Diante dos acontecimentos, em relação à delação premiada dos donos da JBS na quarta-feira (17/5), começamos a pensar nos últimos grandes acontecimentos (cisnes negros¹) que impactaram o mercado do boi gordo.
Veja na figura 1 os três ciclos pecuários desde o início do plano real e os pontos importantes destacados e que abordaremos nesse texto.
Figura 1.
Preços da arroba do boi gordo deflacionada pelo IGP-DI, em São Paulo, em R$/@.Fonte: Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br
1. Caso de febre aftosa em Mato Grasso do Sul e Paraná
O cenário de queda no preço da arroba do boi gordo (de janeiro a setembro de 2005 os preços caíram 16,2% em valores reais, em São Paulo) já mostrava para o pecuarista que 2005 não seria fácil devido à fase de baixa do ciclo pecuário.
Entretanto, a situação se agravou em outubro com a descoberta do foco de febre aftosa no sul de Mato Grosso do Sul e em dezembro no Paraná. Além do abate sanitário de milhares de animais, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, diante da descoberta do foco de febre aftosa, mais de 50 países embargaram a compra de carne brasileira, sendo que alguns deles pararam somente a compra dos estados envolvidos e alguns estados vizinhos, enquanto outros de todo o Brasil.
A China e a Venezuela, por exemplo, foram países que deixaram de comprar carne e produtos processados de bovinos, suínos e ovinos de todo o Brasil.
Já entre os países que deixaram de comprar apenas dos estados onde os focos de febre aftosa foram detectados e estados vizinhos (MT, PR, SP e MG) estavam Argentina, Bolívia, Rússia e União Europeia.
Veja nas tabelas 1,2 e 3 a variação no faturamento e no volume de carne bovina in natura exportada por Mato Grosso do Sul, Paraná e Brasil em 2004 em relação a 2005.
Tabela 1.
Faturamento e volume de carne bovina in natura exportada por Mato Grosso do Sul.Fonte: MDIC/ Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br
Tabela 2.
Faturamento e volume de carne bovina in natura exportada por Paraná.Fonte: MDIC/ Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br
Tabela 3.
Faturamento e volume de carne bovina in natura exportada por BrasilFonte: MDIC/ Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br
Apesar das quedas nos últimos meses em relação as exportações, o volume e faturamento ficaram positivos em relação a 2004, com alta de 17,4% e 23,2%, respectivamente.
Assim, a combinação de oferta abundante de animais terminados, demanda retraída e exportações em queda, colaboraram para desvalorização ainda maior no mercado do boi gordo e, como podemos observar na figura 1, os preços chegaram aos menores patamares desde janeiro de 1995.
2. Crise mundial
Após o período de baixa os preços começam o percurso de alta do segundo ciclo pecuário do plano Real em meados de 2006. Entretanto, em 2008, o desequilíbrio da maior economia do mundo, os Estados Unidos, resultou em uma crise mundial.
Com crédito em extinção e queda da demanda, muitos frigoríficos decretaram férias coletivas ou simplesmente fecharam algumas unidades, diminuíram o número de animais abatidos (elevada ociosidade) e pulavam dias de abate. Foi nesse período, por exemplo, que ocorreu a fusão da JBS (Friboi) com a Bertin.
Mesmo em um período de escassez de matéria-prima, como acontecia em 2008 e 2009, a diminuição da demanda colaborou com a desvalorização do boi gordo.
De agosto de 2008 a agosto de 2009 o preço da arroba do boi gordo caiu 13,6% em preços reais, em São Paulo.
3. Operação Carne Fraca
Após a “quebra” do segundo ciclo pecuário do plano Real, o cenário se manteve mais calmo por alguns anos, até que a economia domé stica mergulhou na crise atual, a partir de 2015, principalmente. Queda forte de consumo, mas sem uma data clara de impacto.
Até que no dia 17/3/2017 foi deflagrada a operação da Polícia Federal intitulada Carne Fraca, que investigou esquemas de pagamento de propina envolvendo funcionários do Ministério da Agricultura e empresários do ramo alimentício. A operação teve como alvos frigoríficos de pequeno e grande porte.
