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Scot Consultoria

Carta Conjuntura - Dez anos de inovação no mercado de carne premium: reflexões e desafios


Quarta-feira, 13 de novembro de 2024 - 18h00

Foto: Bela Magrela


Por que uma casa de carnes especializada com dez anos de operação em Ribeirão Preto- SP decidiu encerrar suas operações?

O Vila Beef foi criado em 2013, um açougue especializado em carnes especiais, carnes premium.

Era, o primeiro açougue da cidade a vender este padrão de carne com a marca própria. Havia, um fornecedor exclusivo e era um projeto de verticalização da cadeia produtiva: a produção animal e o abate eram terceirizados pelo fornecedor parceiro e o Vila Beef recebia os cortes desossados, para colocar a marca da casa.

O conceito era embasado em cultura artesanal, do campo, direto do produtor e construído sob referências internacionais. Era um ponto comercial a ser frequentado por quem apreciasse uma boa carne.

Com o passar do tempo, o mix de produtos foi se desenvolvendo e se sofisticando, tanto em opções de origem de carne bovina como em charcutaria e rotisseria. Cursos e eventos também passaram a fazer parte do portfólio do açougue, chamados "Beef Experience".

Em relação às opções de carne bovina, a casa oferecia cortes pouco conhecidos há mais de 10 anos no Brasil, como, o bife do vazio, o miolo do acém (short-rib) e o assado de tiras. Devido, à qualidade dos animais e sistema produtivo direcionado para a qualidade, uma maminha, por exemplo, oferecia a experiência de consumo melhor do que a picanha comum que existia no mercado. É a famosa máxima de que "boi de primeira não tem carne de segunda ".

Além, da diferenciação na qualidade e na diversidade dos cortes, o Vila Beef, realizava sua curadoria pesquisando e trazendo para a casa oportunidades do momento.

Foi o primeiro açougue da cidade a produzir a carne Dry Aged (2016), o único a oferecer carne de gado da raça britânica Belted Galloway e até uma degustação com carne de gado da raça Caracu Mocho, com seleção genética para qualidade e controle de marmoreio.

O Vila Beef, pôde promover diversas ocasiões para teste de carnes produzidas de formas diferentes visando a qualidade. Era comum recebermos pecuaristas desejando que vendêssemos sua carne produzida e fomos convidados para palestrar em eventos ligados à pecuária, como exemplo, de agregação de valor em seu produto final.

A produção do açougue também desenvolveu produtos de charcutaria como pastrami, bacon bovino, diversas linguiças, alheira, boudin, beef jerky, além de curados, maturados e dry aged de carne suína. Tínhamos também cortes para churrasco raramente encontrados em açougues, como, matambre, chinchulines, molleja e morcilla. Em sua rotisseria havia diversas opções de carnes e acompanhamentos. O Beef Wellington e o Burger Wellington pré-prontos congelados, por exemplo, eram um sucesso.

A gestão do açougue era realizada sob embasamento de varejo e marketing. Todos os clientes eram cadastrados e seu histórico de compras era registrado desde 2013, o que permitia o atendimento personalizado e ativações direcionadas. O atendimento da equipe junto ao cliente durante o seu tempo na loja tinha um método e era elogiado por isso.

Devido à especialização, o público atraído era o apreciador para ocasiões fora de sua rotina, para ocasiões classificadas como especiais. Desta forma, o Vila Beef sentiu a necessidade de ampliar seu mix e atrair clientes para outras ocasiões com opções de produtos para tal. O objetivo era aumentar a frequência dos clientes atuais e, também, aumentar sua base de clientes.

Porém, não foi o que aconteceu: as vendas do dia a dia não aumentaram o suficiente e a frequência média continuou abaixo do necessário. A empresa trabalhou para aumentar o número de visitas e conquistar novos clientes utilizando ferramentas de marketing como ativações individuais a clientes, eventos segmentados, pontuação de compras gerando benefícios, e-commerce próprio, iFood, kits de produtos. Mecanismos de marketing (produtos, promoções, preço) e prospecção foram estudados e aplicados conforme recursos disponíveis.

