóvel invadido para abrir procedimento próprio junto às autoridades e perante a justiça para fazer valer estas normas, já que perante o poder legislativo já acumulamos duas tentativas fracassadas de concluir uma CPI relacionada à invasão, uma com relatório final publicado em 03/08/2017 repleta de provas de crimes e outra encerrada em 2023 sem votação do relatório final.


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