Fonte: Freepik
O trigo é a principal cultura cerealífera, cultivado em grande escala e comercializado globalmente, ocupando mais terras do que o milho. A área cultivada aumentou de 215,2 milhões de hectares em 2019 para 222,9 milhões em 2023, com a produção global subindo de 759,3 milhões de toneladas para 791,7 milhões no mesmo período - crescimento médio de 1,1% ao ano.
No entanto, os estoques finais são os menores dos últimos nove anos, estimados em 257,9 milhões de toneladas, quadro que transmite a expectativa de aumento da demanda global para o ciclo 2024/25. No âmbito do consumo, o trigo é essencial para diversas indústrias, como produção de farinha, massas e bebidas, além de ser um alimento básico em várias regiões, especialmente na região da Ásia-Pacífico, que deve aflorar como o mercado de crescimento mais rápido, impulsionado pelo aumento populacional e aumento da renda média das populações desses países, confirmando uma visão de mercado sólida.
Os principais produtores são a China, Índia e Rússia, que respondem por c. 43,0% da produção global. Outros grandes produtores são os Estados Unidos, Canadá e a União Europeia, representada principalmente pela França e Alemanha. Das 138,5 milhões de toneladas de trigo produzidos na UE em 2021, a França produziu 35,5 milhões dessa quantidade – 25,6% do total. As principais regiões produtoras da França são Picardie e Centre, observe na figura 1.
Figura 1. Regiões produtoras de cereais na França Metropolitana (sem a Córsega).
Fonte: Agreste / Elaboração: Scot Consultoria
A maioria do trigo produzido globalmente é consumida internamente, destacando-se a China e a Índia. Sendo assim, somente c. 25,0% da produção mundial é comercializada entre países. Veja a seguir os principais exportadores em 2023 (tabela 1).
Tabela 1. Principais exportadores de trigo em 2023.
País | Exportação (milhões de t) |
Rússia | 55,5 |
União Europeia | 37,9 |
Canadá | 25,4 |
Austrália | 19,8 |
Estados Unidos | 19,2 |
Ucrânia | 18,5 |
Turquia | 9,9 |
Argentina | 8,2 |
Cazaquistão | 7,8 |
Brasil | 2,4 |
Outros | 12,7 |
Total | 217,3 |
Fonte: USDA, Secex / Elaboração: Scot Consultoria
Os grandes exportadores, como Rússia, Ucrânia, Estados Unidos, Canadá e Austrália, têm forte influência nos preços globais. Países importadores dependem dessas exportações, tornando os preços sensíveis a flutuações na oferta, como secas, conflitos ou políticas comerciais restritivas. Eventos recentes, como a guerra na Ucrânia, destacam como mudanças nesses exportadores impactam diretamente o mercado de forma global (figura 2). Assim, embora grandes produtores como China e Índia consumam internamente, os exportadores dominam o comércio internacional e moldam os preços globais.
Figura 2. Preços do trigo (R$/t) durante os meses de fevereiro e março de 2022 (invasão russa da Ucrânia no dia 24 de fevereiro de 2022).
Fonte: Cepea/Esalq / Elaboração: Scot Consultoria
Como maior exportador, a Rússia possui uma posição estratégica nesse mercado que confere ao país um poder desproporcional sobre o abastecimento de alimentos em diversas nações. Durante o conflito com a Ucrânia, o controle sobre áreas agrícolas e a interrupção das exportações por meio de bloqueios navais no Mar Negro aumentaram os preços globais do trigo e agravaram a insegurança alimentar, especialmente em países vulneráveis da África.
Esses movimentos foram interpretados como uma tentativa de pressionar governos estrangeiros, vinculando sua dependência alimentar às decisões políticas do conflito. Ao mesmo tempo, a Rússia condicionou suas exportações à suspensão de sanções econômicas impostas pelos países ocidentais, transformando o fornecimento de alimentos em uma moeda de troca política. Essa estratégia reforça a visão de que o trigo não é apenas um produto agrícola para alguns países, mas também uma arma geopolítica.
No dia 10 de janeiro de 2025, os norte-americanos impuseram as sanções mais rigorosas ao petróleo russo desde o início do conflito. Essas sanções criam a necessidade de reorientação das cadeias de suprimentos russas, gerando ineficiências que aumentam os custos, o que eleva a pressão inflacionária e deteriora ainda mais a economia russa, já atingida pela invasão do país vizinho.
Com custos internos mais elevados e uma possível redução nas receitas provenientes da exportação de petróleo, o governo russo pode adotar medidas ainda mais duras – no último trimestre de 2024 a Rússia anunciou uma cota de exportação de trigo, visando aumentar a oferta interna e conter a inflação – para proteger seu mercado e garantir o abastecimento doméstico de bens essenciais, como o trigo.
