Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
Foto: Bela Magrela
Há muitos caminhos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) relacionados ao setor da pecuária. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) lançou, no ano passado, uma bela publicação, Caminhos para emissões mais baixas, mostrando o potencial de vários deles. A boa notícia é que o setor pode ajudar muito a resolver tanto a questão das mudanças climáticas, como o desafio para alimentar uma população humana crescente e, cada vez mais, ávida pelo consumo de alimentos de origem animal.
Esse texto basicamente é um reporte resumido dos caminhos apontados, alguns de seus desafios e quanto eles podem contribuir na redução das emissões, de maneira a divulgar o conteúdo da publicação a um público mais amplo.
As emissões de sistemas agroalimentares pecuários (gado, búfalos, ovinos, caprinos, suínos e aves) equivalem a 6,2 Gt CO2-eq, cerca de 12,0% de emissões antropogênicas de gases do efeito estufa (GEE, ano base 2015). Isso com uma avaliação abrangente das emissões de gases de efeito estufa (GEE) de sistemas agroalimentares pecuários, compreendendo processos à jusante (upstream) e à montante (downstream) da porteira da fazenda, incluindo a mudança no uso da terra (MUT), da cadeia de suprimentos e do processamento primário. Os valores foram calculados com o Modelo Global de Avaliação Ambiental Pecuária, GLEAM, da FAO.
Uma característica interessante é que a intensidade de emissão (kg de CO2-eq/kg de produto) varia muito em função do local, da espécie, dos sistemas de produção, do manejo etc., o que é uma boa notícia ao permitir vislumbrar grandes reduções, por vários caminhos.
A espécie bovina é responsável por mais de 60,0% das emissões, em função de sua participação em número, biomassa e, particularmente, pela fermentação entérica. Com essa contribuição, cerca de 2/3 das emissões de produtos comestíveis da pecuária (carne, leite e ovos), de todas as espécies advém da carne. A maior parte dos GEE emitidos pela pecuária é o metano (CH4), perfazendo 54,0 %, enquanto o dióxido de carbono (CO2) e o óxido nitroso (N2O) representam 31,0% e 15,0 %, respectivamente.
Para produtos de origem animal é esperado um aumento de demanda, de mais de 20% até 2050. Na África, onde mais a população pode se beneficiar com o aumento de oferta de alimentos de origem animal, é esperado o dobro da demanda para 2050. Uma vantagem dos produtos de origem animal é que eles usam apenas 17,0% de alimentos passíveis de consumo por humanos e o que explica esse baixo índice de competição é que, além de 60,0% da matéria seca necessária ser de pastagens e folhosas, há um grande aproveitamento de coprodutos e resíduos pelos animais, com destaque para os ruminantes.
Considerando o crescimento populacional e o aumento de demanda até 2050, se mantivermos os atuais índices de produção, será necessário aumentar o rebanho, fazendo com que as emissões globais estimadas atingissem a casa dos 9 Gt CO2-eq até 2050, valor quase 50% superior ao atual.
A partir daqui, são elencadas 11 opções de mitigar a emissão e o quanto podemos esperar de cada uma delas. Exceto pelo uso de energia e redução de desperdício de alimentos, juntos num único item no final, as opções estão em ordem crescente do potencial mitigador.
Há muitas maneiras para mitigar as emissões de CH4 e N2O dos dejetos, desde a alimentação (por exemplo, ao evitar excesso de proteína), passando pelas formas de alojamento de animais, pelo manuseio e armazenamento, até a aplicação destes como fertilizantes no solo.
Opções de tratamento de dejetos que reduzem as emissões podem ser empregadas, incluindo digestão anaeróbica, acidificação e compostagem. No caso da digestão anaeróbica, é possível produzir metano e biometano, que podem ser usados como fonte de energia alternativa. Foi estimado que o manejo dos dejetos pode contribuir com a redução das emissões globais em 150 Mt CO2-eq.
