Graduado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (1981), especializao em Comportamento Animal pela Universidade de So Paulo (1986), mestrado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (1985), doutorado em Psicobiologia pela Universidade de So Paulo (1995) e ps-doutorado pela University of Cambridge (1999).
Atualmente Professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Professor colaborador da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto, Professor visitante da Universidad Nacional Del Nordeste e Membro de Comite Consultivo da European Commission. Tem experincia na rea de Zootecnia, com nfase em Ecologia dos Animais Domsticos e Etologia. Atuando principalmente nos seguintes temas: Adaptacao Ao Calor, Bem-Estar Animal, Clima Tropical, Comportamento, Ingestive Behaviour e Ovinos
Scot Consultoria: A questo do bem-estar animal j uma das principais exigncias de pases importadores da carne bovina brasileira. De que forma ela pode contribuir para a melhoria na qualidade da carne produzida?
Mateus Paranhos: H vrios estudos mostrando uma relao direta entre o bem-estar animal e a qualidade da carne.
Em situaes mais extremas de falhas de manejo, em particular quando h agresso direta aos animais, esta relao bem evidente devido ao aumento de contuses (hematomas) nas carcaas, que resultam em sofrimento aos animais e perdas quantitativas e qualitativas de carne.
Por outro lado, h certos procedimentos de manejo que resultam em perdas de qualidade de carne menos evidentes, pelos menos aos olhos dos produtores.
Essas perdas so caracterizadas por altos valores de pH (que deixam a carne mais susceptvel contaminao por microorganismos) que podem resultar em carnes DFD ou tipo DFD, que se caracterizam por ser mais escuras, duras e secas. Esse problema geralmente decorrente de situaes que levam os animais a um gasto energtico. Associados isso est o esforo fsico que os animais so submetidos durante o manejo pr-abate, sendo de ocorrncia mais freqente em situaes de viagens muito longas e da mistura de lotes (que resulta em brigas); com isso h um consumo das reservas de energia na musculatura dos animais, com reduo do glicognio muscular, que fundamental para a formao do cido ltico, essencial para a acidificao durante o processo de transformao do msculo em carne.
Enfim, a qualidade intrnseca da carne (cor, sabor, maciez, etc.) diretamente dependente do bem-estar dos animais, mas vale enfatizar que h tambm outros critrios de qualidade, dentre eles o critrio moral, que resulta em exigncias comerciais como as apresentadas por alguns pases importadores da carne bovina, que exigem certos padres de bem-estar animal como condio mnima para a aquisio da carne.
Scot Consultoria: A exportao de gado em p vem sendo criticada, e uma das alegaes que a questo do bem-estar desses animais acaba sendo deixada de lado. Sabemos que j existem leis para que isso no ocorra. Gostaria que voc, como uma grande autoridade na questo de boas prticas e manejo dos animais, comentasse um pouco sobre tal questo.
Mateus Paranhos: O tema de transporte de longa distncia bastante polmico, independentemente se essa condio ocorra na exportao de animais ou no transporte dentro das fronteiras de nosso pas. De fato, h estudos mostrando que transportes de longa distncia causam estresse e sofrimento aos animais, em particular nas situaes em que suas necessidades no so atendidas adequadamente.
Acredito que ao invs de transporte de longa distncia, fosse melhor dizer, de longa durao, pois dependendo do meio e das condies de transporte, h situaes em que os animais ficam muito estressados, mesmo quando transportados curta ou mdia distncia, sob condies muito ruins.
As crticas exportao de bovinos vivos anterior ao inicio das exportaes brasileiras. Os embarques Australianos eram o alvo principal das presses para que este tipo de transporte fosse abolido.
A criticas eram fundamentadas (e continuam sendo) na falta de cuidados e nos riscos dessa atividade para o bem-estar animal. Por exemplo, a ONG
Compassion in World Farming tem uma campanha que tem como objetivo a proibio do transporte de longa distncia, justificando essa iniciativa com os argumentos de que o transporte de longa distncia causa enorme sofrimento aos animais em funo de que as densidades de carga so muito altas, resultando em:
1) maior risco de injurias e de pisoteamento, podendo levar os animais morte, 2) exausto e desidratao, principalmente quando os animais so submetidos a temperaturas extremas, muitas vezes sem a oferta de alimento, gua ou condies para descansarem e, 3) dor e estresse, por terem a capacidade de sentir (fonte:
http://www.ciwf.org.uk/what_we_do/live_transport/main_concerns.aspx ).
Para justificar essas campanhas usam exemplos de situaes que resultaram em estremo sofrimento dos animais e grande mortalidade, como por exemplo, a situao que ocorreu em 2003, quando um navio transportando 57 mil ovinos da Austrlia para a Arbia Saudita no foi autorizado a desembarcar os animais (por problemas sanitrios) e os ovinos permaneceram a bordo por trs meses e mais de 5000 deles morreram.
