Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
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Este é o último texto de 2024 e, em vários anos anteriores, seus congêneres procuravam proporcionar bons temas para as conversas de final de ano. Neste, seguem alguns itens que vão nesse sentido, bem como no fato que nessa época há mais tempo para leitura ou assistir vídeos mais longos, colocados como sugestão.
COP vem da sigla, em inglês, para “Conferência das Partes” que muitos consideram um dos piores exemplos de nomenclatura, por informar praticamente nada. As “Partes” são os países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), tratado internacional aberto para assinatura, no Brasil, na “Rio 1992”. O objetivo deste tratado é lidar com as crescentes concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera que causam as mudanças climáticas. A COP, então, é o principal fórum mundial para discussão e negociação de medidas para combater as mudanças climáticas.
Há um grande descontentamento em relação aos progressos obtidos ao longo dessas quase três décadas e, em especial, nas últimas duas COPs, realizadas sob forte influência da indústria do petróleo, visto que os países que as sediaram são economias baseadas nela. Ainda que os resultados tenham sido de fato limitados, houve algum avanço na questão de aceitar a transição para formas de energia que não provenientes de carbono (C) fóssil, alguns passos na operacionalização do “Fundo de Perdas e Danos”, em prol dos países mais vulneráveis, e, apesar de insuficiente, um aumento no financiamento dos países em desenvolvimento, com a discussão aberta para achar maneiras de aumentá-los (dos acertados US$ 350 bilhões para US$ 1 trilhão).
Um coro crescente de pessoas tem se manifestado para que haja mudanças significativas na forma como as COP funcionam para que se consiga avançar mais rápido e efetivamente nas soluções. Um ponto bastante discutido, nesse sentido, seria haver consequências no caso do não cumprimento das metas assumidas. Há sugestão no sentido de também reduzir as ações paralelas à COP (eventos não oficiais) para que haja um esforço mais focado e que permita um melhor monitoramento do andamento das negociações.
O importante é que nós, como país não percamos a oportunidade de mostrar como, tirando o desmatamento ilegal, somos um país referência a ser seguido, ou seja, temos legitimidade para ser um dos líderes do processo.
A boa produção agropecuária brasileira precisa mostrar a cara e, daqui até a COP, vale o esforço para incluir o contingente ainda fora dessa classificação e para que o setor aproveite para reforçar as pautas positivas e acelerar os ganhos de eficiência das últimas cinco décadas. Portanto, compensa ficar atento às oportunidades que vão surgir e participar do processo que tem tudo para ser ganha-ganha-ganha para o agro brasileiro: mais alimentos (segurança alimentar), mais renda ao produtor e menor impacto ambiental!
Como sugestão de leitura, segue um excelente texto do colega Marcelo Morandi, Chefe do escritório de relações internacionais da Embrapa, com muita informação sobre a COP29, as expectativas para nossa COP, incluindo a participação da Embrapa, e vários links para mais informações sobre COP e assuntos correlatos.
Link: https://www.linkedin.com/pulse/cop-29-h%C3%A1-o-que-comemorar-marcelo-a-boechat-morandi-vlaef/
Na linha de escolher pautas válidas por atores da agropecuária, seria interessante ter menos produtores indo contra os fatos na ilusão de estarem defendendo os interesses do setor. Não existe melhor exemplo que o negacionismo das mudanças climáticas, para as quais uma agropecuária eficiente é uma das soluções. O fato, nu e cru, é que o CO2 de origem fóssil queimado desde a revolução industrial, em meados do século XIX, foi se somando ao nível que se mantinha estável e abaixo dos 300 ppm por cerca de 800 mil anos, resultando em uma concentração, hoje, acima de 400 ppm...e subindo. Além disso, são inúmeras as evidências que o aquecimento global, o motor das mudanças climáticas, está ocorrendo e é responsabilidade da ação humana (por isso chamado de aquecimento global antropogênico, AGA). Duas evidências seriam: (i) o CO2 de origem fóssil tem sua própria assinatura isotópica, o que deixa a questão da participação dele bem definida, (ii) o aquecimento na atmosfera ocorre mais em locais em que o CO2 se concentra. É bom lembrar que o “efeito estufa” é fundamental para haver vida no planeta. O problema é que o “cobertor” está ficando grosso demais.
