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Scot Consultoria

Carta Gestor - Da fazenda ao abatedouro: prejuízos econômicos no transporte animal


Sexta-feira, 23 de abril de 2021 - 11h00

Foto: Scot Consultoria


Introdução

Por muito tempo, a busca pela máxima produção animal ao menor custo resultou em cenários no qual o bem-estar animal era severamente comprometido. Podemos citar alojamentos em espaços inadequados, manejo sofrível e transporte inapropriado até o abatedouro, entre outros.

O conceito de bem-estar animal foi aplicado inicialmente no Brasil com a definição e o emprego de protocolos de boas práticas de manejo. O objetivo principal visava um manejo adequado dos animais a fim de resultar produtos de qualidade, atendendo às exigências de mercados para exportação (Paranhos da Costa, 2000).

Uma etapa crítica na cadeia produtiva de carne envolve o transporte dos animais até o abatedouro, uma vez que muitas lesões são originadas nesse processo. 

Desse modo, analisaremos aspectos ligados ao transporte animal que resultam em lesões em bovinos, estimar os prejuízos econômicos através de estudos relatados na literatura e discutir estratégias que podem minimizar esses prejuízos.

Lesões durante o transporte

O transporte de bovinos provoca estresse, perda de peso e contusões. Em condições adversas e extremas, pode até levar à morte do animal. As perdas podem ser quantitativas ou qualitativas e os prejuízos sobram para os produtores, frigoríficos ou mesmo para o consumidor final.

As perdas quantitativas ocorrem principalmente devido às contusões. Quando são detectadas no frigorífico, as áreas contundidas são descartadas antes da pesagem e o produtor é quem paga pelo prejuízo. Por outro lado, quando as contusões são identificadas após a desossa, é o frigorífico que tem o prejuízo. E há casos de lesões que passam desapercebidas, e que são detectadas somente na hora do consumo do produto.

Há também as perdas qualitativas, que são resultantes de alterações metabólicas que comprometem a qualidade da carne. Animais que sofrem estresse durante o manejo pré-abate ou que realizam muito esforço físico esgotam suas reservas de glicogênio musculares, o que pode levar a valores indesejáveis de pH. Quando o estresse é de curta duração, a carne poderá ficar mais pálida, mole e exsudativa, ao passo que para longa duração, a carne poderá ficar escura, firme e seca.

Dentre as causas das lesões em carcaças bovinas nos abatedouros, o transporte é uma das causas mais comuns (Briggion e Silva, 2004) e são apresentadas na figura 1. A vacinação inadequada, nesse estudo, foi a causa mais comum de lesões e pode resultar em abcessos.

Figura 1. Causas mais comuns de lesões em carcaças bovinas.

Fonte: Briggion e Silva (2004) / Elaboração: Scot Consultoria

Estudos (Briggion e Silva, 2004; Polizel Neto et al., 2015) que avaliaram lesões de carcaças bovinas em abatedouros, relatam que a porção posterior é a mais acometida (figura 2). Uma vez que contém os cortes mais valorizados nessa porção, o prejuízo se torna ainda maior.

Figura 2. Localização das lesões nas carcaças bovinas.

Fonte: Adaptado de Briggion e Silva (2004) / Elaboração: Scot Consultoria.

No trabalho realizado por Polizel Neto et al. (2015), no qual foram avaliados 1.021 bovinos, foram retirados 115,76 kg de tecidos lesionados. Se considerarmos um abatedouro de porte médio com capacidade diária de 750 cabeças/dia, as perdas diárias com lesões girariam em torno de 85,03 kg. Hoje o preço médio de revenda de cortes da indústria ao mercado é da ordem de R$8,00/kg, a perda diária seria de R$680,24, perda mensal de R$13,6 mil reais (20 dias úteis/mês) ou perdas anuais superiores a R$160 mil reais.

Zapiola (2006) estima que as perdas por falhas de manejo e transporte variam em torno de 4 a 6% do valor do animal vivo, nos Estados Unidos. No Uruguai, essa estimativa chega a 7%. 