A redução da demanda por alimentos de origem animal é uma das formas de redução das emissões de GEE, pois a pegada de carbono dos vegetais é menor, ainda que haja superestimativas dos valores, especialmente para ruminantes, ao se igualar o CH4 ao CO2, bem como outras limitações usadas na estimativa. O interessante dessa publicação da FAO é que, ao contrário de outros estudos que mostram grandes efeitos ao propor uma redução global no consumo de produtos de origem animal, reconheceu-se que, para a maioria dos países, haveria grande prejuízo para a saúde e qualidade de vida da população ao estimular essa linha de redução de demanda. Portanto, no caso desse trabalho, apenas 37 países, supostamente com consumo “de luxo”, foram selecionados. O efeito na redução da emissão global estimada ficaria entre 2,0% e 5,0%, na média em torno de 362 Mt CO2-eq.
Sistemas pecuários podem ser tanto receptores como contribuintes na economia circular. São receptores quando utilizam resíduos de outras atividades, como subprodutos da indústria como ingredientes de uma dieta (Bagaço de cana-de-açúcar, por exemplo). São contribuintes, ao fornecer coprodutos valiosos para outras atividades, como o esterco para fertilização de plantações.
Além disso, incorporar coprodutos industriais na ração animal pode ajudar a mitigar as emissões relacionadas aos resíduos que, se não fossem usados como recurso produtivo, teriam o ônus do processo de descarte. Alguns desses resíduos (ou coprodutos, quando se tornam comercializáveis) podem potencialmente reduzir as emissões de CH4, como é o caso do bagaço de uva. Nesse caso, se ganha em ter mais um recurso alimentar, que reduz a demanda geral por alimento, adicionado de redução do custo de descarte pela cadeia da uva e, por fim, há o benefício direto da redução de metano na fermentação entérica.
Maximizar o uso de esterco melhora a fertilidade do solo, tanto pelos nutrientes, como por efeitos na física do solo, melhorando a produção agrícola e, ao mesmo tempo, reduzindo a necessidade de adubos sintéticos e do consumo de energia e demais emissões associadas a estes insumos.
O trabalho lembra, também, que os sistemas pastorais e silvipastoris são naturalmente bioeconomias circulares, com animais pastando em terras marginais que não seriam usadas para outros fins devido às suas limitações biofísicas, provendo esterco e nutrientes para o solo que serão reciclados como novos crescimentos da parte aérea a serem usados como recursos forrageiros pelos animais. A economia circular pode reduzir em 453 Mt CO2-eq as emissões globais.
A publicação coloca em destaque dois aditivos que reduzem bastante a emissão: O 3-NOP e uma alga marinha encontrada em diversas regiões do mundo, principalmente em águas tropicais e temperadas quentes. No caso do 3-NOP, a inclusão de apenas 70,5 mg por kg de matéria seca (MS) reduziu a emissão diária de CH4 em 32,7%, a emissão por kg de MS em 30,9% e a intensidade de emissão (g/kg leite produzido) em 32,6%. Há trabalhos, contudo que mostram reduções de até 90% na emissão diária.
A suplementação da alga Asparagopsis taxiformis tem uma faixa de redução da emissão entre 9,0% e 98,0% em dietas para novilhos e vacas leiteiras. Como o efeito dessa alga é decorrente de altas concentrações de bromo, que pode causar problemas na qualidade do leite e trazer riscos à sanidade dos animais e dos consumidores de leite, é preciso ainda definir limites para seu uso seguro.
Por fim, é feita alusão às vacinas, mas tanto preocupações quanto à sua segurança e eficácia global, como a variação dos micro-biomas mundo afora, fazem com que seu uso na prática precise ser mais bem avaliado. O uso destas tecnologias tem o potencial de reduzir em 453 Mt CO2-eq as emissões globais.
Para reduzir a pegada de carbono da produção pecuária, é importante formular rações com ingredientes que possam, idealmente, aumentar a produtividade enquanto reduzem as emissões líquidas, sem comprometer a lucratividade. Isso passa por, na medida do possível, usar ingredientes com menos emissões de GEE incorporadas, o que é o caso dos coprodutos e resíduos, cujas emissões herdadas são divididas com os produtos principais e eventuais outros resíduos.
Já a estratégia dietética de aumentar o nível de concentrado nas dietas de ruminantes pode levar a um menor tempo de retenção ruminal, o que diminui o acesso microbiano à digesta, reduzindo a emissão por kg de MS consumida. Se isso não comprometer a produção, reduz-se a intensidade de emissão.