Há muitas outras evidências, mas todas elas não têm sido suficientes para acabar com argumentos sem base nas redes sociais que seguem sendo passadas para frente. Uma postagem recorrente se fixa no principal componente responsável pelo efeito estufa, o vapor d´água, para dar a entender que esse seria o único com o qual se deveria preocupar, na busca por retirar o protagonismo do CO2. O erro nessa argumentação é que a quantidade de vapor d´água segue praticamente constante. Aliás, o motivo por haver um discreto um aumento da água na atmosfera é, exatamente, o aquecimento global pela maior capacidade da atmosfera mais quente em reter água na forma de vapor. Enfim, se preocupar com o vapor d’água em vez do CO2 é o mesmo que procurar um oftalmologista para resolver um problema pulmonar.
Ainda pior do que essa argumentação seria a de que não se aceitaria que o CO2 fosse chamado de poluente, cuja definição é “é qualquer substância presente no meio ambiente (ar, água ou solo) que, em concentrações elevadas, pode causar danos à saúde humana, aos animais, às plantas, aos materiais ou ao equilíbrio ecológico”. Seria interessante pensar em uma situação em que alguém fosse defender isso de forma intransigente com outra pessoa em um ambiente sem troca de gases (estanque) e decidisse sair apenas se fosse convencido do contrário. Se a discussão se prolongasse demais, o debate lhe tiraria a razão, sua vida e a do pobre desafiante, ambos por asfixia.
O final de ano é um bom momento para reflexões e para ratificar/retificar nossas convicções, lembrando que não costuma compensar ir contra a ciência, como na ironia da câmara estanque e a discussão do CO2 ser ou não poluente.
O aumento de quase um terço a mais na concentração de CO2 faz com que haja um aumento, na mesma proporção, na probabilidade de que radiação refletida da terra encontre uma molécula de CO2 e, portanto, aqueça mais a atmosfera.¹
No caso do AGA, um convite que faria a quem ainda dúvida seria comparar as previsões dos formadores de opinião negacionistas com as previsões dos cientistas que efetivamente trabalham na área do clima. Uma avaliação sincera e sem vieses mostrará que, enquanto os negacionistas erraram e seguem errando, as previsões de cientistas da área vão muito bem, obrigado. Seria bom, também, perceber que toda crise gera oportunidades e que o AGA deve ser usado pela nossa agropecuária como motor de mudança, avanço e, consequentemente, mais renda no campo e comida na mesa.
Como sugestão de vídeo, segue um que comenta sobre mais um trabalho científico furado por uma divulgadora científica, que explica em detalhes os porquês de ele ser assim, ao mesmo tempo reforçando o que já se sabe sobre o tema. Ela apresenta em inglês, mas é possível colocar as legendas em português.
Link: https://www.youtube.com/watch?v=chDl-u4va_A
¹ Essa é uma concepção simplista e no vídeo sugerido alguns detalhes são explicados.
Esse item, vai na linha das postagens feitas sem a devida atenção, colocadas para frente apenas porque ela reforça um viés, sem a devida ponderação. Trata-se de uma postagem na rede Instagram de uma influenciadora popular chamada Fernanda Geribello Anders que é a favor da dieta cetogênica. Na postagem, ela mostra toda sua indignação com um ocorrido, cujo texto reproduzo abaixo, mas com os grifos feitos por mim:
“Andrew Mente, autor do estudo ‘Diet, cardiovascular disease, and mortality in 80 countries’, admitiu no podcast Lowcarb MD episódio #300 que os autores do estudo foram obrigados a substituir ‘carne vermelha’ por ‘laticínios gordos (sic) e peixe’, ‘representando todos os produtos animais, incluindo carne vermelha’, porque nenhum revisor ou publicação científica aceitou publicar o estudo com um desfecho positivo para a carne. É nessa ciência que as pessoas estão se baseando para tomar decisões sobre sua própria saúde? Se você também não se conforma em ser enganado assim como eu, não fique quieto e mobilize as pessoas, mostre a elas o que tentam esconder de todos nós.”
