Em janeiro de 1993, no caminho entre Tel Aviv e Sderot, tentei falar com o israelense que me levava até o kibbutz Bror-Hail sobre o conflito entre Israel e palestinos.
“Não se preocupe, não precisamos do palpite de quem não mora aqui”, cortou ele. “Deixa que a gente mesmo resolve os problemas com os nossos vizinhos. Nós vamos resolver”, disse, visivelmente irritado.
O judeu brasileiro, que só tinha rusgas com o vizinho argentino por causa de futebol, entendeu o recado e ficou calado o resto da viagem.
Nunca me senti um estrangeiro em Israel, embora só tenha viajado para lá a trabalho ou a turismo. Nem podia ser diferente. Oito dias após nascer, senti literalmente na pele o judaísmo pela lâmina afiada de um senhor de vestes pretas e barbas longas. Estava selado meu destino hebraico com o ritual sagrado do brit-milá (hebraico), que me ligava definitivamente à Terra Prometida.
Mesmo à distância, sempre acompanhei, orgulhoso, o notável desenvolvimento econômico e tecnológico de Israel, a transformação dos desertos áridos em pomares superprodutivos, os avanços da medicina, a literatura, a música e o cinema, as startups. E, com medo e tristeza, os atentados terroristas, as guerras, a violência contra os palestinos, a polarização política.
Israel soube reciclar o esgoto e produzir água potável da merda, mas não conseguiu resolver os problemas com seus vizinhos. Quase chegou lá, em setembro de 1993, quando o então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, e o líder palestino, Yasser Arafat, apertaram as mãos em Washington na tentativa de um acordo que fracassou.
Agora, o governo de Israel investe numa guerra sem trégua na Faixa de Gaza para responder ao ataque bárbaro e covarde que sofreu em 7 de outubro. Não faltam motivos para exterminar o Hamas, mas a estratégia militar de sufocar a população civil para caçar os terroristas é inaceitável, abusiva, causa milhares de vítimas e deixa o país cada vez mais isolado.
Israel está perdendo a guerra da opinião pública mundial. A compaixão inicial pelas atrocidades cometidas pelo Hamas foi esmaecendo com os bombardeios em Gaza. Cresce pelo mundo afora protestos contra Israel, assim como as ações antissemitas, e a artimanha de confundir uma coisa com a outra.
No último domingo, uma manifestação pró Palestina ocupou algumas quadras na Avenida Paulista, em São Paulo. Protesto legítimo, exceto pela meia dúzia de canalhas que ostentava a bandeira terrorista do Hamas.
Ninguém sabe ao certo quantos já morreram em Gaza. É mais do que admite Israel, menos do que declara o Hamas. A guerra das versões.
Mas são muitas mortes. Uma única criança que morre na guerra é muito.
França e os EUA, aliados históricos de Israel, já pressionam para um cessar fogo. Cresce também a pressão interna. Yair Lapid, da oposição israelense, pediu a saída imediata do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, um corrupto que se perder o cargo não escapará da prisão.
Milhares de israelenses saíram às ruas de Tel Aviv e Jerusalém pela libertação dos reféns. As famílias que têm parentes capturados pelos terroristas, muitos deles crianças e idosos, reclamam por maior empenho do governo para libertação dos reféns, ainda que isso exija negociação com o Hamas.
Netanyahu, o senhor da guerra, rechaça qualquer conversação com o Hamas e vai esticando a corda da guerra, embora ele esteja por um fio. As pesquisas mostram que se fossem realizadas eleições hoje, a oposição teria 70 das 120 cadeiras do Parlamento israelense.
A saída para o conflito, que já dura 75 anos, está na criação de dois Estados. Nos últimos anos, porém, milhares de judeus fundamentalistas invadiram terras na Cisjordânia, apoiados pelos governos da direita.
Quem será forte o suficiente para despejá-los do território palestino?
Yitzhak Rabin tentou e está enterrado no Monte Herzl, em Jerusalém. Foi fulminado por um ultranacionalista judeu em 4 de novembro de 1995, durante uma manifestação pela paz em Tel Aviv.
A semente da paz talvez possa brotar do luto de israelenses e palestinos. Mas precisa antes resistir às almas secas, a anos de ressentimentos e à praga do ódio.
Peço desculpas ao meu companheiro de viagem de 1993 por meter o bedelho nesta história.
Salam! Shalom!
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