A demarcação de terras indígenas não se trata de mais um problema regional. Deixou de ocupar o espaço de um problema étnico e social e se tornou um desafio nacional. Desafio que terá de ser solucionado de norte a sul do país. A solução se dará através do envolvimento de todas as forças envolvidas: agricultores, pecuaristas, o governo, a mídia e as comunidades indígenas.
O tema é controverso, uma vez que permeia diversos interesses, fazendo com que seja difícil estabelecer-se uma análise clara sobre o tema. Por exemplo, em Santa Catarina, o deputado Valdir Colatto ressaltou a insegurança jurídica que envolve o assunto e lembrou que em uma área do estado em que não havia índios desde 1800, novas portarias foram publicadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para estudos de demarcações.
Por outro lado não se pode negar que a população indígena também tem o direito a terra. Da mesma forma, agricultor e pecuarista têm direito de desenvolver sua atividade de forma legal e digna. Como resolver esse impasse? Quem está certo e quem está errado? Entre vilões e mocinhos, projetados de forma globalizada, a demarcação de terras indígenas toma proporções quase míticas.
É preciso que a racionalidade impere e que as soluções superem a criação de problemas. Essa causa deve ser parte importante para o crescimento econômico, social e humano de nosso país. A falta de informação, a desinformação e, principalmente as mentiras, não trarão respostas.
Entenda um pouco da história: o caso da demarcação da Raposa Serra do Sol
Administrativamente o caso da demarcação da Raposa Serra do Sol, em Roraima, está concluído desde 2005. Uma operação policial para retirada de arrozeiros ocupantes de parte da área foi alvo de reação violenta e acabou suspensa por decisão liminar do Superior Tribunal Federal (STF), em abril de 2008, provocando uma manifestação do comandante militar da Amazônia contra a política indianista. Manifestações favoráveis e contrárias à demarcação ocorreram com ampla cobertura da imprensa.
A área foi formalmente identificada pela FUNAI em 1993, com a publicação no Diário Oficial da União (DOU) do memorial descritivo com as coordenadas geográficas do perímetro proposto para demarcação, que privilegiou limites naturais e excluiu a cidade de Normandia e as terras no seu entorno. Nos anos que se seguiram até a homologação, fortes pressões políticas retardaram o processo administrativo e segundo os indianistas, promoveram a invasão de arrozeiros, a criação de mais um município dentro da área e a divisão entre lideranças e comunidades indígenas locais.
Os arrozeiros, por outro lado, alegam que o governo concedeu essas terras num processo de ocupação e incentivo da produção agrícola brasileira. E que após anos de investimento, motivados por esse incentivo, se viram ao Deus dará e perdendo todo o seu negócio.
Grande balbúrdia representou esse conflito. A cada nova demarcação, o caso Raposa Serra do Sol retorna à mídia como se fosse uma novidade, tanto para os indianistas, produtores rurais, sociedade em geral e, principalmente, para o estado que trata do assunto de forma inábil.
Informações fora de contexto e números contraditórios proliferam o misticismo sobre o assunto. Todos são prejudicados: índios, produtores rurais, a sociedade e o país.
As próximas Raposas Serra do Sol: o que tem ocorrido no oeste do MS e no oeste do PR
Nos municípios da região sul e, particularmente, os do cone sul do estado do Mato Grosso do Sul, na faixa de fronteira entre Brasil e Paraguai, populações indígenas reivindicam o direito pela terra atualmente utilizada por produtores. Confrontos têm acontecido.
Segundo o relatório de Identificação da Terra Indígena publicado pela FUNAI, com base em fontes documentais e bibliográficas, a presença dos índios Guarani na região vem desde o século XVII.
Em 1767 com a instalação do Forte de Iguatemi, os índios passaram a ter contato com os "brancos", que aos poucos passaram a habitar a região com o intuito de mantê-la sob a guarda da corte portuguesa. A partir de 1940, os fazendeiros passaram a produzir nessas terras, com autorização e incentivo do estado, fomentando o início do conflito que hoje está declarado.
Junto com esse movimento de incentivo a fazendeiros com propriedades regulamentadas sugiram também os ilegais que começaram a ocupar as terras e promover a expulsão dos índios. Contudo, os índigenas de Arroio-Korá permaneceram, trabalhando como peões e sendo incorporados à sociedade.