Seguindo o conselho dela, resolvi não ser enganado e ouvi o próprio Podcast citado, bem como o trabalho do Dr. Mente. Feito isso, sim, veio uma grande indignação, mas contra o próprio post da influenciadora.
No Podcast, Dr. Mente fala que tentou no estudo achar padrões de dieta que fossem protetivas contra Doenças Cardiovasculares (DCV) e mortalidade. Ele achou que frutas, verduras, legumes, nozes e outras sementes, mas também alguns produtos de origem animal, como peixe e leite, especialmente a gordura integral de lácteos são protetivos. Em função de uma relação com a redução de mortalidade, eles consideraram colocar a carne vermelha nessa lista, mas em função da preocupação com a “saúde planetária” e o comportamento de alguns revisores e algumas revistas, eles teriam desistido de colocar. Ele comenta, contudo, que o escore de dieta proposto na publicação é flexível e a carne vermelha pode ser incluída em pequenas quantidades, bem como para veganos e vegetarianos, eles podem incluir grãos integrais.
Neste ponto da entrevista, o entrevistador pede esclarecimentos sobre a recusa de alguns revisores e algumas revistas em aceitarem a carne vermelha. Dr. Mente respondeu que, na primeira revista que tentaram publicar “parece ter havido resistência de quase todos os revisores na preocupação de não incluir a carne vermelha” e nessa revista científica, em particular, a publicação foi negada. Quando eles submeteram ao “European Heart Journal”, no qual o estudo foi publicado, a decisão de manter sem a carne vermelha teria sido dos próprios autores, aparentemente na linha de que “gato escaldado tem medo de água fria”. Enfim, eles preferiram não correr o risco da rejeição.
Toda essa discussão no Podcast é bastante esquisita, primeiro porque o trabalho para fazer o escore de dieta saudável incluía apenas seis grupos de alimentos (frutas, verduras, legumes, nozes, peixe e leite, especialmente a gordura integral de lácteos), do qual a carne fez parte apenas como resultado extra dos dados levantados das dietas dos participantes e cujo consumo era baixo. Além disso, no Podcast, ele comenta que a carne vermelha reduziu a mortalidade, mas não as DCVs. Assim, como a conclusão do trabalho envolve ambas essas condições, DCV e mortalidade, a carne vermelha não deveria mesmo estar lá (ou seria necessário restringir a conclusão apenas à redução da mortalidade).
Um trecho do próprio estudo, reproduzido abaixo, deixa isso bem claro:
“É digno de nota que quando incluímos a carne vermelha na pontuação da dieta numa análise de sensibilidade, os resultados foram semelhantes (nem mais fortes nem mais fracos)...em consonância com a nossa descoberta de uma associação neutra entre carne vermelha e DCV e fornecendo evidências de que as carnes vermelhas não processadas não são um alvo prioritário para a saúde, nem para evitar (como fortemente enfatizado pelo relatório EAT-Lancet) nem para incluir (como fortemente enfatizado por "paleo" e dietas cetogênicas) em uma dieta saudável.”
