Conhece as realidades deste mercado? Murilo Nahas, diretor da JC Maschietto, tem, além de vivência, uma visão ampla sobre o assunto e falou, em entrevista, sobre a consciência dos pecuaristas com relação à manutenção da pastagem como cultivo agrícola. Na conversa, também esteve em pauta os reais reflexos dos altos preços da arroba no comportamento das vendas de sementes, fazendo uma relação com as variações climáticas. Além disso, Murilo ainda comentou o mercado clandestino de sementes, seu real tamanho e suas consequências para a pecuária e, por fim, as expectativas do setor de insumos para 2015.
Vale a pena entender o que de fato reflete no comportamento deste mercado. Leia a entrevista na íntegra:
Scot Consultoria - O pecuarista, hoje, já é totalmente consciente sobre as vantagens da tecnificação para as pastagens? Nos últimos anos, os investimentos têm aumentado?
Murilo Nahas - Seria muito bom se pudéssemos responder positivamente. Mas a realidade revela outro cenário. Após décadas de estudos técnicos procurando demonstrar que a pastagem deve ser encarada como um cultivo agrícola (como soja, milho), infelizmente uma parcela considerável dos pecuaristas ainda vê a brachiaria ou o panicum como espécies que aguentam qualquer desaforo, que podem ser semeadas de qualquer maneira, não necessitam de reposição de nutrientes e toleram qualquer manejo.
Brasil afora, encontramos paradoxos como pecuaristas que tratam o pasto de maneira mais relapsa - apesar da pastagem ser a base da alimentação de seu rebanho - e, quando decidem fazer uma área relativamente menor de milho para silagem, o fazem como manda o figurino técnico; corrigindo, preparando e fertilizando o solo, procurando utilizar uma semente de qualidade e atentando para o processo de semeadura. O paradoxo aumenta quando lembramos que as gramíneas utilizadas para pastagens no Brasil são perenes - ao contrário do milho, que é anual. Ou seja, um bom processo de formação da pastagem constrói os alicerces para décadas de exploração da área, sem necessidade de reforma e custos, apenas reposições de nutrientes e manejo correto da carga animal. Já uma formação falha, com um stand não adequado de plantas, acaba por ter reflexos no curto e médio prazos, com a rápida deterioração do pasto, o que leva o pecuarista a ter que investir na reforma da área em três ou quatro anos.
Há alguns eventos que aceleram pontualmente a adesão a tecnologias nas pastagens. Um exemplo típico é o lançamento de novos cultivares. O sonho de todo pecuarista é que seja lançada uma gramínea mágica, que atenda a todas as suas necessidades operacionais de manejo, o que é uma utopia. Mas se fizermos uma enquete, com certeza as características que eles mais desejam hoje - e que não são plenamente atendidas pela coleção de gramíneas disponíveis no mercado - são a melhor resistência à seca (melhor produtividade no período de escassez hídrica) e melhor tolerância à cigarrinha das pastagens. Há pouco mais de um ano, a Embrapa lançou a Brachiaria brizantha cv BRS Paiaguás, cuja principal característica atende à primeira demanda acima - este material tem um excelente desempenho na seca, com uma capacidade de engorda sob escassez de água mais de 2,5 vezes superior às outras brachiarias. Também já está em estudo, com lançamento programado para 2016, a primeira brachiaria híbrida da Embrapa, que vem demonstrando ser capaz de atender à segunda demanda (resistência à cigarrinha - inclusive a Mahanarva). A expectativa é que estes materiais tenham uma boa acolhida no mercado, gerando uma bolha pontual de adesão à tecnologia.
Mas ainda assim persistem carências tecnológicas anteriores a lançamentos de novos materiais genéticos, os materiais disponíveis atualmente são subaproveitados em seu potencial de produção. Um exemplo simples é a resistência verificada em muitas propriedades para a técnica de divisão de pastagens: como aproveitar, por exemplo, todo o potencial - que é alto - da Mombaça se o piquete tem um tamanho grande? O que inviabiliza o manejo técnico requerido por esta espécie? Uma simples readequação logística dessa realidade, que permita uma rotação da carga animal, aumenta consideravelmente o índice de aproveitamento do potencial dessa gramínea.
Scot Consultoria - O bom momento do mercado do boi gordo reflete no comportamento das vendas de sementes?
Murilo Nahas - O senso comum diria que sim. Afinal, em um histórico de décadas, percebe-se que sempre que o preço a arroba é favorável o pecuarista aumenta seu apetite por investir em sua atividade. Mas o senso comum, por princípio, aplica-se a tempos de normalidade. E os últimos tempos não têm sido nada normais.
Explico-me: a variação climática dos últimos anos tem alterado o comportamento do pecuarista. Há regiões em que, até alguns anos atrás, a chuvas se estabilizavam a partir de fins de setembro ou início de outubro. Esse era o momento certo e menos arriscado de formar ou reformar pastagens. Ocorre que essa estabilização passou a tardar para novembro ou dezembro. Em 2013 e 2014 a chuvas somente se normalizaram em janeiro. Estamos assistindo a este mesmo fenômeno em 2015.
Assim, alguns pecuaristas que ficaram aguardando o melhor momento para fazer a reforma, ao se darem conta da época do ano, acabam por desistir da empreitada, com receio de uma diminuição das precipitações nas primeiras semanas após a semeadura.