Frente ao acontecido, ficou evidente que h um maior risco de problemas como esse ocorrido quando no h mecanismos de controle da atividade. Devido a este tipo de problema o Governo da Austrlia decidiu formar um grupo de trabalho para tratar do tema, definindo a Estratgia Australiana de Bem-Estar Animal (para detalhes ver
http://www.daff.gov.au/animal-plant-health/welfare ), que definiu polticas pblicas e recomendaes prticas de como realizar o gerenciamento de atividades que envolvam aes com animais, dentre elas a exportao de animais vivos.
Assim, ao meu ver, a exportao de bovinos vivos, bem como o transporte de animais no pas, deve ser tratada com responsabilidade, sendo que todos os interessados (produtores, exportadores, e o prprio governo brasileiro, representado pelo Ministrio de Agricultura, Pecuria e Abastecimento), devem definir regras seguras de como isto deve ser feito, de forma a atender s condies para que o bem-estar dos animais e a imagem do setor produtivo no sejam colocados em risco.
Scot Consultoria: Como voc avalia a adoo de prticas em favor do bem-estar animal nas propriedades brasileiras? A adoo de medidas nesse sentido tem crescido ao longo dos anos na pecuria nacional?
Mateus Paranhos: Tenho uma avaliao muito positiva sobre a adoo das boas prticas de bem-estar animal nas propriedades brasileiras, sendo que algumas das mais importantes empresas agropecurias do pas j adotam essas prticas como rotinas em suas fazendas, servindo de exemplo para outros produtores que se sentem estimulados a tambm faz-lo, ao verem (na prtica) os bons resultados alcanados.
O crescimento da adoo das boas prticas de bem-estar animal tem sido constante.
Vale a pena ressaltar que na maioria das fazendas, a deciso de mudar parte da prpria necessidade em minimizar os problemas ocasionados pela falta de conhecimento durante o manejo dos animais, identificado pela equipe de trabalho da fazenda (proprietrios, gerentes, tcnicos e vaqueiros). Nesses casos, a preocupao no necessariamente com a obteno de vantagens na comercializao dos produtos, mas sim na melhoria da eficincia de planejamento e execuo dos processos de manejo dentro da fazenda.
Scot Consultoria: Na sua opinio, quais medidas ou aes devem ser tomadas para que campanhas e documento difamatrios contra pecuria nacional, que envolvem entre elas a questo do bem-estar animal, sejam desmistificadas e a realidade seja demonstrada?
Mateus Paranhos: Esta tambm uma questo bastante delicada, pois nessas situaes de crticas extremas, a primeira reao geralmente o contra-ataque e, muitas vezes, isto feito sem o cuidado que a situao exige.
Acredito que o melhor seria adotar uma estratgia mais construtiva, analisando as criticas com cuidado, e respondendo a elas sem paixo, estruturando as respostas e os argumentos em evidncias concretas, de preferncia com fundamentao cientfica. Devemos tambm ter a serenidade para permitir o discernimento entre as criticas relevantes e no relevantes, e no caso das primeiras, criar mecanismos para resolver ou minimizar os problemas apontados. Enfim, agir com conhecimento, maturidade e responsabilidade.
Hoje, possvel demonstrar na prtica os benefcios conquistados por fazendas, transportadoras e frigorficos, que aprimoraram suas estratgias de manejo, tendo o bem-estar como referncia. A divulgao disto, utilizando os bons exemplos de maneira concreta e direta, a melhor maneira de lidar com crticas e tambm de despertar o interesse de outros envolvidos na cadeia de que possvel fazer diferente e melhor.
Scot Consultoria: Como tem atuado o Grupo ETCO na extenso e divulgao dos benefcios da adoo de prtica de bem-estar animal?
Mateus Paranhos: O Grupo ETCO um grupo acadmico, de ensino e pesquisa que atua predominantemente nas reas de comportamento e bem-estar de animais de produo. Com base nos resultados de nossas pesquisas e tambm nos de outros pesquisadores temos oferecido solues prticas para melhorar as condies de manejo e de instalaes, nas fazendas ou granjas, no transporte e tambm nos frigorficos. Essas aes de extenso se materializam com a publicao dos manuais de boas-prticas de manejo, treinamentos e artigos de divulgao (alguns disponveis em nosso sitio da Internet,
www.grupoetco.org.br ).
H tambm uma srie de bons exemplos de como a aplicao das boas prticas de manejo melhora o bem-estar nas fazendas e nos frigorficos, promovendo a qualidade de vida de todos envolvidos, humanos e animais.
Continuamos trabalhando na busca de solues para os problemas e na divulgao das solues encontradas; os desafios so grandes, mas tambm motivadores, estimulando um maior nmero de pessoas a se envolver com o tema do bem-estar de animais de produo.
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