Nesses 72 anos o governo não tem sido competente para demarcar as terras e principalmente em criar mecanismos que regulamentem esse processo de forma justa e racional. Há mais de 10 anos tramitam na Câmara e do Senado duas Propostas de Emendas à Constituição (PEC) que visam compartilhar com o Poder Legislativo a decisão sobre que áreas poderão se tornar reservas indígenas.
Dessa forma o STF almeja uma participação maior dos estados e municípios nos grupos de trabalho que desenvolvem os trabalhos e relatórios sobre as potenciais reservas. Pretende-se evitar, com essa ação, o viés mistificado de organizações não governamentais - ONGs, e demais entidades que não estão preocupadas com a resolução do impasse e desenvolvimento do país.
Em paralelo, no Senado, tramita a PEC 38, que, entre outros aspectos, estipula que as demarcações ou unidades de conservação ambiental não poderão exceder 30% da área dos estados. Segundo o senador Mozarildo Cavalcanti as demarcações de reservas já eram para ter sido encerradas em 1993, prazo máximo estabelecido pela Constituição Federal, sendo que a cada dia surgem mais pedidos de reservas que vão reduzindo as áreas dos estados. Hoje, 14% do território brasileiro é reserva indígena.
Por outro lado quem defende a causa indianista afirma que terá que haver indenizações aos proprietários. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, os produtores estão instalados há décadas na região de litígio que é produto de frentes de colonização incentivadas pelo próprio governo, no período do governo militar.
Para enfrentar a crise no MS, o governo federal criará um comitê especial (final de novembro), recriando oficialmente uma coordenação especial das políticas públicas voltadas para a população indígena Guarani-Kaiowá do sul do MS.
Demarcações indígenas oeste do Paraná
Além da região sul do MS, outros lugares estão sob conflito em função da demarcação de terras indígenas, tais como Santa Catarina e Paraná.
No município de Umuarama-PR, em que não se observa mais índios há décadas, existe um pedido de demarcação em torno de 14 mil hectares. Executar essa demarcação seria desapropriar quatro mil pessoas que, na maioria dos casos, possuem o título legal da terra há mais de 50 anos, investindo e produzindo.
Final
A demarcação e criação de extensas reservas indígenas, principalmente em zonas de fronteiras, gera preocupação. Por um lado potencializa a vulnerabilidade da soberania nacional, na medida em que abre espaço para que as tribos isoladas sejam usadas como massa de manobra por ONGs e entidades internacionais interessadas na "patrimonização mundial" de larga faixa da fronteira Amazônica brasileira.
Sob outro olhar o governo, ao tratar a problemática indígena de forma particularista, ou seja, com viés étnico e abordagem unilateral, fomenta a reinserção na sociedade de uma intolerância aos índios que de modo algum é interessante para a unidade da nação.
Quando avaliamos o modelo histórico de ocupação do território brasileiro, baseado em nossa formação étnica tríplice, vemos que o respeito à territorialidade dos índios não pode implicar na desproteção de regiões cobiçadas como a Amazônia ou em qualquer outra parte do Brasil. Hoje as zonas de fronteiras são protegidas, de certa forma, por agricultores e pecuaristas que se fazem presentes há décadas nas zonas de litígio, que ocupam, produzem e contribuem de forma impactante no desenvolvimento do país.
Como exemplo, temos a nossa própria ação de anexar boa parte da Amazônia que pertencia à Espanha segundo o Tratado de Tordesilhas. É fato, fronteiras ricas e vazias irão estimular a cobiça.
Diante disso, faz-se necessário tratar o assunto com perspicácia, bom senso e sabedoria. Os índios não podem ser rotulados pejorativamente como vilões e tampouco os produtores, assim como não podemos diminuir o papel da população indígena como vítimas da historiografia e antropologia que a incluem num mar de lágrimas da história do Brasil, pois séculos após esses episódios a nação é uma só.
Fica o desafio de se encontrar soluções que atendam o que de direito deve ser atendido e principalmente que atenda e beneficie ao interesse do país, pois só assim conseguir-se-á manter o Brasil como uma nação forte e promissora.
Por Priscila Montanheri, graduanda em medicina veterinária.
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