Burt Rutherford, escritor deste texto, tem quase trinta anos de experiência em comunicação relacionada aos problemas da indústria de carne bovina. Fez pós-graduação na Universidade Estadual do Colorado, com licenciatura em jornalismo agrícola, e hoje trabalha em Amarillo, no Texas (Estados Unidos). Trabalhou como diretor de comunicações para a Fundação norte-americana de Limousin e foi editor do Western Livestock Journal, antes de passar 21 anos como diretor de comunicação da Texas Cattle Feeders Association.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) divulgou em maio um relatório que, mais uma vez, questiona o valor da produção pecuária e da proteína animal na alimentação.
O IPCC é o órgão das Nações Unidas (ONU) responsável por produzir informações científicas relativas ao tema.
O IPCC é composto por três grupos de trabalho. O primeiro avalia os aspectos científicos do clima e da mudança do clima. O segundo avalia a vulnerabilidade socioeconômica e dos sistemas naturais em função da mudança do clima e as opções para se adaptar e o terceiro estuda como limitar as emissões de gases de efeito estufa e outras maneiras de acabar com a mudança do clima.
Este é o quinto relatório e, de acordo com o IPCC, foi um trabalho de quatro anos envolvendo 235 autores de 58 países. O relatório é extenso e abrange muitos setores da economia global, incluindo agricultura, silvicultura e outros usos para a terra, além de energia, transporte, construções e indústria.
Conforme a Organização Meteorológica Mundial e o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas: "O relatório fornece aos responsáveis políticos avaliações regulares sobre as mudanças do clima, seus impactos, riscos futuros e opções para adaptação e mitigação dos problemas. As avaliações são de relevância política: podem apresentar projeções de futuras mudanças climáticas com base em diferentes cenários e os riscos que representam. Além disso, discute possíveis respostas para este problema, mas não dizem aos políticos que ações devem tomar."
O relatório, intitulado "Mudanças Climáticas 2014: Mitigação das Alterações Climáticas" analisa como as atividades humanas podem influenciar nas mudanças climáticas, e sugere como estas atividades podem amenizar os efeitos da mudança climática no mundo. Este relatório é parte de uma série divulgada a cada sete anos, diz Chuck Rice, professor e microbiologista do solo da Universidade Estadual do Kansas (KSU, sigla em inglês) e um dos autores do capítulo sobre agricultura.
Embora o relatório seja rico em informações, vamos olhar para o capítulo da agricultura: "a agricultura contribui globalmente com cerca de 10,0% a 12,0% das emissões de gases de efeito estufa", disse Rice em um comunicado à imprensa da KSU. "Se você considerar a silvicultura, este índice sobe para 25,0%. A agricultura é significativa, mas não o principal contribuinte e vem diminuindo lentamente estas emissões desde o último relatório de 2007, não tanto porque a agricultura mudou muito, mas porque o setor de energia está contribuindo mais".
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), a agricultura é uma atividade que depende de temperatura, pluviosidade, umidade do solo e radiação solar. Mudanças climáticas que interfiram nesses fatores podem afetar a produção agrícola mundial, diminuindo a produtividade em algumas regiões e aumentando em outras.
As emissões de gases provenientes da agricultura e pecuária subiram de 4,7 bilhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono (CO2 eq) em 2001 para mais de 5,3 bilhões de toneladas em 2011, um aumento considerável de 14,0% (EMBRAPA). Por outro lado, as emissões em função de outros usos da terra e de diminuição dos desmatamentos caíram quase 10,0% ou 3,0 bilhões de toneladas equivalentes (CO2 eq) por ano.
Rice ressalta que os autores do relatório IPCC não estão criando uma nova ciência, mas avaliando como a agricultura, a silvicultura e o uso da terra contribuem e como podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Após revisões de literatura, resumiram os fatos científicos que ocorreram desde o último relatório em 2007.
O relatório publicado em 2007 foi um marco ao afirmar, com 90,0% de certeza, que os homens são os responsáveis pelo aquecimento global.
Neste documento, divulgado em 2 de fevereiro (grupo I), as estimativas mostravam um aumento entre 1,8 e 4,0 oC ainda neste século. Para garantir a qualidade de vida, é preciso que o aumento da temperatura média do planeta não ultrapasse 2,0 oC em relação aos níveis pré-industriais, da metade do século XIX.
