Foto por: Bela Magrela
Um assunto que pecuaristas costumam odiar são as mudanças climáticas, pois, de forma geral, elas soam como ameaças ao setor.
Há, sim, por parte de diferentes grupos de interesse, o desejo de aproveitar essas ondas para restringir a produção animal, pela crença que isso traria benefícios à humanidade. Na verdade, ao se examinar os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) propostos pelas Nações Unidas (ONU), essa organização deixa claro que elas só serão atingidas com a contribuição da pecuária, seja pela possibilidade de produzir em terras não aptas à agricultura, seja por ter muitas oportunidades de economia circular ou por ter um componente social importante, particularmente nos locais de menor renda e maiores vulnerabilidades, nas quais os animais são fonte de alimento, trabalho, fertilizantes orgânicos, além de serem ativos financeiros que funcionam como uma caderneta de poupança viva, aliviando o sufoco em momentos de maior necessidade financeira. Uma pecuária feita de maneira mais técnica, baseada em ciência, é uma aliada fundamental para um mundo melhor.
Com a intensificação das mudanças climáticas, evidenciada pelo fato de os últimos dez anos terem sido os anos mais quentes desde o início dos registros, com o recordista ano de 2024 ultrapassando a marca de 1,5°C acima da era pré-industrial, bem como pelo aumento dos extremos climáticos em todo o mundo, fica cada vez mais claro que precisamos agir.
Isto engloba ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e aquelas que visam à adaptação às novas condições climáticas. No caso da pecuária, um exemplo de redução de emissão seria a oferta de dieta com maior digestibilidade, que reduz a emissão de GEE por quilo de produto e o número de animais para a mesma demanda de produto. Já um exemplo de adaptação para o mesmo setor, pode ser uma maior quantidade de pastos diferidos ou forragem conservada para fazer frente às secas mais intensas e prolongadas que já estamos experienciando.
No caso das opções de mitigação, é possível, em tese, fazer jus a receber créditos de carbono (C), ou seja, a quantidade de emissão de C evitado seria quantificada e paga conforme o valor de mercado para esse “ativo”. Viabilizar isso pode ser um tremendo estímulo para, ao mesmo tempo, produzir mais alimento e reduzir o impacto da atividade.
Mas, como fazer para quem invista na pecuária possa ter certeza de que seu investimento vai efetivamente impulsionar algo positivo e não tenha efeitos secundários negativos?
Com intuito de preencher essa lacuna, estão sendo criados em vários países do mundo o que se convencionou chamar de taxonomia sustentável das atividades econômicas.
O Brasil decidiu fazer sua própria Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), com oito setores econômicos, com destaque para a agropecuária. A TSB intenciona ajudar o país a alcançar seus compromissos relacionados ao enfrentamento das mudanças climáticas, manter sua biodiversidade, reduzir o desmatamento, incentivar o uso sustentável do solo e trazer benefícios econômicos e sociais correlacionados.
Há mais de 50 projetos de taxonomia sustentáveis no mundo e, um dos objetivos, é que, na medida do possível, eles tenham semelhanças de maneira a facilitar o fluxo das finanças internacionais. Nesse sentido, uma das preocupações ao se criá-la é que haja, tanto quanto possível, interoperabilidade nas operações entre as taxonomia sustentáveis dos países. A Colômbia e o México são os precursores na América Latina e têm servido de base para o desenvolvimento da TSB.
O objetivo da TSB é, a partir de definições baseadas em evidências científicas, estabelecer critérios que garantam que a alocação de recursos financeiros promova o desenvolvimento, mas conservando o meio ambiente e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa (GEE). No caso da TSB, são visados, também, impactos sociais positivos.
Aqui vale destacar a diferença entre ser “verde”, que englobaria apenas os componentes ambiental e climático, enquanto “sustentável”, incluiria também a questão social, conforme explicado pelo gerente-sênior de Transição Agrícola da Climate Bonds Initiative (CBI) no Brasil, Leonardo Gava. A única TS é a do México. A do Brasil, deverá ser a segunda.
Especificamente para o setor agropecuário, o objetivo da taxonomia sustentável é identificar e orientar fontes de financiamento para apoiar atividades agrícolas sustentáveis no Brasil, integrando essas práticas às políticas econômicas nacionais, especialmente ao Plano Safra, conforme destacado pela coordenadora-geral de Negócios Agroambientais do Ministério da Fazenda, Camila Silva. Ela disse ser fundamental que a TSB se converta em uma política pública de longo prazo, enfatizando que se trata de um documento apenas orientador, não sendo obrigatório segui-lo.
A taxonomia tem aplicações para instrumentos de finança verde (Green bonds, por exemplo), guias para regulação, desenvolvimento de mercados financeiros, financiamentos/refinanciamentos e outros. Ela dá transparência, servindo como um guia de verificação fácil se o projeto é realmente sustentável. Portanto, tem como usuários instituições financeiras, investidores e gestores de ativos, desenvolvedores de projetos, companhias, governos e qualquer um que queira que seus investimentos sejam, de fato, sustentáveis.