Possibilidades de melhorias

Ferreira et al. (2020) determinou que o embarcadouro de gado foi a instalação que mais resultou em hematomas e contusões. Dos animais lesionados, 85% dos casos ocorrem no embarcadouro. O embarcadouro ideal deve ser composto por um corredor estreito de largura mínima de 0,80 metros e por uma rampa, sendo que sua inclinação deve ser suave, de preferência menor que 20º (Paranhos da Costa et al., 2013). O embarcadouro deve ser construído de forma sólida e segura.

O tempo de transporte tem correlação com o número de lesões, segundo um estudo realizado por Polizel Neto et al. (2015). Bovinos que foram transportados por um período de meia hora até 2h lesionaram menos em relação aos transportes de duração superior a 2h. A frequência de lesões observada nas 1.021 carcaças foi de 42,4% (433 carcaças apresentaram pelo menos uma lesão). A recomendação é que seja evitada viagem com duração superior a 8h, além de que a legislação brasileira determina que animais embarcados não devam passar mais do que 12 horas sem alimento e água.

Com relação à densidade da carga animal, podemos classificar como alta (600 kg/m2), média (400 kg/m2) ou baixa (200 kg/m2). Tanto a densidade alta quanto mínima resultam em maior frequência de lesões. No Brasil, a densidade média nos transportes de bovinos é cerca de 390 a 410 kg/m2 (Roça, 2001). Contudo, estudos recentes demonstram que diferenças sexuais e classes do caminhão são fatores importantes na determinação da densidade ideal para cada caso (Ferreira et al., 2020).

Se forem realizadas paradas durante o trajeto, o motorista deve estacionar o veículo na sombra e evitar paradas longas, principalmente nas horas mais quentes do dia. Uma desidratação de 10% do peso corpóreo do animal não é recuperado dentro de 24 horas, e se não houver a reidratação, isso gera implicações na qualidade da carne.

A maioria dos animais destinados para abate é transportada em caminhões. Estradas de má qualidade, esburacadas e sem asfalto, podem resultar em lesões dos animais. Segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), somente 12,4% da malha rodoviária brasileira era pavimentada em 2018. Dessa forma, é aconselhável optar por estradas de boa qualidade, mesmo que aumente um pouco o tempo da viagem, além de evitar horários de picos, com a finalidade de reduzir a duração de transporte. O motorista também deve ser experiente e evitar freadas bruscas, arrancadas e realizar curvas em alta velocidade.

Consideração final

Não adianta altos investimentos em qualidade genética, alta produtividade, nutrição adequada e de boa qualidade, caso o manejo incorreto, principalmente no transporte dos animais, resulte em prejuízos. 

O transporte é uma etapa da cadeia produtiva de carne bovina muito delicada na qual devem ser tomados cuidados para minimizar lesões e prejuízos.  

Bibliografia

CNT, 2018. Disponível em: https://www.cnt.org.br/agencia-cnt/somente-12-da-malha-rodoviaria-brasileira-pavimentada. Acesso em: 13 de abril de 2021.

Ferreira, K. D. C.; Furtado, A. C.; Flores, H. P.; Oliveira, P. R. D. O. D.; Gonçalves, A. G., Oliveira, D. M. D. Cattle loading rates in different truck models and their relationship with bruises on bovine carcasses. Ciência Rural, v.50, n.5, 2020.

Paranhos da Costa, M. J. R. Ambiência na produção de bovinos de corte. IN: Encontro Anual de Etologia, 18., 2000. Florianópolis. Anais.... Sociedade Brasileira de Etologia, p.1-15. 2000.

Paranhos da Costa, M. J. R.; Spironelli, A. L. G.; Quintiliano, M. H. Boas práticas de manejo, embarque / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo. – Brasília:MAPA/ACS, 2013.

Polizel Neto, A.; Zanco, N.; Lolatto, D. C.; Moreira, P. S.; Dromboski, T. Perdas econômicas ocasionadas por lesões em carcaças de bovinos abatidos em matadouro-frigorífico do norte de Mato Grosso. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.35, n.4, 324-328, 2015.

Zapiola, M.G. El bienestar animal y la calidad de la carne. IN: ______. Bienestar animal y calidad de la carne. Argentina: Instituto de Promoción de la Carne Vacuna Argentina – IPCVA, (Cuadernillo Técnico). 2006.


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