No segundo relatório, publicado em 6 de abril do mesmo ano (grupo II), foi escrito um capítulo para a América Latina, com foco no Brasil, mostrando os impactos sobre a temperatura em várias regiões como na Amazônia, no semiárido nordestino e no litoral.
Para a região Amazônica as temperaturas poderão subir ainda mais no verão em virtude de secas severas e pela transformação da floresta, que poderá se assemelhar ao cerrado em algumas regiões.
No Nordeste brasileiro, este relatório mencionou que as temperaturas subirão ao ponto de transformar a região semiárida em árida, o que comprometerá ainda mais a disponibilidade de água no solo.
No Sudeste, as precipitações tendem a aumentar, impactando a agricultura, provocando inundações e deslizamentos de terra.
Por fim, no terceiro relatório, de 4 de maio (grupo III), o IPCC informou que é possível frear o aquecimento global e salvar o planeta, desde que as emissões de CO2 diminuam de 50,0% a 85,0% até a metade deste século.
Rice reconheceu que as palavras "mudanças climáticas" podem ser controversas, mas acrescentou: "Quanto às emissões de gases de efeito estufa e as concentrações na atmosfera, eu não acho que há qualquer controvérsia, são cálculos concretos. A ciência é sólida sobre isso, o que as pessoas podem questionar é: quais são os impactos desses gases de efeito estufa?".
"É certo que o aumento de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N2O) e metano (CH4), provocou num aumento de cerca de 0,8 oC na temperatura global. Há uma grande variação ao redor do globo. Com o tempo, nossa atmosfera passa por ciclos naturais e o que os cientistas estão dizendo é que estamos melhorando esses ciclos", diz Rice.
Os autores do capítulo sobre agricultura e silvicultura fazem recomendações importantes. Eles incluem o sequestro de carbono no solo por meio de mudanças de manejo, sendo o plantio direto o principal deles, aumentando o rendimento das culturas e a eficiência da pecuária; reduzindo o desperdício de alimentos; e buscando mudar a alimentação humana com uma menor participação de produtos de origem animal.
A maior vantagem do sistema plantio direto é a conservação do solo através do revolvimento mínimo do solo, não realizando operações como arações e gradagens. Além disso, tem-se um maior equilíbrio das características físicas e químicas do solo pela maior disponibilidade de cobertura morta sobre o solo, o que proporciona:
* Minimização da erosão;
* Escorrimento superficial da água mais lento;
* Redução da temperatura e da evapotranspiração dos solos;
* Favorece o desenvolvimento das atividades microbiológicas;
* Propicia a redução de plantas daninhas por supressão;
* Aumento da matéria orgânica do solo.
Segundo Pereira et.al. (2013), no Brasil, o plantio direto favorece o sequestro de carbono, com incrementos de 5,2 a 8,5 Mg de carbono (lê-se megagrama ou tonelada métrica) por hectare, superiores ao solo sob preparo convencional.
Rice reconhece que recomendar uma menor participação de produtos de origem animal na dieta, é controversa, mas os autores determinaram que a mudança da alimentação humana poderia ajudar a melhorar a emissão dos gases de efeito estufa, de acordo com a KSU.
Há uma lógica por trás dessa recomendação: "As emissões de metano da pecuária são um dos principais contribuintes para a pegada da agricultura", disse Rice. "Cerca de 40,0% das emissões da agricultura são devido à pecuária e se pudéssemos reduzir a pecuária reduziríamos também as emissões destes gases."
No entanto, Rice diz que o relatório reconhece que existem barreiras sociais e políticas para todas estas opções. "Certamente, o consumo de carne seria uma barreira social. Tradicionalmente, quando a renda da população de um país aumenta, o consumo de carne bovina ou de outra proteína sobe."
O aumento da renda de uma população faz com que a demanda por produtos de maior valor agregado também aumente. Isso pode ser verificado através do coeficiente de elasticidade-renda, que mede a sensibilidade da demanda de um determinado produto em relação à variação da renda do consumidor.
