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Scot Consultoria

Carta Boi - Dinâmica do ciclo dos preços pecuários


Sexta-feira, 7 de março de 2025 - 18h00

Foto: Bela Magrela


mercado pecuário é regido por ciclos interdependentes entre produção, abate e preços, moldados por decisões de manejo dos produtores e flutuações de mercado. Um elemento central dessa dinâmica é a relação inversa entre o percentual de fêmeas abatidas e os preços do bezerro e da arroba do boi gordo: quanto maior o abate de matrizes, menor a disponibilidade futura de bezerros, pressionando seus preços para cima e, consequentemente, valorizando a arroba.

Eventos relevantes e padrões históricos

2021 marcou o preço histórico do bezerro, resultado direto da redução no abate de fêmeas em 2020, que limitou a oferta de animais jovens.

Entre 2003 e 2024, consolidou-se um padrão cíclico estável: os picos de participação de fêmeas no abate (2003-2009 e 2010-2016) tiveram variação inferior a 2%, indicando equilíbrio estrutural na oferta.

Cenário atual e projeções

Atualmente, há um aumento expressivo no abate de fêmeas, sinalizando risco de escassez de bezerros no curto prazo e pressão adicional nos preços. No entanto, essa tendência pode se reverter devido ao aumento dos custos de reposição e a sinais de acúmulo estratégico de matrizes por parte dos produtores, buscando evitar desequilíbrios no médio prazo.

Figura 1.
Participação de fêmeas no abate de bovinos, no eixo da direita, em porcentagem, e preços do boi gordo e do bezerro de desmama, eixo da esquerda, em R$/@, deflacionados pelo IGP-DI.

*até junho
Fonte: IBGE / Elaboração: Scot Consultoria

A ciclicidade do setor evidencia como decisões de curto prazo (como o abate de fêmeas) geram impactos de longo alcance, desde a valorização do bezerro até a oscilação da cotação da arroba. Monitorar esses movimentos é crucial para antecipar crises de oferta e ajustar estratégias, garantindo sustentabilidade na cadeia produtiva.

Quaresma

A análise histórica dos dados de abate revela um comportamento cíclico nos primeiros trimestres: janeiro e fevereiro tendem a registrar quedas no abate de bovinos, enquanto março (período da Quaresma) apresenta recuperação, impulsionada por demanda específica. 

Esse movimento reflete ajustes estratégicos na cadeia produtiva, com maior direcionamento da produção para o mercado externo em março, em detrimento do consumo interno.

Figura 2.
Variação mensal (março em relação a fevereiro) do número de animais abatidos.

Fonte: IBGE / Elaboração: Scot Consultoria

Variações atípicas e tendências

Em 27 anos de dados, apenas 2014, 2016 e 2024 registraram variação negativa no volume de abates em fevereiro. Nos demais anos, a média mensal superou +8% no mesmo período.

A correlação entre número de abates e exportação em quilos é alta e positiva (68%), indicando sincronia entre produção e demanda internacional: maior abate corresponde a maior volume exportado, e vice-versa.

Efeito no preço da arroba

O aumento do abate em março não se traduz em pressão de alta no mercado doméstico. Pelo contrário, há uma redução média de -1% na variação do preço da arroba nesse período, sinalizando que o excedente produtivo é absorvido prioritariamente pelas exportações, diluindo o impacto interno.

A sazonalidade do primeiro trimestre evidencia a dinâmica dual do mercado: enquanto fatores internos (como consumo sazonal) influenciam janeiro e fevereiro, março é moldado por demandas externas, reforçando a dependência do setor de ciclos internacionais e a eficiência logística para equilibrar oferta e preços.

Figura 3.
Variação mensal (março em relação a fevereiro) do número de animais abatidos, exportações e preço da arroba em São Paulo, de 1997 a 2024.

Fonte: IBGE / Elaboração: Scot Consultoria

Decomposição da série temporal: entendendo tendência, sazonalidade e resíduos

A decomposição da série temporal do preço da arroba permite isolar três componentes críticos:

Tendência: reflete movimentos de longo prazo, como a valorização estrutural da proteína animal (impulsionada pela demanda global) e custos crescentes de insumos. Entre 2003 e 2022, a série histórica do preço da arroba do boi apresentou uma trajetória ascendente, marcada por ciclos de alta e baixa intensidade. Em 2023, observa-se uma ruptura nesse padrão, com queda expressiva, seguida de recuperação parcial nos anos seguintes (projetada até 02/2025). Essa dinâmica reforça a sensibilidade do setor a pressões macroeconômicas, como oscilações na cadeia produtiva e ajustes nos mercados internacional e doméstico.