No vídeo, que é o que a maioria das pessoas vai se limitar a ver, a influenciadora se equivoca em todas as informações, ao se mostrar indignada de como a ciência nutricional está hoje:
a) Que estudo mostra que a carne vermelha está associada a menor DCV;
b) Que quando foram publicar o estudo não acharam nenhuma revista científica e nenhum revisor que permitissem a publicação de um resultado positivo para carne vermelha;
c) Que, para publicar, os autores teriam trocado “carne vermelha” por “peixe e laticínios”. Ela, inclusive, reafirma que o estudo original era sobre carne vermelha;
d) Concluindo que, “se tem um resultado positivo para carne”, “eles’ não deixam publicar”.
Na realidade, item a item, temos:
a) O estudo não é sobre carne vermelha e tampouco que está associada com menor DCV, cuja relação é neutra;
b) O Dr. Mente relata que tiveram problema com praticamente (não todos) os revisores de uma revista que, de fato, rejeitou por ter a carne na conclusão, todavia, a rejeição pode ter sido legítima, visto que o próprio texto do estudo afirma não haver redução de DCV com o consumo de carne no estudo!
c) Os autores não trocaram “carne vermelha” por “peixe e laticínios”. O que está descrito como peixe e leite efetivamente são dos dados do estudo sobre essas classes de alimentos. Só não tem a carne vermelha, como não deveria ter mesmo.
d) A conclusão da influenciadora, além de errada por tudo o que foi apurado acima, ainda é pior quando você vê, numa rápida passada em suas postagens quantos trabalhos científicos “bons” ela apresenta sobre carne e, claro que eles existem, apesar que, no caso da influenciadora talvez “bom” para ela seja aquele que comprova o que ela quer ouvir.
Portanto, ainda que, de fato, haja muita má vontade com a carne vermelha de forma geral e muitos detratores com uma forte agenda anticarne, é ainda pior a má interpretação de trabalhos científicos e a divulgação sensacionalista como se o processo científico estivesse fatalmente deteriorado.
A divulgação científica tem, mesmo, muitas mazelas, mas, se a declaração do Dr. Mente fosse realmente censura a achados legítimos, seria bem provável que houvesse reação da comunidade científica. O próprio entrevistador ao pedir explicações sobre o fato comentou que o “meu sangue está fervendo”. Todavia, após várias buscas na Internet, não encontrei nada a respeito. Eu mesmo mandei uma mensagem para o Dr. Mente pedindo esclarecimentos, mas ainda não fui respondido.
Assim, com um pouco de cuidado na escolha de onde buscar as informações, forçando o senso crítico e com algum esforço investigativo é possível deixar de replicar “fake news”. Em última análise, boa informação ainda é a melhor forma de evoluirmos em sociedade e, fiquem tranquilos, que trabalhos mostrando o papel positivo da carne vermelha na nutrição humana ainda são publicados.
Para quem quiser ler o trabalho do Dr. Mente na íntegra: https://academic.oup.com/eurheartj/article/44/28/2560/7192512
A intenção seria falar ainda sobre vários assuntos: Taxonomia Sustentável Brasileira² , a nova tentativa para a rastreabilidade de bovinos, a lei dos bioinsumos, a lei sobre o “Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa”, o “space farming”, os notáveis avanços quanto à determinação de C no solo com tecnologia fotônica brasileira e outras tantas, mas elas ficam para 2025.
Será o ano quando completaremos uma década de ter esse canal privilegiado, no qual sempre pude expor minhas ideias com toda a liberdade e, supreendentemente, tendo muita alegria de interagir com os leitores! Sem surpresa pela interação, mas por ter pessoas que leem meus textos! A eles e a quem porventura acabe lendo esse derradeiro de 2024, desejo ótimas festas e um novo ano com muita coragem para fazê-lo valer a pena!
²Ela está em consulta pública sendo uma “ferramenta que servirá para definir e classificar atividades econômicas e investimentos alinhados com objetivos de sustentabilidade e enfrentamento das mudanças climáticas. Para saber mais e participar da consulta: https://www.gov.br/participamaisbrasil/taxonomia-sustentavel-brasilieira
Qual a expectativa para os preços da soja no Brasil em janeiro de 2025?
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