Incluir gordura na dieta é outra estratégia de mitigação, pois os ácidos graxos são tóxicos contra bactérias metanogênicas e protozoários, que fazem o rúmen produzir mais propionato e, consequentemente, reduzir as emissões entéricas de CH4.
Forragens taníferas podem ser uma estratégia de mitigação, com a vantagem de ser passível de introdução para a maioria dos sistemas existentes, incluindo animais em pastagem sem suplementação. Taninos podem diminuir as emissões de CH4 de 6,0% a 45,0%.
Além de se preocupar com as emissões à montante (quanto de GEE há intrinsicamente no alimento), deve-se observar se há, à jusante, efeitos que podem reduzir os efeitos líquido de redução, como no caso de excesso de proteína, que pode aumentar a emissão de N2O dos dejetos ou a maior emissão de CH4 no esterco em dietas com muita gordura, pela maior quantidade de fibra indigerida nas fezes.
O potencial dessa estratégia em reduzir as emissões globais empata com a da economia circular e da manipulação ruminal: 453 Mt CO2-eq.
Sequestrar carbono em sistemas de pastagem é possível aumentando a captura de carbono acima e abaixo do solo, por meio de melhor manejo de pastagens e do plantio de árvores. O sequestro de carbono do solo em pastagens depende das condições agroecológicas e práticas de manejo.
A quantificação global dos estoques de carbono existentes é algo bastante desafiador, além de ser sujeita a mudanças ao longo do tempo, com preocupações sobre a reversibilidade dos esforços de sequestro e com as variações nas metodologias de estimativa de carbono do solo. Há necessidade de experimentos de longo prazo para validar suposições. Nesse contexto, a manutenção das pastagens é mais crucial do que restaurar terras degradadas, pois a falta de cuidado com os pastos causa perdas significativas nos estoques de carbono do solo.
Seja como for, o sequestro de carbono em pastagens tem uma faixa potencial muito grande: de 37 Mt CO2 a 2.090 Mt CO2/ano. Estima-se que, dependendo do valor do crédito de carbono seria possível até conseguir 800 Mt CO2 de sequestro por ano. O estudo considera que reduzir as emissões globais em 600 Mt CO2-eq é possível com o sequestro de C em pastagens.
Problemas de saúde aumentam as perdas de animais e piora desempenho, portanto investimento em sanidade animal melhora a produtividade e, consequentemente, reduzem a intensidade de emissão. Efeito semelhante decorre de situações ruins para o animal como, por exemplo, exposição ao estresse térmico, sede, fome, maus tratos etc.
Intervenções em melhoria da saúde e BEA, como vacinação e sombra, reduziram em 10,0% as emissões em sistemas leiteiros mistos na África Oriental e até em 41,0% em pequenos ruminantes na África Ocidental, conforme estudos de caso publicado pela FAO. Melhorar a sanidade e o BEA podem reduzir as emissões globais em 906 Mt CO2-eq.
A emissão de GEE pelos animais é uma característica que tem herdabilidade, ou seja, é herdável pelos seus descendentes. Portanto, pode ser incorporada em programas de melhoramento. Além disso, selecionando para animais mais eficientes, indiretamente, pode haver uma redução de 11,0% a 26,0% em 10 anos na produção de CH4. Em todo caso, relação desse efeito com outros, como ingestão e características de produção (qualidade da carnes e índices reprodutivos) precisa ser mais bem entendida, de forma a conseguir fazer a melhor combinação entre elas. Ainda assim, o melhoramento genético é uma das mais promissoras ferramentas, pois tem grande efeito quando incorporada, se espalhando pelo rebanho ao longo do tempo. O valor estimado a reduzir por essa estratégia seria de 1.359 Mt CO2-eq, ficando apenas atrás do aumento de produtividade.
É a mais promissora das opções para reduzir a emissão de GEE. Por exemplo, ganhos de eficiência por animal na produção leiteira podem contribuir com a redução de até 38,0% a 46,0% no total das emissões até 2050. No gado de corte, melhoria das práticas de manejo, como a redução da idade de abate também reduzem as emissões, tanto por reduzir a emissão por unidade de matéria seca consumida, como pela redução no tempo que o animal permanece emitindo. Assim, melhorias contínuas de produtividade podem reduzir 24,0% das emissões atuais da pecuária até 2050, com valor esperado de 1.797 Mt CO2-eq, o mais elevado de todas e quase cinco vezes mais do que a redução na demanda por mudanças na dieta.