Infelizmente, no final de 2023 o açougue encerrou as suas atividades, foram dez anos de referência e inovação no mercado varejista de carne.

Como conclusão do que aconteceu e forçou o fechamento do negócio entendemos que resumidamente, foram dois motivos. O primeiro e o qual julgamos o principal, foi a construção da marca Vila Beef. Desde sua criação o objetivo era ser referência em qualidade, em conhecimento e em promoção de experiência relacionada à carne. O branding buscado se concretizou e após anos de execução foi percebido que não havia público em número suficiente para manter o negócio na praça em que se encontrava.

O segundo motivo foram as mudanças do mercado em geral.

A carne do Vila Beef, após alguns anos, não era mais exclusiva. O protocolo produtivo para qualidade passou a ser conhecido e praticado e o número de fornecedores cresceu (percebemos isso e fortalecemos ainda mais nossa prestação de serviço como eventos, mix de produtos e curadoria de carnes). O número de marcas de carne aumentou assim como a quantidade de novos açougues, além da maior oferta de carne de qualidade pelos açougues tradicionais.

Outra questão, foi geográfica, o local em que o Vila Beef se encontrava não era mais ponto de passagem de seu público principal, o crescimento da cidade alterou a circulação em geral mudando a função do bairro em que se encontrava. Foram dez anos de experiência perto do consumidor apreciador de carne e aprendemos muito com o que um ponto varejista pode proporcionar. Desde sua gestão e planejamento até presenciar clientes emocionados quando demos a notícia de que iríamos encerrar nossas atividades.

Além das questões varejistas citadas anteriormente, há outras que influenciam o mercado de carne bovina em geral. A oferta de carne premium é limitada, fazendo com que o preço de venda se equilibre perante a demanda, ou seja, o preço se eleva reduzindo seu público potencial. De toda a carne produzida no país, uma parcela pequena atende à demanda de carne premium, vamos dizer que no máximo 5%. E desta reduzida oferta, apenas os "cortes churrasco" são comercializados com sobre-preço. Os demais cortes desta produção de alta qualidade não são vendidos com valor agregado pois não há demanda suficiente, são cortes em que não têm demanda por serem premium.

Consequentemente, somente de 25% a 30% dos cortes são responsáveis por remunerar toda a carcaça premium produzida, causando o patamar elevado de preços comparado ao preço commodity. Além disso, devido a esta pequena oferta de cortes premium comparado à sua demanda, acabam acontecendo desvios no mercado, um deles é de carne sem padrão premium ser vendida como tal, por exemplo.

A oferta de carne premium é escassa frente à demanda, fazendo com que sejam os mesmos fornecedores e mesmas marcas de carne atendendo todos os açougues. A diferenciação por prestação de serviço é a saída, porém o número de ocasiões nas quais este padrão de carne é procurado é menor do que precisaria ser para sustentar casas especializadas.

O consumo da carne do dia a dia não demanda carne premium, e o consumo da carne premium demanda a carne dia a dia. Uma mesma pessoa tem preferências diferentes em relação à qualidade de carne dependendo do dia da semana e da ocasião de consumo.

No caso do Vila Beef não conseguimos acessar e atrair o número de pessoas suficiente para manter o negócio conforme o objetivo que foi criado, de ser referência e ponto de escolha das pessoas em relação à carne.

Por exemplo, foi como uma casa de vinhos especializada sem opções de rótulos acessíveis. Mesmo agregando posteriormente estes rótulos para atingir maior público e frequência de clientes, a proposta da casa já estava criada e não foi possível agregar novo momento de consumo de seus clientes.

Somos gratos pelo que passamos, aprendemos e agradecemos a todas as pessoas envolvidas com o projeto desde seu início. Agradecemos também à Scot Consultoria pelo convite para publicação deste texto.


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