Introdução
Recentemente fortes chuvas abalaram a região Norte da Austrália, principalmente no estado de Queensland. Os prejuízos foram grandes para a cadeia produtiva da carne bovina, uma das mais importantes produtoras de gado do país.
Autoridades do estado estimam que os alagamentos mataram mais de meio milhão de cabeças de gado. Notícia que entristece a todos, principalmente aqueles que vivem o dia a dia da produção pecuária.
Esse volume de boiadas que foi morta pelas inundações representa aproximadamente 6,0% do gado abatido no ano passado no país (8,3 milhões de cabeças).
Com isso, surgiram rumores que este abalo no rebanho australiano poderia abrir espaço para países concorrentes. Pensando nisso, será que o Brasil poderia se beneficiar de alguma forma?
Neste texto fazemos um paralelo entre o perfil da pecuária em ambos os países e analisamos a possibilidade das “vantagens” para o Brasil frente a este desastre que atingiu a Austrália.
Raio X da pecuária
A Austrália é um país eficiente, no que diz respeito à produção de carne bovina, e é um dos maiores exportadores mundiais do produto.
Segundo dados do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) em 2018, ficou em terceiro lugar no ranking das exportações, respondendo por 15,0% do comércio internacional de carne bovina.
Vale destacar que diferentemente do Brasil, onde 20,0% da produção é destinada ao mercado externo, na Austrália essa participação chega a 72,0%. Veja na tabela 1 dados que ilustram o perfil da pecuária e do consumo doméstico de carne nestes dois países.
Tabela 1.
Raio X da produção, consumo e exportação na Austrália e no Brasil em 2018
Fonte: USDA/MLA/FAO/elaborado por Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br
O mercado de carne australiano está mais direcionado ao mercado internacional em comparação com o Brasil. E esta dependência do mercado externo estimula a Austrália a atender mercados que pagam mais pela carne.
Evidenciando os ganhos obtidos ao atender este tipo de mercado mais exigente, o preço médio da carne australiana exportada em 2018 foi de US$5,49 por quilo, e o preço da carne bovina brasileira vendida para o mercado internacional no mesmo ano foi de US$4,18 (Global Trade Atlas 2018). Uma diferença de 31,3%.
Análise dos mercados compradores
A carne bovina brasileira, em sua maior parte commodity, tem como principal destino os países asiáticos, enquanto a carne australiana, que possui mais certificações e especificações, tem por destino países que consomem carnes premium. Veja na tabela 2.
Tabela 2.
Destino das exportações de carne do Brasil e da Austrália em 2018, em %.
Fonte: Secex/MLA/elaborado por Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br
Há espaço para o Brasil?
Veja que o Japão compra a maior parte da carne exportada pela Austrália, esses dois países possuem uma sólida e longa relação comercial o que dá vantagem à Austrália frente a outros fornecedores.
Para exportar para o Japão e para a Coréia do Sul é preciso atender a pré-requisitos quanto à qualidade, segurança alimentar e sanidade animal, o que tem impedido o acesso do Brasil a esses mercados. O provável diante de um cenário onde a Austrália não consiga atender a demanda desses países, é que os EUA se beneficiem desse vácuo.
E, analisando os Estados Unidos como grande importador de carne bovina australiana, e que este mercado está fechado à carne brasileira in natura, estamos sem chance de substituir os australianos nesse mercado.
Entre os mercados atendidos pela Austrália, a China e a Indonésia são os que teriam maiores chances de aumentar a demanda por carne brasileira diante de uma menor oferta australiana.
Em relação à China, o incremento da demanda nos próximos anos não é surpresa. Quanto a Indonésia as expectativas são positivas pois existe a intenção do governo de reduzir os preços da carne bovina importada e diversificar os fornecedores. Inclusive, o ministro da agricultura da Indonésia sinalizou que pretende abrir o mercado para o Brasil. Com a enchente na Austrália as chances disso se concretizar melhoram.
Um agravante
As inundações que atingiram o Austrália podem trazer vantagens comercias para o Brasil, mas vale lembrar que os obstáculos pelos quais a pecuária australiana tem passado não são recentes.
Houve uma seca persistente em diversas regiões produtoras de gado, o que reduziu fortemente o tamanho do rebanho australiano. As projeções, antes do dilúvio, indicavam uma redução do rebanho a níveis mais baixos desde meados da década de 1990.
O rebanho que chegou a ter mais de 29 milhões de cabeças em 2013 deverá cair para mais ou menos 26 milhões de cabeças em 2019.
Com esta retração, segundo projeções do MLA (Meat and Livestock Australia) este ano o volume de cabeças abatidas deverá ser de 7,6 milhões, o que representa uma redução de 3,0% comparada ao ano passado.
Somado a isso, muitas fêmeas foram abatidas em função da seca, inclusive em alguns meses de 2018 as vacas chegaram a compor quase 55,0% dos abates. A média histórica do país está em torno de 47,0% (MLA).
Este aumento no descarte de fêmeas se deu em função dos elevados custos com alimentação, portanto é provável que a reestruturação do rebanho australiano leve alguns anos.
Conclusão
Embora a posição do Brasil esteja consolidada no mercado internacional, ainda dependemos de políticas públicas e privadas que certifiquem a qualidade da produção nacional, para superar as muitas barreiras restritivas de ordem sanitária que enfrentamos.
O investimento em produtividade deve ser contínuo, pois o aumento populacional e de renda nos próximos anos devem aquecer o consumo de carne commodity.
Andando em paralelo o investimento em ações de promoção/desenvolvimento da carne brasileira para a conquista de novos mercados deve ser perene, principalmente com focos naqueles importadores que pagam mais.
A pecuária do Brasil é desenvolvida o suficiente para atender todos os mercados. Este é o cenário ideal.
Receba nossos relatórios diários e gratuitos