O trabalho na TSB se iniciou em Março de 2024 e os setores escolhidos são: agropecuária, indústrias extrativas, indústrias de transformação, eletricidade e gás, água e esgoto, transporte e serviços sociais. As atividades agropecuárias foram selecionadas pelo volume de crédito envolvido e indicadores econômicos e sociais, sendo a lista composta por: soja e milho (culturas anuais), café e cacau (culturas perenes), pecuária de corte e leite, florestas plantadas (eucalipto), regeneração natural assistida (RNA) de florestas nativas, pesca (pirarucu) e aquicultura (tilápia e tambaqui).
São considerados inelegíveis: (i) o uso de produtos químicos listados na Convenção de Estocolmo ou classificados como 1a ou 1b na classificação de pesticidas da Organização Mundial da Saúde ou que não sejam em conformidade com a Convenção de Roterdã, salvo as exceções previstas na legislação, (ii) áreas em que tenha havido desmatamento ilegal, ou (iii) para financiar a supressão nativa, mesmo que tenha sido legalmente autorizada.
Com a TSB, espera-se que haja mais mobilização e direcionamento dos investimentos para atividades com impactos positivos, possibilitando um desenvolvimento sustentável, à medida que mais tecnologias adequadas sejam usadas na produção. Seria favorecido, então, um fluxo de finanças sustentáveis baseado na confiança decorrentes da transparência, integridade e visão de longo prazo para as atividades econômicas e financeiras.
Para isso, é fundamental que o que se proponha na TSB seja aplicável na prática. Uma da formas de ajudar a conseguir esse objetivo é dando oportunidade aos interessados em apontar falhas e, especialmente, propor melhorias.
Assim, até o dia 31 de março de 2025, as oito CNAEs (Classificação Nacional das Atividades Econômicas) estão na fase de consulta pública na plataforma Participa + Brasi (ver link mais abaixo). Qualquer representante da sociedade civil pode ter acesso aos documentos e propor sugestões.
Os oito Cadernos Técnicos Setoriais são:
• CNAE A - Agricultura, Pecuária, Produção Florestal, Pesca e Aquicultura
• CNAE B - Indústrias Extrativas
• CNAE C - Indústria de Transformação
• CNAE D - Eletricidade e Gás
• CNAE E - Água, Esgoto, Gestão de Resíduos e Descontaminação
• CNAE F - Construção
• CNAE H - Transporte, Armazenagem e Correios
• CNAE Serviços Sociais para a qualidade de vida e planejamento
No caso do CNAE A, da agropecuária, as atividades econômicas estão em oito anexos:
• A1: Culturas anuais (soja e milho) - Anexo A1
• A2 e A3: Culturas perenes (café e cacau) - Anexos A2 e A3
• A4: Sistemas a pasto (pecuária de corte e leite) - Anexo A4
• A5: Florestas plantadas (eucalipto) - Anexo A5
• A6: Regeneração Natural Assistida (RNA) de florestas nativas – Anexo A6
• A7: Pesca (Pirarucu) - Anexo A7
• A8: Aquicultura (tilápia e tambaqui) - Anexo A8
O site para a consulta pública é:
https://www.gov.br/participamaisbrasil/taxonomia-sustentavel-brasilieira
Mais informações sobre a Taxonomia Sustentável Brasileira podem ser obtidas em:
https://www.gov.br/fazenda/pt-br/orgaos/spe/taxonomia-sustentavel-brasileira
As taxonomias sustentáveis são instrumentos muito recentes e precisarão, após sua implantação, passarem pela prova da realidade, bem como serem periodicamente revistas. Há, contudo, uma boa lógica para esperar que ela possa ajudar a fazer com que os investimentos nas atividades econômicas tragam benefícios ampliados, em relação ao que se faz atualmente.
Isso vale, tanto para evitar investimentos em negócios que trazem prejuízos diretos à sociedade, como para aqueles que, travestidos de sustentáveis, são apenas “green washing”, ou seja, não trazem o benefício ambiental ou social prometido ou, apesar de trazerem algum benefício, ao mesmo tempo causam outros problemas, as vezes até maiores do que os benefícios trazidos.
Importante observar que investimentos sustentáveis são, também, mais seguros, pois se baseiam em práticas comprovadamente eficazes, mais de acordo com a necessidade atual e dentro das leis, ou seja, tem mais chance de darem resultados e não serem alvos de contenciosos judiciais ou multas. Interessantemente, apenas os investimentos sustentáveis duram à longo prazo, ou seja, apenas os investimentos sustentáveis são sustentáveis.
Por fim, o leitor atento pode ter percebido o “pulo” entre créditos de carbono e a TSB e, de fato, um é independente do outro. Apesar disso, criar interações entre eles não só é possível, como desejável. Essa conexão pode ser o divisor de águas entre a situação atual, em que os pecuaristas veem a questão das reduções de GEE como ameaça à sua atividade, mas, sim, uma oportunidade de aperfeiçoá-la, produzir mais com menos e aumentar sua rentabilidade, o que, ironicamente, nem precisaria desse estímulo. Seja como for, permite vislumbrar um futuro em que teremos, produtores mais capitalizados, maior produção de alimentos e menor impacto ambiental, que é exatamente o que precisamos para enfrentar duas grandes ameaças para a humanidade: a fome e o colapso ambiental.
Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
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