Isso tem mexido com o mercado e fragilizado o posicionamento de empresas de sementes, que ficam frustradas com suas projeções de vendas; como no início de 2014, que acabaram por vender menos do que o esperado e iniciaram a venda da nova safra (colhida a partir de junho/14) com maior pressão e dispostas a sacrificar margens para viabilizar vendas e seu giro financeiro. Assim, o volume de vendas foi efetivamente maior em relação ao ano passado, afinal, havia mais disponibilidade de sementes e seus níveis de preços estavam mais baixos em comparação ao ano anterior. Mas estima-se que o faturamento agregado das empresas tenha permanecido estável, apesar dos bons ventos soprados a partir dos patamares de preços da arroba verificados atualmente.
A Embrapa tem estudado o fenômeno de degradação das pastagens associado a esta variação climática - e preliminarmente as regiões de produção pecuária mais afetadas são Goiás e leste de Mato Grosso. Isto em geral leva a uma projeção de aumento de propensão de demanda por sementes nos próximos anos. Mas a incógnita do clima pode embaralhar essa equação.
Scot Consultoria - O produtor tem buscado sementes de qualidade no setor ou o mercado clandestino ainda é muito grande? Sabe nos dizer qual é a taxa de informalidade do mercado?
Murilo Nahas - O mercado clandestino é efetivamente e, infelizmente, grande. Esta clandestinidade pode se manifestar por pirataria de materiais protegidos - é crescente a comercialização, por exemplo, de sementes de Piatã por empresas não licenciadas pela Embrapa.
Mas a clandestinidade mais sentida pelo mercado deriva da comercialização de sementes com padrões de pureza inferiores ao que determina o Ministério da Agricultura. A Lei atual prescreve que o mínimo de pureza permitido para a comercialização de sementes de brachiaria no mercado nacional é de 60%. Estima-se que determinadas regiões do Brasil, principalmente em áreas de fronteira de pecuária com grandes e crescentes rebanhos, a maioria das sementes adquiridas pelos pecuaristas não atendam a este padrão mínimo. Isto deriva das dificuldades operacionais de fiscalização pelos órgãos competentes em um território extenso como o brasileiro. Empresas pouco idôneas - infelizmente em número significativo - aproveitam-se dessa brecha para vender a preços baixos sementes com qualidade mais baixa ainda, algumas com pureza menor do que 20%.
Este comportamento de parte de empresas de sementes acaba por gerar um círculo vicioso: o pecuarista conhece os custos de formação de pastagem - uma reforma técnica custa cerca de R$1.200 por hectare, considerando calagens, adubação, preparo do solo, semeadura, sementes, compactação - e sabe que a semente, apesar de custar cerca de 5% deste total, é elemento determinante, afinal, uma semente de má qualidade pode colocar a perder todos estes investimentos. Como ele sabe que muitas empresas de sementes não são sérias, para não arriscar, acaba por aumentar significativamente a taxa de semeadura (uma brachiaria de VC 50% requer uma taxa de 8 quilos por hectare, já com margem de segurança). Apesar disso, muitos pecuaristas optam por dobrar este volume - muitos utilizam mais de 20 quilos por hectare - para não arriscar. Isto abre margem que as empresas pouco idôneas reduzam ainda mais a pureza da semente a ser entregue, pois a quantidade de sementes por metro quadrado já estará alto pela taxa de semeadura.
O pecuarista precisa atentar para o fato de que esta semente clandestina apresenta outros riscos além de um stand inicial de plantas inadequado. Uma semente com VC baixo apresenta um percentual maior de impurezas, que não necessariamente são inertes. Sementes de plantas daninhas, misturas varietais, ovos de insetos, nematoides, são elementos que podem ser transportados clandestinamente a suas propriedades, com óbvios prejuízos futuros.
A notícia boa é que, apesar da velocidade lenta, é cada vez mais frequente o número de pecuaristas que solicitam a análise da qualidade das sementes - os custos deste processo são baixos - e condicionam a pagamento integral à confirmação da pureza e do valor cultural (VC) adquiridos. Isto é um instrumento poderoso para forçar uma mudança de postura das empresas e diminuirá a clandestinidade no mercado de sementes para pastagens.
Scot Consultoria - Quais as expectativas do setor de insumos para as vendas em 2015?
Murilo Nahas - É cedo ainda para uma previsão precisa. O mercado de sementes reflete o desempenho de uma atividade agrícola (a produção de sementes). Os campos de produção são, em geral, formados a partir de novembro, e a colheita da nova safra realizada a partir de junho. Assim, ainda há poucos elementos para uma projeção mais criteriosa.
Mas é possível analisar indícios que podem sinalizar comportamentos futuros. O processo de formação de preços de sementes é dinâmico e dependente de uma série de variáveis. Podemos definir como os três principais elementos determinantes de preços: 1) o tamanho total da área de produção; 2) a sobra de sementes da safra passada; 3) a produtividade da colheita da nova safra.
Ainda é cedo para uma estimativa mais precisa da variação da área total destinada à produção da cada cultivar nas diferentes regiões do Brasil. Estes dados começam a ser consolidados no setor a partir de final de fevereiro. Mas sabemos desde já que o ano-safra 2015 deve começar com baixo estoque de sementes remanescente da safra anterior. Espécies como Xaraés/MG-5, Decumbens e Mombaça estão escassas atualmente, gerando pressões altistas nos preços para as vendas das sementes a serem colhidas a partir de junho/15.
Já com relação ao terceiro pilar de formação de preços, a produtividade da colheita, obviamente é cedo para falar, pois isso é determinado por muitas variáveis - chuvas na época de vegetação e florescimento, em abril e maio, tendem a aumentar a produtividade, enquanto a umidade na época da colheita, a partir de junho, a reduzem. Mas já há notícias de campos de produção formados em novembro/14 que tiveram que ser dessecados por influência de secas severas em determinadas regiões produtoras. Os campos foram ressemeados, mas provavelmente sua produtividade já está parcialmente comprometida.
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