Sazonalidade: padrões repetitivos vinculados a ciclos produtivos e culturais são comuns no setor, um exemplo emblemático é o efeito Quaresma: enquanto os abates caem em janeiro e fevereiro, março apresenta recuperação, impulsionada pelas exportações. Mesmo com a redução do consumo interno de carne vermelha nesse período, o abate em março supera o de fevereiro, com a produção sendo direcionada principalmente ao mercado externo.

Resíduos: correspondem a flutuações não explicadas pela tendência ou sazonalidade do modelo, como eventos sanitários (ex.: embargo por febre aftosa ou impactos da COVID-19), conflitos geopolíticos (ex.: guerra na Ucrânia), instabilidade logística (ex.: greve dos caminhoneiros) ou volatilidade cambial abrupta. Esses fatores imprevistos podem gerar distorções significativas nas análises, refletindo crises pontuais, choques externos ou rupturas nas dinâmicas econômicas e sociais.

Figura 4.
Decomposição do preço da arroba em São Paulo: tendência, sazonalidade e resíduos, de abril de 1996 a fevereiro de 2025.

Fonte: Elaboração: Scot Consultoria

Mercado futuro

Introdução ao mercado futuro da b3 e o contrato do boi gordo

O mercado futuro de boi gordo negociado na B3 é um instrumento financeiro para gestão de riscos e especulação na cadeia pecuária. Por meio de contratos padronizados, produtores, frigoríficos e investidores protegem-se contra a volatilidade de preços da arroba do boi, ao mesmo tempo que capitalizam oportunidades em cenários de alta demanda ou restrições de oferta.

Nesse contexto, modelos preditivos, como as Redes Neurais Recorrentes (LSTM), ganham relevância ao capturar padrões complexos e projetar cenários futuros. Aplicado aos dados históricos do preço da arroba, o LSTM ajustou-se à trajetória ascendente de longo prazo e às oscilações sazonais, oferecendo uma base quantitativa para antecipar movimentos do mercado.

O modelo LSTM, ajustado aos dados históricos do preço da arroba do boi gordo, utilizou um período de 18 meses para prever o próximo valor, aplicando janelas deslizantes que se atualizam a cada nova previsão. Com isso, o modelo projetou os seguintes valores para o próximo semestre de 2025:

Figura 5.
Previsão do Preço da Arroba do Boi Gordo para o Primeiro Semestre de 2025.

Data Valor
Mar/2025 R$307,15
Abr/2025 R$301,61
Mai/2025 R$299,80
Jun/2025 R$301,78
Jul/2025 R$306,81
Ago/2025 R$310,72

Fonte: Elaboração: Scot Consultoria

Para o mês de março, o modelo indicou uma queda de 5 reais no preço da arroba do boi gordo, valor ligeiramente inferior à redução de 9 reais observada na B3 (março: R$ 303,05).

Impacto dos eventos recentes nas projeções

1. Suspensão de frigoríficos e efeitos regionais

A suspensão de três plantas (Mozarlândia, Frisa e Bon Mart), que representam 10,67% da capacidade exportadora, pode gerar:

Pressão localizada nos preços: Mozarlândia, por exemplo, abate até 3 mil cabeças/dia, majoritariamente para exportação. A interrupção temporária pode aumentar a oferta regional de bois prontos para abate, reduzindo a arroba em áreas específicas (ex.: Goiás e Minas Gerais).

Impacto limitado no mercado nacional: a capacidade de São Paulo e de outros estados deve compensar parcialmente a queda, mantendo a estabilidade nacional.

2. Tensões comerciais EUA-China

O aumento de 10% nas tarifas chinesas para carne bovina dos EUA (a partir de março/2025) pode:

Aumentar a demanda pela carne brasileira: A China, maior compradora global, tende a diversificar fornecedores, beneficiando o Brasil. Isso pode sustentar ou elevar os preços projetados pelo LSTM, especialmente a partir de março, período de alta sazonalidade exportadora.

Neutralizar o efeito sazonal de março: Historicamente, o aumento de abates em março não pressiona os preços internos, pois a produção é absorvida pelo mercado externo. Porém, com demanda chinesa aquecida, há potencial para maior valorização da arroba, mesmo com aumento de abates.


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