O uso de energias alternativas nas cadeias produtivas de proteína animal e a redução do desperdício de alimentos de maneira completa ao longo das cadeias de produção são outras duas oportunidades de redução da pegada de carbono da produção pecuária. A contribuições delas seriam de 152 e 453 Mt CO2-eq, respectivamente
Situação se conseguirmos 100,0% do potencial de todas até 2050
Na hipótese de que fosse possível abater todo o potencial somado de cada uma dessas intervenções, em vez dos 9.061 Mt CO2-eq, teríamos a produção da demanda de produtos de origem animal para 2050 com apenas 1.922 Mt CO2-eq. Apesar de ser improvável conseguir esse feito, mesmo se conseguíssemos apenas a metade, ainda assim, estaríamos produzindo 7,0% a menos do que a emissão de hoje e 36,0% menos em relação ao valor de 9.061 Mt CO2-eq, a quantidade se não tivéssemos feito nada. Todas as alternativas e esses valores estão na Figura 1, ao final do texto.
Limitações do estudo e da aplicação das medidas
A primeira é que os dados assumem que haverá 100,0% de adoção e que as intervenções têm sempre efeito aditivo. Nesse caso, não estão consideradas eventuais duplas contagens, nem interações negativas, que reduziriam o efeito, mas também não são consideradas possíveis sinergias, que poderiam aumentar o efeito.
Outra limitação do método é a alocação de emissões exclusivamente para produtos comestíveis, sem considerar as multifuncionalidades da pecuária, como ser força de tração, por exemplo. Ficam fora, também, todos os subprodutos das cadeias das proteínas animais.
A eficácia das opções de intervenção depende de fatores como acesso a serviços, disposição dos produtores em implementar intervenções, viabilidade econômica e das próprias incertezas de que as medidas funcionem parcial ou totalmente. Um dos grandes desafios é entender as barreiras que impedem a implementação e a ampliação das intervenções, para poder propor políticas públicas que incentivem a adoção. Especialmente porque cada sistema de produção possui características, custos, interações e compensações únicas, muitas vezes as soluções precisam ser customizadas.
Uma interação possível é que várias intervenções com ganhos de eficiência aumentem os lucros e podem levar a um maior crescimento no setor pecuário que compense, ou até ultrapasse, as reduções obtidas. Além disso, melhorias podem ocorrer às custas de outros objetivos, como o bem-estar animal. Os esforços para reduzir a intensidade das emissões devem, portanto, analisar essas compensações e interações de maneira a conseguir o melhor equilíbrio possível entre elas.
Um aspecto importante a destacar é, em que pese a abrangência do trabalho, que importantes alternativas de ponta, como pecuária de precisão, as ciências “ômicas” (genômica, transcriptômica, proteômica etc.) e a inteligência artificial ficaram de fora. Elas podem acelerar bastante a redução, por exemplo, ao criar um aditivo ou vacina que seja muito eficiente e fácil de escalar seu uso.
Considerações finais
O relatório “Caminhos para emissões mais baixas” demonstra inequivocamente que o setor pecuário pode desempenhar um papel fundamental na redução das emissões de GEE. Todavia, é essencial reconhecer que a produção pode ser afetada por mudanças climáticas e condições ambientais, comprometendo as estimativas. Investimentos contínuos no setor pecuário serão fundamentais para avançar nossa compreensão das barreiras à implementação e à ampliação das intervenções, bem como conseguir avanços inéditos com base em pesquisa de ponta.
Ao avaliar item a item, fica claro que a pecuária do Brasil tem muito a oferecer no esforço para reduzir a velocidade e intensidade das mudanças climáticas, mas isso fica para uma próxima oportunidade.
Figura 1.
Ano base e emissões projetadas de sistemas pecuários, mostradas como um gráfico em cascata com uma série de medidas de mitigação aplicadas até 2050 com seu potencial técnico.
Fonte: Pathways to Lower Emission, FAO, 2023.
Referências
Mottet, A. et al. 2017b. Climate change mitigation and productivity gains in livestock supply chains: insights from regional case studies. Regional Environmental Change, 17(1): 129–141. https://doi.org/10.1007/s10113-016-0986-3
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