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Tecnologia de transferência de embriões: uma estratégia para acelerar o ganho genético em bovinos


Quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025 - 06h00


Foto: Bela Magrela


Em nossa série de artigos, temos discutido sobre como a aplicação de biotecnologias reprodutivas são uma ferramenta de grande importância para acelerar o ganho genético dos rebanhos de corte e de leite. Ao utilizar tecnologia de transferência de embriões (TE), torna-se possível disseminar material genético de alto valor tanto de machos quanto de fêmeas, enquanto outras biotecnologias, como a inseminação artificial (IA), permitem a rápida multiplicação de material genético apenas de machos. Neste artigo, iremos abordar como a produção de embriões in vivo e in vitro atuam melhorando a eficiência reprodutiva e produtiva dos rebanhos.

Figura 1.

Fonte: Bela Magrela

De acordo com a ABIEC (2024), considerando a evolução da produção de carne nos últimos dez anos, o Brasil produziu mais de 1 milhão de toneladas neste período, estando acima de todos os grandes players mundiais; como Estados Unidos (aumento de 534,0 mil t), Uruguai (aumento de 108,0 mil t), Argentina (mais 458,0 mil t), Nova Zelândia (aumento de 119,0 mil t) e Austrália (que produziu menos 90,0 mil t no período). Nas exportações, o Brasil ocupa a primeira colocação, sendo responsável pela exportação de 18,7% de toda a carne comercializada no mundo.

Quanto ao mercado de leite, o Brasil é o terceiro produtor mundial, atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. Todavia, apesar do Brasil estar nas primeiras posições nos rankings mundiais de produção de leite e de rebanho de vacas ordenhadas, quando se trata de produtividade animal, o cenário é diferente. Segundo dados da FAO (2019), nessa lista o Brasil está colocado na 84ª posição global, com produtividade cinco vezes menor aos dois primeiros colocados (Israel e Estados Unidos) que ultrapassam 10 mil litros/vaca/ano. No entanto, a produtividade animal brasileira tem evoluído nos últimos anos. No período de 1997 a 2018, houve uma redução no rebanho leiteiro e aumento da produção nacional de leite em 89%.

Para que esse aumento de produtividade, nos sistemas de carne e leite, também seja acompanhado pelo melhoramento genético, os produtores têm a possibilidade de fazer o uso das biotécnicas da reprodução. Atualmente, a pecuária conta com grandes avanços na seleção genômica, que possibilita a identificação de animais geneticamente superiores logo após o nascimento. Dentre as biotecnologias, a produção de embriões in vivoin vitro são as ferramentas mais eficientes para acelerar o ganho genético desses indivíduos, promovendo a multiplicação das melhores matrizes acasaladas com os melhores reprodutores e com redução significativa no intervalo entre gerações dentro do sistema de produção.

Para a produção de embriões in vivo, utilizam-se múltiplos tratamentos para sincronização e para superovulação (SOV), a inseminação artificial (IA) em momento apropriado e a lavagem uterina para colheita dos embriões, que requerem grande quantidade de manejos com as fêmeas. No caso da produção de embriões in vitro (PIVE), seu sucesso depende do número e da qualidade de oócitos recuperados por doadora após o procedimento de aspiração folicular (OPU) por ultrassonografia transvaginal. Ainda, a produção de embriões pode ser realizada com oócitos advindos de animais pré-púberes recuperados por laparoscopia (doadoras com 2 a 4 meses de idade) ou por OPU (doadoras de 5 a 12 meses).

Em relação à tecnologia, observou-se uma reversão na tendência de redução no uso da coleta de embriões in vivo (SOV) observada nos últimos anos (menos 84,7% entre 2012 e 2021), e que chegou a representar apenas 1,8% do total em 2021. Ainda que em termos absolutos a coleta de embriões in vivo tenha representado apenas 4,6% do total em 2022, o aumento de 56,3% mostra a resiliência desse nicho de mercado. Por outro lado, a produção de embriões in vitro no segmento leite apresentou uma pequena retração, enquanto no segmento corte a produção in vivoin vitro aumentaram, o que resultou em um pequeno aumento do corte na participação geral de embriões (de 40,7% em 2021 para 41,3% em 2022).

Diversos grupos de pesquisa têm buscado melhorar a PIVE. Nesse sentido, as técnicas de sincronização da ovulação, utilizadas para a transferência de embriões em tempo fixo (TETF), colabora para a multiplicação de animais geneticamente superiores e mais produtivos. Entretanto, diversos fatores influenciam a produção de embriões, como o grupo genético e a população folicular, a idade da doadora, o estresse térmico, o status metabólico e o status reprodutivo. Além disso, há diversos fatores responsáveis pela baixa fertilidade nas vacas, tais como, anestro prolongado, metabolismo de hormônios esteroides, estresse térmico, balanço energético negativo (BEN), doenças infecciosas, cistos ovarianos e outros. 

Adicionalmente, novas pesquisas têm demonstrado que vacas leiteiras com produtividade elevada apresentam um comprometimento no desenvolvimento embrionário inicial, além de fertilização comprometida no verão. Dessa forma, é necessário programar a melhor estratégia reprodutiva para a propriedade, pois após a produção dos embriões, é importante a transferência para receptoras com elevada fertilidade.