A carne bovina de primeira, segundo Hoffmann (2010), possui o maior coeficiente de elasticidade-renda para consumo frente à carne suína e de frango (Tabela 1). Isso permite dizer que se a renda da população aumentar em 100,0%, a participação do consumo destas proteínas aumentará 51,3%, 40,5% e 14,6%, respectivamente, e assim por diante.
De acordo com relatório divulgado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o consumo de carne bovina no Brasil deverá aumentar 3,6% ao ano entre 2013 e 2023, ou seja, aumento de 42,4% nos próximos dez anos.
Como era de se esperar, as estatísticas da indústria de carne são um pouco diferente daquela expressa pelos autores do relatório. Nos Estados Unidos, a avaliação do ciclo de vida relacionada à pegada de carbono é realizada pela Associação Nacional dos Pecuaristas (NCBA, sigla em inglês) e certificado pela Fundação de Saneamento Internacional (NSF International, sigla em inglês). A indústria de carne bovina norte-americana fez e continua fazendo melhorias significativas no uso de energia e nas emissões de gases de efeito estufa.
A NSF International foi fundada em 1944 com o objetivo de proteger e melhorar a saúde humana mundial. É uma organização norte-americana independente e credenciada para desenvolver normas e padrões de saúde pública, além de realizar testes e possuir programas de certificação de produtos e sistemas. Além disso, fornecem soluções em auditoria, educação e gestão de risco para a saúde pública e para o meio ambiente. Possuem escritórios nos EUA, África, Ásia, Europa, América Latina e Caribe.
De acordo com o relatório de avaliação do ciclo de vida, de 2005 a 2011, a indústria da carne nos EUA reduziu o uso de água em 3,0%, reduziu o consumo de recursos e uso de energia em 2,0%, e reduziu as emissões de gases de efeito estufa em 2,0%. De acordo com a NCBA: "De 2005 a 2011, melhorias na produtividade das culturas, tecnologias de máquinas, técnicas de irrigação, manejo da adubação, nutrição e desempenho animal resultaram na redução do impacto ambiental do processo de produção de carne bovina, melhorando a sustentabilidade".
Além do mais, o especialista em sustentabilidade da indústria de carne bovina Jude Capper diz que, em 2007, os pecuaristas estavam significativamente mais ambientalmente sustentáveis do que há trinta anos. Suas análises mostram que os agricultores e pecuaristas elevaram em 13,0% a produção de carne bovina, com 13,0% menos animais. Quando comparado com a produção em 1977, cada libra (0,450 gramas) de carne produzida hoje produz 18,0% menos emissões de carbono, utiliza 30,0% menos terra e requer 14,0% menos água. Em suma, entre 1977 e 2007, os produtores de carne bovina dos EUA reduziram a sua pegada de carbono global em 16,0%.
A pegada de carbono é utilizada para medir o impacto que as atividades humanas sobre as emissões de gases do efeito estufa (Instituto Carbono Brasil).
Isso pode ser verificado em todas as etapas de produção de um produto. Ou seja, a liberação de gases de efeito estufa ocorre desde a extração da matéria prima, o transporte, a energia utilizada, a estocagem até quando chega aos lixões, aterros sanitários ou incineradores.
É importante lembrar que os 40,0% citado por Rice é uma estimativa global e as estatísticas NCBA são estimativas dos EUA. Então, fazer qualquer comparação direta é difícil. De acordo com Burt, não é seu objetivo se envolver em "estatísticas pingue-pongue", nem difamar Rice ou outros autores do capítulo agrícola no relatório do IPCC.
Para Burt as estatísticas da NCBA e de Capper indicam que, nos EUA, pelo menos, os agricultores e pecuaristas estão atingindo o objetivo de aumentar o rendimento das culturas e a eficiência alimentar do gado e isso faz com que a recomendação de não consumir produtos de origem animal seja a socialmente e culturalmente perigoso.
Esta não é a primeira vez que a ONU pega no pé da pecuária, e Burt está certo de que não será a última. Mas, se a ONU quer realmente fazer progressos na mitigação das mudanças climáticas, talvez seja melhor exportar o sistema de produção agrícola dos Estados Unidos para o resto do mundo, em vez de tentar agressivamente destruí-lo.
Fonte: http://beefmagazine.com/blog/beef-editors-blog/contributors/136/burt-rutherford
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