Assim, as sanções ao petróleo, embora focadas no setor energético, podem desencadear efeitos indiretos significativos no mercado desse grão.
As exportações de trigo da Rússia e da Ucrânia desaceleraram no início de janeiro/25 devido à menor oferta. A Rússia embarcou 0,9 milhão de toneladas, uma queda em relação aos 1,4 milhões do ano anterior, enquanto a Ucrânia exportou 0,3 milhões, contra 0,5 milhões no mesmo período do ano passado.
As reservas de trigo na Rússia diminuíram, passando de 24,8 milhões de toneladas em dezembro de 2023 para 18,7 milhões de toneladas em dezembro de 2024. A estimativa para o final da temporada 2024/25 é de 10,0 milhões de toneladas, bem abaixo das 20,2 milhões de toneladas registradas no ano anterior. Na Ucrânia, os estoques finais projetados para 2024/25 são de 0,8 milhão de toneladas, também em queda em relação aos anos anteriores.
Simultaneamente, os preços do trigo nos portos aumentaram. No porto de Odessa, o trigo ucraniano subiu US$5,00/t, chegando a US$215,00/t, enquanto no porto de Novorossiysk, o trigo russo subiu US$7,00/t, atingindo US$170,00/t. Estoques mais baixos devem limitar as exportações e sustentar os preços ao longo do ano.
Figura 3. Áreas produtivas de trigo na Rússia. Nota-se a proximidade com a zona de conflito na Ucrânia
Fonte: USDA
Nos Estados Unidos, a implementação de novas tarifas comerciais parece inevitável. Caso isso ocorra, as exportações agrícolas dos EUA podem enfrentar tarifas retaliatórias. Um exemplo claro foi observado em 2018, quando a China aplicou tarifas sobre a soja norte-americana, o que resultou em uma queda de 18,0% nas exportações entre 2018 e 2019. Essas tarifas retaliatórias podem levar compradores globais a buscar fornecedores alternativos, como o Brasil e outros países para produtos básicos, como o trigo.
A isso se soma o fato de que a produção de trigo nos EUA já vem enfrentando dificuldades, com resultados fracos que comprometem a competitividade no mercado internacional. Observe a evolução da área cultivada, produção, importação e exportação de trigo nos Estados Unidos da América nos últimos seis anos (tabela 2).
Tabela 2. Área plantada, produção, importação e exportação de trigo nos EUA.
Unidade | 2018/19 | 2019/20 | 2020/21 | 2021/22 | 2022/23 | 2023/24 | Var 2018 a 2023 (%) | |
Área cultivada | milhões de ha | 19,3 | 18,4 | 18,0 | 18,9 | 18,5 | 20,1 | 3,77% |
Produção | milhões de t | 51,3 | 52,6 | 49,5 | 44,8 | 44,9 | 49,1 | -4,33% |
Importação | milhões de t | 3,7 | 2,8 | 2,7 | 2,6 | 3,3 | 3,8 | 2,73% |
Exportação | milhões de t | 25,5 | 26,4 | 27,0 | 21,6 | 20,7 | 19,2 | -24,56% |
Fonte: USDA / Elaboração: Scot Consultoria
A cultura vem perdendo espaço para soja e milho. Entretanto, para a safra de 2024/25, o USDA estima crescimento da área semeada, impulsionado pela atratividade dos preços durante alguns períodos de 2024, que incentivaram produtores norte-americanos a aumentarem a área. Por lá, 22,0% do trigo de inverno está sob estresse hídrico, enquanto no mesmo período do ano passado esse número era de 26,0%. Das lavouras locais 55,0% apresentam condições de desenvolvimento classificadas como excelentes, 5,0 pontos percentuais a mais que no mesmo período do ano passado.
Devido a esses fatores, a previsão de exportação da safra de 2024/25 é de 23,3 milhões de toneladas, maior volume dos últimos três anos.
Por outro lado, a análise dos dados nos últimos anos demonstra a incapacidade dos americanos em expandir a produção, enquanto a demanda interna aumenta. Aliado a isso, a força do dólar frente as outras moedas devem favorecer as importações. Com isso, os dados ressaltam a ideia de que nos últimos anos os Estados Unidos estão se tornando um país importador de alimentos, e não mais um país exportador.
As perspectivas para o futuro do trigo no Brasil, em médio e longo prazo, são ótimas. O trigo é tradicionalmente uma cultura de inverno, adaptada a climas frios. No entanto, a pesquisa brasileira conseguiu um feito notável: levar o cultivo para o cerrado, uma região tropical e “tropicalizar” essa planta. Através de cultivares inovadoras, como a BRS 264, o trigo se adaptou a condições de calor, ampliando as áreas de cultivo no Centro-Oeste do Brasil. Observe na tabela 3.