Na atualidade, vários estudos têm sido desenvolvidos para elaborar estratégias que contornem estes desafios e aumentem a eficiência das técnicas de produção de embriões. Dentre os tratamentos estabelecidos para melhorar a produção de embriões das doadoras destacam-se:

1) Utilização de gonadotrofinas: Em animais jovens, o tratamento com hormônio folículo estimulante (FSH) aumenta o tamanho dos folículos e melhora a qualidade dos oócitos aspirados (Baruselli e coautores, 2019). 

2) Somatotropina bovina recombinante (rBST): O uso de rBST eleva significativamente as concentrações séricas de fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1) e insulina, tendo efeito importante na esteroidogênese (produção de estrógeno e progesterona). Em estudo realizado pelo nosso grupo, o número de embriões por OPU aumentou 4,6 vezes em animais tratados com a associação dos tratamentos FSH e rBST (Elliff e coautores, 2019).

3) Propilenoglicol: A utilização de propilenoglicol em novilhas da raça Holandesa durante curto prazo elevou os níveis séricos de glicose, insulina e IGF-1, que por sua vez estimulou o crescimento folicular e melhorou a PIVE (Rezende e coautores, 2019).

4) Células tronco mesenquimais: Tem demonstrado resultados promissores na taxa de recuperação oocitária, taxa de oócitos viáveis, taxa de clivagem, taxa de blastocisto e taxa de blastocisto eclodido (Soares e coautores, 2018).

Uma dúvida comum é qual protocolo de TETF utilizar para se obter resultados satisfatórios. Existem diferentes protocolos disponíveis e que consideram as particularidades de cada categoria animal: 1) receptoras de corte (pluríparas, primíparas e solteiras), 2) receptoras de leite em lactação (pluríparas e primíparas) e 3) novilhas receptoras de corte e leite). Ainda recomendações conforme a raça (Nelore, Holandesa, Girolando, Jersey) e o número de manejos (3 ou 4 manejos, com retirada no D8, D9 ou D7).

Utilizando as técnicas de sincronização e de ressincronização, estudos realizados pelo nosso grupo de pesquisa no Departamento de Reprodução Animal (FMVZ/USP), avaliaram simultaneamente a eficiência das biotecnologias de IATF e de TETF. Foram utilizadas 634 vacas Nelore lactantes submetidas aos seguintes tratamentos: 1) duas IATF consecutivas (2IATF; n=160), 2) IATF seguida de TETF (IATF/TETF; n=160), 3) TETF seguida de IATF (TETF/IATF; n=158) e 4) duas TETF consecutivas (2TETF; n=156). Os embriões foram produzidos in vitro e transferidos a fresco. A taxa de prenhez após o primeiro serviço foi superior nos manejos com 2IATF (59,4 %; 95/160) e IATF+TETF (59,4 %; 95/160), quando comparadas aos manejos com TETF+IATF (31,7 %; 50/158) e 2TETF (32,7 %; 51/156).

Visando reduzir os efeitos negativos na taxa de prenhez com a utilização da TETF, foi realizado um estudo com a ressincronização precoce (apresentada no artigo anterior), quando todos os animais iniciam o protocolo 22 dias após a ovulação e a gestação é diagnostica no dia 30. Vacas Nelore lactantes (n=360) receberam uma TETF, seguido de 2 IATFs em uma estação de monta de 64 dias. Verificou-se que a taxa de prenhez à TETF foi de 44,2%, seguida de 55,7% na primeira IATF e de 47,1% na segunda IATF, totalizando 86,9% de prenhez ao final da estação de monta. Esses dados são indicativos de que é possível utilizar a TETF no primeiro serviço, seguido de rápida ressincronização com IATF sem comprometer a eficiência reprodutiva na estação de monta de rebanhos de corte.

Na pecuária leiteira, Sartori (2004) demonstra que vacas de alta produção tem apresentado taxas de concepção após IA inferiores a 40%, e a tecnologia de TE por sua vez, tem o potencial de melhorar a eficiência reprodutiva e/ou o manejo zootécnico dos rebanhos. Negrão e coautores (2002) avaliaram 6.581 IA e 1.304 TE durante o ano. Nesse estudo, vacas holandesas que não ficaram gestantes até a terceira IA, receberam TE. As taxas de concepção observadas com TE (inverno/primavera: 45,0%; verão/outono: 41,0%) foram superiores às de IA (inverno/primavera: 31,0%; verão/outono: 24,0%). Portanto, o uso da TE pode ser considerado um método alternativo à IA no manejo reprodutivo, especialmente de vacas leiteiras.

As técnicas de sincronização para TETF viabilizam a utilização da transferência de embriões, colaborando para acelerar o melhoramento genético da pecuária de corte e leite. Existem ainda limitações relacionadas à reduzida qualidade e quantidade de oócitos recuperados. A principal estratégia para melhorar a produção de embriões é a utilização de gonadotrofinas associada ao protocolo de sincronização com progesterona. Diversos fatores podem influenciar positivamente a PIVE, aumentando sua eficiência e tornando esse processo viável comercialmente.

Nos próximos artigos da nossa série, discutiremos sobre os fatores que afetam o desempenho dos resultados das biotécnicas reprodutivas – aguarde. Até a próxima e grande abraço!

Referências bibliográficas

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Laís Abreu

Médica veterinária pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), Especialista em Agronegócios pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), Mestre em Reprodução Animal pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutoranda em Reprodução Animal pela USP e Université Laval (Québec, Canadá)

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