A informação de que produtos inseguros para saúde estavam sendo liberados para consumo causou pânico, tanto no mercado interno como no externo. Compradores como Hong Kong, China, Chile e Egito barraram as importações da carne brasileira à espera de esclarecimentos.
Outros países, como os EUA, aumentaram a fiscalização do produto brasileiro que chega ao país.
E assim, diante das incertezas quando à demanda, a maioria dos frigoríficos ficou fora das compras aguardando uma melhor colocação do mercado. Em São Paulo, por exemplo, foram três dias de mercado sem referência, com praticamente todas as indústrias fora das compras.
Após a retomada das compras os testes dos compradores chegavam a R$11,00/@ abaixo das referências anteriores ao evento. Ao final de março a arroba do boi gordo tinha caído 3,8%.
Entretanto, aos poucos a situação foi se acalmando. Diante do cenário de boa qualidade das pastagens, associado à pressão de baixa, os pecuaristas diminuíram as negociações, o que resultou em encurtamento das escalas e a volta de pagamentos maiores para a arroba.
4. Funrural
A turbulência causada pela operação Carne Fraca nem bem terminou e mais uma novidade surgiu para o pecuarista.
No dia 30 de março o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a cobranças do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) do empregador rural pessoa física. E ficou definido o desconto de 2,3% de cada arroba negociada.
Diante dos questionamentos e negociações, no dia 15 de maio foi publicada a informação de que a alíquota do imposto será reduzida para 1,5% a partir de 2018, apesar de o pagamento retroativo manter a alíquota de 2,3%. Foi também divulgado que não haverá cobrança de multa e que o pagamento deverá ser parcelado em vinte anos.
Mesmo sem a confirmação das cobranças futuras, os frigoríficos estão descontando o imposto (2,3%) de cada arroba negociada e não há como negar que a cobrança significou a redução do lucro dos empreendimentos agropecuários.
Veja em nosso site os textos detalhando toda a questão do Funrural: “Sem mais dúvidas sobre a história do Funrural” e “Carta Boi – Funrural na pecuária de corte: acelerando a expulsão dos menos produtivos”.
5. Delação premiada dos donos e executivos da JBS divulgada em 17 de maio de 2017
Por fim, não podemos deixar de falar das consequências diante da delação premiada dos donos e executivos da JBS, que veio a público em 17 de maio. As revelações feitas atingiram grandes figuras da política e expuseram as relações entre o governo e a empresa.
Diante da revelação de pagamento de propina por parte da empresa a juízes, governadores, deputados, fiscais, entre outros cargos públicos, o mercado do boi gordo se viu mais uma vez em meio a incertezas.
Neste caso, a desestabilização não ocorreu apenas na pecuária, mas na economia como um todo, em função do provável atraso das reformas que tramitavam no Congresso.
Pouco antes das notícias envolvendo a JBS, esta tinha adotado a estratégia de não comprar mais animais à vista, somente no prazo (pagamento em 30 dias) o que não foi bem recebido pelos pecuaristas. A associação da delação ao prazo diminuiu o ânimo do produtor em negociar com a empresa.
Diante desse cenário e do período de final de safra, mesmo com chuva em algumas regiões, tem sido observado aumento na oferta de animais terminados e pressão de baixa na maioria das praças pesquisadas. Na média de todas as regiões pesquisadas, as cotações caíram 1,5% do dia 17/5 ao dia 24/5 (última cotação disponível).
Junto a isso, o país enfrenta uma crise econômica, que diminui o poder de compra e consequentemente a demanda por carne bovina, mais um fator que colabora para as tentativas de baixa e compra menores. A incerteza atual pode prolongar a crise, que dava sinais de estar se dissipando.
Resta agora saber quais serão as consequências enfrentadas pela empresa e pelo Brasil diante dos fatos de corrupção e o quanto tudo isso afetará o mercado. A única certeza que temos é que os culpados devem ser punidos.
¹ Cisne Negro é um termo criado por Nassim Taleb para se referir a um acontecimento inesperado, raro e improvável que afeta o mercado.
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