Tabela 3. Evolução da área e produção no Centro-Oeste e suas principais regiões produtoras de trigo.
Safra | Região/UF | Área (mil ha) | Var (%) | Produção (mil t) | Var (%) |
2024 | Centro-oeste | 162,3 | 181,3% | 305,1 | 64,0% |
Mato Grosso do Sul | 45,3 | 41,6% | 44,9 | -45,6% | |
Goiás | 110,0 | 376,2% | 234,6 | 153,9% | |
2020 | Centro-Oeste | 57,7 | - | 186,0 | - |
Mato Grosso do Sul | 32,0 | - | 82,6 | - | |
Goiás | 23,1 | - | 92,4 | - |
Fonte: Conab / Elaboração: Scot Consultoria
É possível comparar esse avanço ao trabalho de Norman Borlaug no século passado. Borlaug, conhecido como o “pai da Revolução Verde”, identificou cultivares de trigo com mutações no mecanismo de funcionamento da auxina, que resultavam em plantas mais curtas e resistentes ao acamamento. Essa característica era crucial para aumentar a produtividade, já que evitava que as plantas tombassem devido ao peso das espigas ou à ação do vento e da chuva. Embora distintos em suas abordagens, ambos os esforços compartilham o mesmo propósito: melhorar a oferta e contribuir para a segurança alimentar das pessoas.
Ressalta-se que embora progressos como esse foram alcançados, o caminho para a autossuficiência em trigo ainda é longo. Em 2024, o Brasil importou 6,6 milhões toneladas para atender a demanda interna que permaneceu consistente. Foi o maior volume importado desde 2018 (figura 4). As importações tiveram origem principalmente da Argentina (63,6%), Uruguai (12,0%) e Rússia (10,6%). A oferta na Argentina a preços competitivos favoreceu as aquisições daquele país.
Figura 4. Importações de trigo pelo Brasil nos últimos dez anos (milhões de t)
Fonte: Secex / Elaboração: Scot Consultoria
Por outro lado, em 2024, o Brasil exportou a segunda maior quantidade de trigo em grãos da história – 2,83 milhões de toneladas (figura 5). A exportação em alta, mesmo com a importação também em alta, se explica pelo fato de que o trigo exportado não atinge a qualidade para panificação, sendo vendido para o exterior para a alimentação animal. Os principais destinos foram o Vietnã, as Filipinas e a Tailândia.
Figura 5. Exportações de trigo pelo Brasil nos últimos dez anos (milhões de t)
Fonte: Secex / Elaboração: Scot Consultoria
A área semeada com trigo sofreu uma redução em 2024. A queda na rentabilidade devido às desvalorizações de 2023 e às perdas no campo desmotivou os produtores a expandirem o cultivo. Ainda assim, houve uma melhora na produtividade, o que ajudou a manter a oferta em níveis relativamente similares aos do ano anterior. De acordo com a Conab, a área cultivada nesta safra foi de 3,1 milhões de hectares, representando uma queda de 11,9% em relação à safra passada. Já a produtividade alcançou 2579 kg/ha, um aumento de 10,6%. Com isso, a produção total foi estimada em 7,9 milhões de toneladas, 2,6% menor em relação a safra de 2023.
Com a colheita nacional finalizada, a safra rio-grandense ficou estimada em 3,8 milhões de toneladas, aumento de 62,0% em relação à safra passada, afetada por chuvas em excesso durante o desenvolvimento e colheita. Na safra atual, algumas regiões do estado tiveram queda de produtividade, também afetadas por chuva na colheita. Em outras regiões, como no quadrante nordeste do Estado, o potencial produtivo foi mantido ao longo do ciclo, balanceando os resultados.
No Paraná, houve forte quebra de produtividade e, consequentemente, de produção, devido a problemas climáticos durante o desenvolvimento das lavouras. A produção no ciclo 2024 caiu 35,0% em relação ao ano anterior, somando 2,36 milhões de toneladas.
Quanto as cotações, os preços caíram no primeiro trimestre de 2024, com recuperação no segundo trimestre (figura 6).
Figura 6. Cotações do trigo em grãos no Paraná (R$/t)
Fonte: Cepea/Esalq / Elaboração: Scot Consultoria
Em julho, os preços atingiram as máximas do ano, impulsionados pela demanda. No entanto, com o aumento das importações a demanda foi suprida, pressionando os preços, tendência que permanece até a data de publicação deste material.
Em curto prazo, o mercado de trigo deve seguir com preços pressionados para baixo, pautado na maior disponibilidade interna de trigo. A quebra de produção no Brasil, porém, poderá aumentar a necessidade de importação e diminuir a pressão de baixa, em meio a um dólar elevado.
Relação de troca com o farelo de trigo melhora ao pecuarista
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